Saldo positivo II

A I Conferência Nacional de Comunicação, Confecom, começou com indícios de
que poucos avanços seriam conquistados durante os quatro dias de discussão
entre movimentos sociais, empresários e o governo.

A começar pelas regras do jogo. Temendo o teor das propostas que pudessem
ser aprovadas pelos Grupos de Trabalho, os empresários exigiram a utilização
do chamado voto sensível também nessa fase da conferência. O mecanismo a ser
utilizado era: caso metade de um dos três segmentos – governo, sociedade
civil não empresarial e empresários -pedisse voto sensível, as propostas
precisariam da aprovação de 60% mais 1 dos votantes para serem acatadas.

Foi esse acordo na Comissão Organizadora Nacional (CON) que garantiu a
participação dos empresários da Telebrasil (telecomunicações) e da Abra
(Bandeirantes e Rede TV!) na Confecom pois eles ameaçavam abandonar o
processo no dia da abertura caso a proposta não fosse implementada. Diante
da ameaça, algumas entidades integrantes da CON aceitaram as condições.

Porém, os delegados e delegadas da sociedade civil não empresarial que não
estavam alinhados com nenhuma das entidades e movimentos participantes das
articulações para o acordo, e parte das bases dos movimentos que
participaram do acordo se rebelou contra o que chamaram de “acordão” e
exigiram que o mesmo fosse desfeito. Os presentes temiam que a aplicação do
voto sensível nos GTs inviabilizasse toda e qualquer discussão e, portanto,
a própria Confecom.

Boa parte da noite de abertura e do primeiro dia da Conferência foi
consumida neste debate. Por fim, na manhã de terça-feira (15-12), um novo
acordo foi feito. Ficou definido que cada setor presente na Conferência
teria direito a uma quantidade limitada de propostas para serem levadas à
plenária. O acordo previa que as questões que não foram aprovadas por mais
de 80% dos integrantes de um GT, mas tiveram mais de 30% dos votos
(apelidadas de propostas do limbo), deveriam ser priorizadas com base em uma
nova regra: a sociedade civil e os empresários poderiam escolher 4 propostas
desta categoria para serem levadas à plenária, e o governo 2, totalizando 10
por GT e 150 na plenária final.

As propostas com mais de 80% de adesão foram aprovadas nos GTs de forma
terminativa. As que tiveram menos de 30% de votos foram automaticamente
excluídas.

No entanto, ao contrário do que tudo fazia crer, a Conferência foi um
sucesso. Muitas propostas tidas como bandeiras históricas pelos movimentos
sociais foram aprovadas. Essa conquista é fruto de um amadurecimento dos
setores empresarial, social e governamental.

*A função pedagógica da Conferência*

A comunicação é um direito humano essencial, previsto inclusive na
Declaração Universal dos Direitos Humanos. No entanto, esse não era um tema
debatido pela sociedade como um todo, ficou durante muito tempo restrito a
profissionais da área e especialistas.

A realização da Confecom, ao pautar a comunicação nos quatro cantos do país,
mudou essa realidade. Pequenos e grandes municípios, das capitais e do
interior do país se propuseram a participar da discussão, a definir suas
prioridades, a pensar em uma política de comunicação para o país.

E não só. O governo se dispôs a ouvir, a querer entender quais as principais
demandas da sociedade. Por ser a primeira, aprendeu na prática a fazer uma
conferência em uma área bem diferente de praticamente todas as demais em que
já ocorreram Conferências como esta. Cometeu alguns equívocos, é verdade.
Mas faz parte do processo da construção democrática.

Os empresários, por sua vez, se colocaram no debate democrático. Expuseram
suas propostas e dialogaram sobre suas demandas. Ouviram e foram ouvidos.
Certamente também aprenderam muito com esta construção.

*Bandeiras históricas*

Apesar de a Confecom não ser deliberativa, para muita gente os resultados
foram além do esperado. Os empresários presentes tiveram sensibilidade e bom
senso, o que permitiu a aprovação de diversas bandeiras históricas da
sociedade civil. Isso não significa que o processo tenha sido fácil e
indolor. Ao contrário, essas conquistas são fruto de muito embate, disputas
e negociações antes e durante a conferência.

Outro fator importante foi a coesão da sociedade civil, que após amplo
processo de debates nas etapas que antecederam esta conferência, estava
preparada para debater os mais diversos temas. E o fez com maestria. Foram
672 resoluções aprovadas. Veja algumas:

– Realização de Conferências de Comunicação a cada 2 anos;

– Questões que diziam respeito à promoção da diversidade e setores
minorizados na sociedade brasileira (entre elas, as cotas) tiveram aprovação
consensual no próprio grupo, não tendo ido para votação na plenária;

– A necessidade da regulamentação dos artigos 220, 221 e 222 foi aprovada de
maneira genérica. Os textos específicos não chegaram a ser votados por falta
de tempo;

– Controle social da mídia nos mecanismos de fiscalização, financiamento,
obrigações fiscais e trabalhistas e conteúdos. Por controle social, não se
entende uma censura prévia, como querem fazer crer os meios de comunicação,
mas o estabelecimento de mecanismos que garantam à sociedade monitorar e
fiscalizar a atuação e a produção de conteúdo pelos meios;

– Proibição da propriedade cruzada dos meios de comunicação;

– Limite ao capital estrangeiro para 10%, e não mais 30% como a atual regra;

– Criação de Conselhos de Comunicação (nos moldes dos Conselhos de Saúde);

– Criação de um Plano Nacional de Comunicação;

– Descriminalização das Rádios Comunitárias;

– Proibição do aluguel de espaços na televisão – sublocação do espectro
eletromagnético (geralmente realizado para igrejas ou programas de venda de
produtos e serviços);

– Criação do Observatório Nacional de Mídia e Direitos Humanos;

– Criação de cotas (50%) nos canais e programas de TV por assinatura para
conteúdos nacionais;

– Criação de um Fundos Nacional e de fundos estaduais de Comunicação para
financiamento das mídias de caráter público e comunitário;

– Criação de cotas para produção regional (30% nas emissoras abertas);

– TVs abertas e fechadas (por assinatura) devem implementar as finalidades
culturais, educativas, informativas e artísticas, reservando 10% do horário
para cada uma destas;

– O acesso à banda larga foi aprovado como direito fundamental do cidadão,
tal como o direito à água, luz, educação;

– Proibição de políticos e agentes públicos e seus familiares até o segundo
grau serem proprietários de emissoras de rádio e TV.

*Questões relativas ao jornalismo*

– Volta da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão;

– Garantia de respeito aos direitos autorais dos jornalistas;

– Criação de um código de ética para o jornalismo como um todo, envolvendo
também as empresas e outras instituições detentoras de veículos de
comunicação (o que existe é o Código de Ética do Jornalista Brasileira,
aprovado em congresso da Fenaj em 1987);

– Proibição legal da publicidade infantil;

– Votação pelo Congresso de uma nova Lei de Imprensa;

– Criação do Conselho Federal de Jornalismo;

– Inclusão da “cláusula de consciência” na regulamentação da nova Lei de
Imprensa (ela permite que o jornalista não violente suas convicções em nome
dos interesses da empresa para a qual trabalha).

Todas as propostas aprovadas serão disponibilizadas no sítio da Confecom:
www.confecom.gov

http://www.autor.org.br/noticia_detalhe.php?id_noticia=697

— 
Vanessa Silva
Repórter
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