Relator diz que não sabe se irá rejeitar a Lei Azeredo

Ontem, dia 1 de julho, ocorreu uma reunião para discutir o projeto de
crimes na Internet, conhecido como Substitutivo do Senador Azeredo,
recentemente denominado de AI-5 Digital. A reunião foi chamada pelo
relator do projeto, deputado Julio Semeghini
. O projeto foi aprovado pelo Senado
em julho de 2008 e voltou para a Câmara dos Deputados onde deverá ser
definitivamente aprovado ou rejeitado. O projeto recebeu o apoio de
todos os líderes partidários para entrar em regime de urgência. Os
deputados Paulo Teixeira, Jorge Bittar e Walter Pinheiro conseguiram chamar uma audiência
pública para esclarecer a Câmara dos perigos que envolviam a propostado
Senador Azeredo.

Na audiência pública, conseguimos junto com a FGV
mostrar que o projeto era genericamente perigoso e que poderia
criminalizar práticas cotidianas na Internet. Além disso, a sociedade
civil começou uma gigantesca campanha na rede de combate ao projeto.
Flash Mobs, atos públicos (Curitiba, São Paulo, Porto Alegre, Belo
Horizonte e Rio de Janeiro), uma das petições contra a proposta atingiu
140 mil assinaturas, enfim a rede condenou o projeto que pretende tornar
procedimentos excepcionais para investigar criminosos em padrão de
submissão de todos os internautas. As diversas manifestações culminaram
com a vinda do presidente Lula no Fórum Internacional de Software Livre
e com sua condenação explícita as tentativas de controlar a Internet.

O projeto do Senador Azeredo traz uma agenda oculta, principalmente da
indústria do copyright que quer evitar o compartilhamento de arquivos
digitais e pretende trasnformar os provedores em “polícia privada”. Já
que não conseguem convencer as pessoas de que usar redes P2P e trocar
arquivos é o mesmo que “roubar”, articulam, desde a Convenção de
Budapeste

, a idéia de utilizar os provedores de acesso (ISPs) para violar a
privacidade dos cidadãos e vigiar sua navegação na rede. O lobby da
Aliança Internacional de Propriedade Intelectual diz claramente que
atuam para aprovar o projeto de Lei 89/2003 (nome do Substitutivo do
Azeredo na Câmara dos Deputados), mas o Senador e seus apoiadores negam.
Por isso, coloco aqui um trecho do Relatório da Aliança
e o link para que o
Senador e seus apoiadores na Polícia Federal e no Governo possam
explicar porque estão negando o que está evidenciado até em documentos
públicos. Veja o texto da Aliança Internacional de Propriedade Intelectual:

“Below is a summary of various bills pending in Brazil that are of
particular interest to the copyright industries.
(…)
*Cybercrime Bill (Bill 89/2003)*: BSA reports that Bill 89/2003 advanced
last year and was approved by the Senate, but is still under
consideration by the Chamber, and this bill is expected to pass in 2009.
This bill amends the Penal Code to create criminal sanctions for
Internet crimes, such as child pornography, invasion of privacy,
identify theft, and the like. There also is a provision which
establishes that ISPs shall only provide information regarding users to
authorities with a judicial request; *MPA is lobbying to have this
particular proposal modified in order to allow ISPs to provide users’
information through a court order and not only to police authorities and
prosecutors*.”
Disponível: http://www.iipa.com/countryreports.html

Participaram da reunião de ontem, dia 1 de julho, chamada pelo deputado
Julio Semeghini: Pedro Rezende, Ricardo Bimbo, Ronaldo Lemos e Sergio
Amadeu, pela sociedade civil; Eduardo Parajo, pela Abranet; Daniel
Arbix, pelo Ministério da Justiça; Paulo Teixeira e Manuela D’Ávila,
deputados; Dr Sobral, delegado da Políci Federal; Fabio Luis Mendes,
assessor da Comissão de Ciência e Tecnologia entre outros assessores.

Em síntese, propusemos ao Semeghini que ele 1) vetasse o projeto do
Azeredo; 2) apresentasse o marco civil na Internet, tendo como base a
proposta da FGV ampliada com uma parte sobre direitos dos internautas na
rede e com uma definição diferenciada para a guarda dos logs; 3)
apresentasse, também em agosto, uma lei bem clara e enxuta sobre o que
deve ser considerado crime na Internet.

Muito interessante foi a declaração do Dr Sobral que afirmou que para
resolver e coibir crimes contra os bancos não há necessidade de nova
lei. Ronaldo Lemos perguntou, então, para que tipo de crime seria
necessário a guarda de logs e outros dispositivos da lei Azeredo? Dr
Sobral focalizou em crimes de difamação, injúria e cyberbulling.

O deputado Julio Semeghini disse que iria desmentir se alguém ali ao
sair da reunião difundisse que ele fechou com a rejeição do projeto do
Senador Azeredo. Pois bem, aqui está a informação! Semeguini resiste a
idéia de soterrar o projeto do Senador Azeredo. Ao mesmo tempo, se
comprometeu em vetar os artigos que são polêmicos. Se o relator
realmente fizer isso, o projeto do Senador Azeredo será aprovado sem os
artigos 285-A, 285-B e o 22, além de outros. O projeto do Azeredo sem
estes artigos torna-se absurdo e completamente inócuo.

Por que Semeghini quer manter um projeto que dá pena de prisão para
spammers e diz que acessar indevidamente um site dá pena de 1 a 3 anos
de prisão enquanto invadir uma casa dá pena de 1 a 3 meses?

Na reunião, apenas o delegado da PF sustentou a guarda de logs. Também
disse que era necessário para coibir crimes. Afirmamos que a polícia
somente poderia pedir a guarda de dados de acesso dos cidadãos mediante
indício de crime e com ordem judicial. Isto é uma exigência do Estado de
Direito. Dissemos a ele que a guarda de logs é proibida nos Estados
Unidos e que se todos tivessem que guardar logs no Irã, não teríamos
informações do que lá estava ocorrendo.

Expliquei que a obrigação legal inviabilizará as redes abertas, as redes
mesh, o wi-fi aberto nas praças, hotéis e cafés, dificultara a formação
e operação dos telecentros, lan houses, pequenos provedores, empresas
que dão acesso dos seus funcionários à Internet.

Eduardo Parajo detalhou tecnicamente o absurdo que seria a guarda de
dados dos cidadãos, mas o delegado da Polícia federal insiste que sem os
logs por 3 anos não dá para pegar 70 % dos criminosos. Eu disse que o
delegado exagerava, pois mais de 70% dos crimes fora da rede não eram
esclarecidos, nem seus responsáveis punidos. Por isso, não concordava
com a frase de impacto dita pelo delegado: “eu apenas quero ter na rede
as condições de investigação que tenho no mundo real”. Denunciei que a
PF queria transformar a Internet em uma rede de controle e vigilância,
inaceitável para a democracia e para a criação tecnológica.

A maioria dos presentes insistiram que todos deixam um rastro difgital
ele pode pedir autorização judicial para que o provedor, seja qual for,
busque os logs e informações de quem utilizou os mesmos. Mas, ele
insiste em tornar uma exceção em regra da Internet. Só não explicou como
um pequeno telecentro em uma cidade do norte do país que funciona como
único provedor de acesso deverá guardar os logs.

Contraditoriamente, o delegado e o deputado Semeguini diz que a Polícia
só quer os logs de acesso, mas não quer saber quem o utilizou, por isso,
as praças poderiam ter redes abertas. Eu perguntei: de que adianta logs
sem condição de saber quem os utilizou? Eles, Dr Sobral e Julio
Semeghini dizem não entender a minha pergunta. Bom, então, vamos lá
explicar:

*Primeiro*, para o Dr Sobral se a Praia de Copacabana tem um provedor
público de acesso, sem fio, ele deverá guardar os logs.

*Segundo*, o log de acesso nos diz quem usou um determinado endereço IP
para navegar na Internet.

*Terceiro*, supondo que o provedor tenha apenas 1 ou 2 IPs, isso não
impede que várias pessoas os utilizem para navegar na internet.

*Quarto*, Vamos imaginar que 50 pessoas estejam usando a rede wireless
aberta de Copacabana, as 15 horas, de um dia qualquer e que uma delas
tenha cometido um crime de difamação.

*Quinto*, pelo rastreamento digital a PF chega ao IP da rede de
Copacabana. Então vai até o adminstrador da rede e pede o nome de quem
estava usando aquele IP. O administrador responde: não sei, pois não
pedimos que as pessoas se identifiquem civilmente. Em uma rede aberta, o
log sem autenticação dos usuários e nada é a mesma coisa para uma
investigação.

*Sexto*, por isso, o delegado não quer apenas que a guarda dos logs seja
realizada, mas que também quem está se logando seja identificado. Esta
identificação não poderá ser de qualquer jeito, pois do contrário também
não servirá para nada.

*Sétimo*, imagine agora que a rede de Copacabana peça a seus usuários
que se registrem online preenchendo seu nome, endereço e RG. Os
criminosos e aqueles que não querem navegar tendo seus dados
monitorados, inventarão dados e obterão condições de navegar na rede.
Quando a PF for atrás dos dados, eles não servirão para nada pois não
são verdadeiros.

*Oitavo*, por isso, a PF depois do log vai querer a identificação
positiva dos usuários de qualquer rede. Tal como ocorre na China.

*Nono*, por isso dizemos que tal log e identificação não atinge os
criminosos informáticos, pois estes se escondem com tecnologias
sofisticadas, “embaralhadores de IP”, proxys anônimos, etc. Esse tipo de
identificação visa apenas pegar jovens que não são criminosos e que
compratilham músicas, vídeos, que usam redes P2P e que participam de
campanhas como a #foraSarney.

*Décimo*, por isso, Lula disse que esse projeto é de censura na
Internet. Ele tem toda razão. Semeghini está errado.

Resta saber de que lado o deputado ficará: com os argumentos da
sociedade civil ou com os argumentos da PF? Não adianta dizer que não
entende por que as redes abertas serão fulminadas com a guarda de logs.
Não adianta dizer que não sabia que a lei de guarda de logs obrigatório
terá uma regulamentação e uma auditoria sobre a guarda (o delegado
defendeu abertamente isso na reunião).

Uma exigência absurda como essa, além de tudo, é contrária ao avanço
tecnológico. Como poderemos desenvolver as redes mesh com a exigência de
guarda de logs, deputado? Além disso, sua proposta não ficará obsoleta
com a substituição do IPv4 pelo IPv6? Não é melhor aparelhar a PF para
agir contra os criminosos no ciberespaço ao invés de bater o pé em uma
medida que visa tornar um procedimento inócuo contra criminosos como
padrão da rede?