Pluralidade e diversidade de meios de comunicação

A comunicação é uma característica humana e uma necessidade social fundamental,
reafirmada na importância de cada homem e mulher exprimir suas idéias e opiniões sem
restrições. Já dizia Paulo Freire que a profundidade da significação do ser cidadão passa
pela participação popular, pela “voz”. “A voz é um direito de perguntar, criticar, de
sugerir. Ter voz é isso. Ter voz é ser presença crítica na história”, disse o educador.

Neste contexto, a proteção à liberdade de opinião e expressão destina-se, sobretudo, a
permitir uma adequada, autônoma e igualitária participação dos indivíduos na esfera
pública. Daí ser essa liberdade um dos pilares de qualquer Estado Democrático de
Direito. Como direitos fundamentais, a liberdade de expressão e opinião foram
reconhecidas em 1789, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Em 1948,
a Declaração Universal dos Direitos Humanos conferiu caráter global a tais direitos.

Mas aquela que era a reivindicação primordial na época do surgimento da imprensa
tornou-se limitada e restrita diante dos fenômenos contemporâneos da indústria cultural
e da concentração de poder econômico no setor de comunicação e diversão. Diante
dessa nova realidade, a concepção mais tradicional da liberdade de expressão se mostra
simplesmente a reivindicação de um livre mercado, em que forças desiguais se
enfrentam e disputam espaço livremente. Nos últimos 20 anos, a centralidade da
comunicação para a realização dos debates públicos e para a produção de idéias e
formação de valores se intensificou brutalmente.
Aquilo que Habermas caracterizou como a esfera pública burguesa – o espaço social
onde se fazia a disputa hegemônica ideológica – é hoje uma arena ocupada pelos meios
de comunicação, sobretudo pelo rádio e a televisão, um dos únicos serviços públicos
presente na quase a totalidade dos municípios brasileiros. E, mais do que influenciar na
formação da opinião pública, a comunicação é central na construção da agenda, na
definição daquilo que será discutido ou não pela população no seu cotidiano. O que não
passa pelos meios de comunicação está fora, portanto, da agenda social.
Infelizmente, o caráter desta esfera pública midiática se mostra hoje prioritariamente
privado. A nova arena pública deixou de ser um espaço de exercício de um direito, do
qual se espera emergir uma opinião, e tornou-se um meio de circulação de opiniões
estabelecidas, às quais se espera uma adesão. A globalização e a concentração da mídia
em grandes organizações corporativas acentuaram fortemente este processo. Há 20
anos, 50 corporações dominavam o mercado de mídia nos EUA. Eram 23 no início da
década passada. Hoje são cinco.
Ao realizarem seus valores-de-uso, as mercadorias informação e entretenimento,
produzidas pela grande mídia, veiculam ideologia. Diante do poder que os grandes
grupos de comunicação têm de transmitir seus conteúdos, muito maior do que o poder
de qualquer cidadão sem acesso aos meios de produção e veiculação de comunicação, a
desigualdade na disputa ideológica se torna brutal. Instaurando, com seu poder, um
espaço público autoritário, a mídia e sua monofonia destruíram a relação horizontal
própria da democracia clássica. São poucas vozes falando e uma massa passiva ouvindo.
Apesar da Constituição Federal de 1998 proibir o monopólio dos meios de
comunicação, este artigo – assim como os demais do capítulo das comunicações – até
hoje não foi regulamentado. O resultado, segundo levantamento do Epcom – Instituto
de Estudos e Pesquisas em Comunicação, é que apenas seis redes privadas nacionais de
televisão aberta e seus 138 grupos regionais afiliados controlavam, em 2002, 667
veículos de comunicação. O vasto campo de influência dessas redes se capilariza por
294 emissoras de televisão VHF, que abrangem mais de 90% das emissoras nacionais.
Somam-se a elas mais 15 emissoras UHF, 122 emissoras de rádio AM, 184 emissoras
FM e 50 jornais diários.

A concentração dos meios de comunicação nas mãos de pouquíssimos contribui para a
afinação do discurso hegemônico e para o fortalecimento desses grupos empresariais,
solidários entre si. Tamanho controle oligárquico dos meios e o conseqüente poder
conquistado no país pelos grandes grupos de mídia fazem com que, entre nós, “o
mercado” continue absoluto, como única forma admitida pela indústria das
comunicações como critério e medida das liberdades de expressão, de imprensa e de
acesso à informação no país. Para o pensamento hegemônico, é absurdo pensar a
comunicação como um direito a ser garantido também por meio de políticas públicas
nacionais, e qualquer alusão à necessidade de algum tipo de regulação democrática do
setor, de forma estender este direito à população como um todo, é sumariamente
caracterizada como censura.

Assim, apenas os grandes grupos econômicos, beneficiados com concessões públicas de
rádio e televisão, podem influir no processo de formação das idéias e costumes sociais,
enquanto as demais organizações sociais estão excluídas deste processo. Nos últimos
anos, a Internet surgiu como um importante espaço alternativo aos meios de
comunicação em massa. Porém, apesar de seu crescimento, o percentual da população
brasileira que tem acesso à rede mundial de computadores ainda é limitado.
Enquanto isso, os concessionários de rádio e TV exploram o serviço público da
comunicação ignorando os poucos limites estabelecidos em lei, como a obrigatoriedade
de transmitir pelo menos 5% de conteúdo jornalístico na grade de programação; ou o
limite de 25% para a veiculação de publicidade. Há muito tempo, na verdade, as
concessões se transformaram em moeda de favorecimento político. Boa parte das
outorgas é dada a políticos em troca de apoio e são muitos os parlamentares sócios de
emissoras, o que é proibido pela Constituição. Há emissoras comerciais em operação
cujas outorgas venceram há 20 anos. E no momento em que as concessões são
renovadas, também não há participação da sociedade no debate. Não se busca
compreender o quanto aquele canal se baseou no interesse público nem discutir com os
verdadeiros donos do espectro – o povo – se aquele é o melhor uso para o canal.
Essa situação sustenta um sistema de comunicações, como visto, concentrado nas mãos
de poucos. O controle sobre as concessões de rádio e TV, que deveria ser um
instrumento para evitar esse quadro, é ignorado pelo Congresso Nacional. Enquanto
isso, as rádios comunitárias sofrem com a repressão da Anatel (Agência Nacional de
Telecomunicações) e da Polícia Federal, que, no primeiro mandato do presidente Lula,
fecharam mais emissoras do que o governo FHC. Eles “sabem o que fazem”: a
comunicação, sob o domínio daqueles que hoje são oprimidos, é uma ferramenta
eficiente de organização, agitação, conscientização e propagação da transformação
social.

É, portanto, urgente reforçar a luta por um espaço público midiático democratizado.
Essa democratização passa necessariamente pela imposição de limites aos proprietários
dos meios de comunicação e pela inclusão crescente de todos os atores sociais. A
diversidade na mídia só se realiza na apropriação efetiva da comunicação por grupos
marginalizados. É essencial, portanto, apoiar a expressão desses grupos.

Do Estado democrático, espera-se então que deixe de ser apenas o garantidor da livreconcorrência
de entes privados e passe a ser o garantidor de que, de forma individual e
coletiva, o maior número de pessoas possível tenha condições técnicas e materiais para
ouvir e ser ouvido, ou seja, acesso aos meios de produção e veiculação de informação.

Mas a tarefa de lutar pela livre circulação de informações, através da democratização
dos meios de comunicação de massa, depende da atuação política dos segmentos sociais
organizados e de sua capacidade de interferir na regulação do sistema de comunicação
social.

A Constituição prevê, por exemplo, a complementaridade dos sistemas privado, estatal
e público, mas até hoje, 18 anos depois da promulgação de nossa lei maior, o Brasil não
dispõe de um sistema público de comunicação consolidado, e a forma como se daria tal
complementaridade entre os sistemas também nunca foi regulamentada.

Ao se falar de sistema público, não se está pensando apenas em mídias públicas fortes –
como o governo federal, neste momento, nos pretende fazer crer, com a criação da nova
TV Brasil. Falar de sistema público significa desenvolver um conjunto de mecanismos
que favoreçam a apropriação da mídia pelo público e façam avançar uma comunicação
pública, não-estatal e não-privada, sem fins comerciais.
Mais do que o cumprimento de um dos artigos da nossa Constituição, a organização de
um sistema público de radiodifusão no Brasil é um caminho a ser considerado para a
garantia e efetivação do direito à comunicação em nossa sociedade. Afinal, quanto mais
participação houver das pessoas, individual ou coletivamente, nos processos de
comunicação de informações e, portanto, no funcionamento dos meios veiculadores,
tanto mais democráticos serão a sociedade e o Estado. Este, sem dúvida, é um dos
maiores desafios para a realização plena de uma sociedade justa, sem opressões.
Propostas de ação para a Rede Paulista
• denúncias de irregularidades no uso das concessões locais
• acompanhamento dos processos de renovação das concessões locais
• monitoramento de conteúdo e atuação nos espaços de participação popular da TV
pública em São Paulo (incluindo o debate sobre a Fundação Padre Anchieta)
• luta pela criação de um sistema público de comunicação no Estado de São Paulo
• participação no processo de habilitação das rádios comunitárias na capital
• mobilização para atuação no processo da Conferência Nacional de Comunicação

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *