Jamal Juma é um ativista palestino, ícone da luta contra o Muro israelense que vem dividindo violentamente terras e famílias palestinas desde 2002. Entre suas atividades está a de coordenador da Campanha Popular contra o Muro do Apartheid (Grassroots Anti-Apartheid Wall Campaign), também conhecida como Stop the Wall (Parem com o Muro) e a militância no Movimento Global BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanção) contra Israel. “A resistência do povo tem dificultado o levantamento de novas partes do Muro, tornando a construção mais lenta e difícil”, conta Jamal. Nascido em Jerusalém em 1962, sua atividade política teve início na Universidade de Birzeit, onde estudou, sendo que desde a primeira Intifada, em 1987, tem focado suas ações em movimentos populares. Ele também é membro fundador dos Comitês de Auxílio aos Agricultores Palestinos (Palestinian Agricultural Relief Committees), da Associação Palestina para Intercâmbio Cultural (Palestinian Association for Cultural Exchange) e da ONG Rede Ambiental Palestina (Palestinian Environmental NGO Network).
Nesta entrevista, Jamal falou dos resultados da Primeira Maratona BDS, realizada nos dias 16, 17 e 18 outubro, que contou com seu envolvimento na organização. A ação procurou chamar a atenção do mundo para os crimes de Israel e convidar governos e populações a boicotarem, sancionarem e deixarem de investir em empresas israelenses ligadas à construção do Muro e à opressão israelense ao povo palestino. O ativista falou ainda das ações do movimento Stop the Wall e sobre o ativista Mohamed Othman, preso há cerca de um mês por Israel.
Quando foi que o movimento Stop the Wall começou?
Em 2002, quando o Muro começou a ser construído.
Como foi que o movimento se organizou?
Quando o muro começou a ser construído, as pessoas organizaram diversas ações de resistência e protestos espontâneos. Juntas, estas iniciativas acabaram dando origem ao movimento, que ganhou uma coordenação popular. Mais exatamente, foi no dia 2 de outubro de 2002, no escritório da Rede Ambiental Palestina (Palestinian Environmental NGOs Network – PENGON), que a Campanha Popular contra o Muro do Apartheid (The Palestinian Grassroots Anti-Apartheid Wall Campaign) foi formada, dando origem ao movimento Stop the Wall.
Quantas pessoas participam do movimento atualmente?
A campanha não tem como quantificar o número de participantes. Na verdade, ele é formado por 10 comitês distritais, formados por ativistas, comitês populares que representam mais de 100 comunidades afetadas pelo Muro, um grande número de jovens e 12 ONGs de povoados palestinos. As ações e resistências contra o Muro são organizadas na base pelas juntas populares. Dependendo das necessidades da comunidade, alguns povoados trabalham de forma mais próxima da Campanha do que outras.
Quais conquistas o movimento Stop the Wall já atingiu?
A resistência popular tem dificultado a o levantamento de novas partes do Muro, tornando a construção mais lenta e em alguns casos fazendo com que mude seu trajeto. Enquanto a construção não cessar totalmente, mesmo em lugares onde o Muro está terminado, os ativistas continuam a tentar derrubá-lo.
Qual é a ligação do Stop the Wall com o Movimento Global BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanção)?
Em nível internacional estamos crucialmente envolvidos no BDS. Queremos que o apoio internacional a Israel se enfraqueça e que o país seja responsabilizado pelos crimes que vem cometendo.
Quando e como surgiu o Movimento BDS?
Surgiu em 2005.
O Movimento BDS está atingindo sucesso?
O Movimento BDS está ganhando base rapidamente ao redor do mundo e já atingiu um sucesso bastante notável. A Noruega respondeu recentemente a uma Campanha e o governo, ativistas e organizações do país estão desinvestindo na empresa Elbit Systems em função do seu envolvimento na construção do Muro. A Elbit é uma das maiores companhias de Israel que fornece equipamentos de alta tecnologia para o levante do Muro e para o exército israelense. Também estamos envolvidos com a campanha contra o metrô de Jerusalém (Jerusalem Light Rail), a qual recentemente forçou a empresa francesa Veolia a se retirar do projeto. Na América Latina, nossos maiores esforços estão indo para a Campanha contra o Acordo de Livre Comércio Mercosul-Israel.
Quais foram os resultados atingidos pela Primeira Maratona BDS?
Consideramos um sucesso. Ao todo foram 20 ações de protesto em 11 países de quarto continentes: Canadá, Estados Unidos, África do Sul, Noruega, Itália, França, Reino Unido, Japão, Espanha, Grécia e Palestina.
Que tipos de ações os ativistas promoveram durante esta maratona?
Foram várias as atividades. Na Noruega, por exemplo, foram feitos vários protestos, entre eles manifestações de alerta em frente a lojas e um sit-in em que um grupo de pessoas sentou-se em determinado local recusando-se a sair. Nos Estados Unidos, o movimento Adalah (The Legal Center for Arab Minority Right in Israel) e CODEPINK inseriram o dia da maratona em suas respectivas campanhas contra os assentamentos israelenses Lev Leviev e Ahava que roubam recursos naturais palestinos do Mar Morto. Pessoas foram às ruas também no Canadá e no Japão.
Quem é Mohamed Othman e quais são as últimas informações que vocês têm dele?
Mohammed Othman é um ativista palestino que luta pelos direitos humanos e integra o Movimento Popular Stop the Wall. Ele foi preso depois que voltou da Noruega para Ramallah, em 22 de setembro. O tempo de sua detenção já foi três vezes estendida pela Justiça de Israel, sem qualquer fundamento ou evidências que justificassem a decisão. Em nenhum momento Israel deixou claro o motivo da prisão de Mohamed e nem porque suspeitam dele. Mohamed acredita que a razão é o sucesso que vem obtendo em suas atividades de lobby e advocacia local e internacional. Nos interrogatórios, ele vem sendo questionado sobre suas atividade em direitos humanos e no Stop the Wall. Pedem ainda informações de outros membros do movimento. Acreditamos que Israel o está mantendo lá para forçá-lo a fazer uma confissão falsa sobre algo que não cometeu.
Quantos ativistas antimuro estão presos atualmente. Eles são todos palestinos?
Estão presos cerca de 30 ativistas dos povoados palestinos Bil’in, Jayyus and Ni’lin. Mas este número varia, pois enquanto uns são presos, outros são soltos.
Você sabe como estes ativistas são tratados nas prisões israelenses?
O tratamento de Mohammad Othman é um perfeito exemplo do tratamento que os presos recebem. Ele está em uma solitária em Kishon, sem janelas, sem luz natural. Tem apenas um colchão e os padrões de higiene são péssimos. Está proibido d falar com outros detentos e com a família e só recebe a visita de seu advogado. Ele tem sido exposto a longas sessões de interrogatório, que duram de 10 a 15 horas e nas quais foi xingado, intimidade e ameaçado. Em uma das sessões o interrogador ameaçou ferir a irmã de Mohamed, caso ele não revelasse informações. Depois do advogado de Mohamed falar ao juiz sobre os maus-tratos nos interrogatórios, a tática foi mudada para práticas de exaustão e deixando ele sozinho em um sala, sentado com as mãos amarradas para trás por cerca de várias horas. É possível encontrar uma descrição mais profunda em: http://stopthewall.org/communityvoices/1949.shtml.
Que tipos de problemas o Muro vem trazendo aos palestinos?
O muro atravessa a Cisjordânia, anexando terras, destruindo árvores, separando família e roubando recursos hídricos. Seu caminho tem dividido a Cisjordânia em três Bantustans (áreas com governo próprio, mas que não configuram um território nacional). Cada uma dessas áreas abriga vários guetos. Muitos povoados estão do “lado errado” do muro e isolados do resto da Cisjordânia. Tudo, desde a educação, transporte e economia, tem sido fortemente afetado. O muro separa também Jerusalém e os povoados que o rodeiam, da Cisjordânia.
Há grupos em Israel que apoiam o diálogo com a Palestina. Você acha que este diálogo está trazendo algum resultado?
Atualmente muitos dos grupos que apoiam a união de palestinos e israelenses querem que isto ocorra por meio de uma concepção de povos em conflito e não aceitam a visão de que há um opressor e um oprimido. É falsa a premissa de que existe uma situação de conflito entre suas partes iguais e que nesta condição estão aptas a estabelecer diálogo. Esta ideia torna obscuro o poder desigual e não lida com a situação de apartheid e colonialismo que se estabeleceu. Esta “cooperação” está baseada em uma premissa cheia de falhas que não se encaixa nas estratégias de luta do BDS.
Segundo o Stop the Wall, as forças de ocupação israelenses aumentaram a repressão sobre as comunidades palestinas afetadas pelo Muro. Como isto está acontecendo?
Grandes níveis de violência já foram empregados contra estas comunidades. Isto aconteceu primeiro nos povoados mais engajados em protestos como Ni’lin, Jayyus and Bil’in. Israel empregou regularmente contra manifestantes desarmados, munições de diferentes tipos (fragmentação, calibre 22 e calibres militares normais). Atiradores atingiram pernas de manifestantes geralmente quando estavam correndo. Usaram também grandes quantidade de gás lacrimogênio dentro e fora das cidades. Chegaram matar seis pessoas e feriram gravemente centenas. Agora, este tipo de violência deu uma diminuída e o número de feridos caiu. O que aumentou foram as prisões, a maioria de ativistas de Bil’in onde o exército israelense tem feito ataques surpresa durante a noite. Soldados também têm levado de forma secreta pessoas de Ni’lin e de Jayyus. Os ativistas anti-Muro estão sempre sendo presos.
Quais são os próximos passos do Stop the Wall?
No próximo mês iniciaremos a 7ª Semana Contra o Muro do Apartheid. Este é nosso principal evento internacional do ano, durante o qual ativistas de todo o mundo organizam eventos, campanhas e ações. Estamos tentando trazer o Muro de volta à agenda internacional. Também em nível internacional, estamos trabalhando para construir uma ligação mais forte com a América Latina, incluindo o Brasil. Na Palestina, nosso principal objetivo para o futuro é fortalecer a participação dos jovens para torna-los organizadores e líderes de resistências. Também estamos desenvolvendo uma estrutura melhor para os comitês populares. Queremos expandir o trabalho contra a ocupação em diferentes distritos da Cisjordânia e alargar a resistência popular. Nosso objetivo final é a criação de um intenso movimento popular de resistência unificado.
Entrevista publicada no site do ICArabe (www.icarabe.org)