Este encontro tem por objetivo principal fortalecer a luta pela democratização da
comunicação. Para alguns, um conceito um tanto subjetivo. O que significa
democratizar os meios de produção e disseminação de informação no sistema
capitalista? Como pensar esta luta dentro de um sistema que legitima a propriedade
privada em todos os seus aspectos, transformando símbolos e informações em
mercadorias? E, indo além, como pensar a democratização da comunicação num
sistema que tem como um dos seus pilares ideológicos os grandes conglomerados de
informação e entretenimento?
Sem a intenção de lançar teorias fatalistas ou ilusórias sobre as possibilidades das novas
tecnologias, cabe aqui fazer uma reflexão das possibilidades de luta e intervenção
política no âmbito do acesso à produção, transmissão e circulação das informações,
mensagens e significados no sistema em que estamos inseridos. E aí que entram as
mídias livres, populares e comunitárias, instrumentos alternativos criados pelos que
desejam se expressar e se comunicar independentemente da disponibilização de espaço
pelos grandes meios de comunicação de massa.
É a partir da década de 70, com o surgimento do gravador cassete, da câmera de vídeo e
do videocassete, que indivíduos, movimentos e grupos populares do país passam a se
apropriar destas novas tecnologias e começam a criar seus meios próprios de
comunicação, passando a constituir uma “comunicação das classes subalternas” ou uma
“comunicação alternativa e/ou popular”. A detenção da produção e difusão de
informações pelas grandes empresas é, assim, rompida pela ousadia dos que começam a
construir no dia-a-dia o embrião de um movimento pela democratização da
comunicação.
A década de 80 fica conhecida pelo crescimento exponencial de rádios livres, período
lembrado pelo alto número de transmissões em diferentes cidades do país, numa
convergência radiofônica marcada pela pluralidade de vozes. É nesta mesma época que
Mario Kaplun, comunicador popular argentino, desenvolveu um trabalho de
comunicação junto a organizações e bairros periféricos de países da América Latina,
disseminando a idéia da comunicação enquanto instrumento da organização popular em
prol da transformação social. Kaplun, fortemente influenciado pelas idéias do educador
brasileiro Paulo Freire, defendia que a comunicação era uma ferramenta da educação
popular e que tão importante quanto o produto final é o processo de produção do meio
comunicativo, que deve ser dialógico, horizontal e emancipador. Uma de suas
experiências mais conhecidas é a do cassete-fórum, que consistia na troca de
informações entre diferentes grupos por meio da gravação das discussões temáticas em
fitas cassetes, concretizando verdadeiros fóruns de discussão entre diferentes
localidades.
A década de 90 fica marcada pelo surgimento da Lei da TV a Cabo (Lei 8.977/ 95), que
incluiu a criação dos seis canais de utilização gratuita: Canal Comunitário, TV Senado,
TV da Câmara Federal, Canal Legislativo municipal/estadual, Canal Universitário e
Canal Educativo-cultural, em que as operadoras de TV a Cabo têm a obrigação de
distribuir concessões de TV gratuitamente a estes canais. A aprovação desta Lei
ampliou o número de canais e incluiu seis canais de utilidade pública. No entanto, o
acesso à TV a Cabo é, até hoje, restrito à parcela elitizada da população que possui
poder aquisitivo para pagar pela assinatura da operadora. Além disso, a ilusão do alto
número de canais acaba quando se toma conhecimento das poucas empresas que
monopolizam a programação das operadoras de TV paga, como as Organizações Globo,
que detêm boa parte dos canais transmitidos.
Em relação à única possibilidade de ampliar a participação da população na produção de
um canal televisivo – o canal comunitário -, este já surge fadado ao fracasso, por não
propiciar na prática que a população se aproprie deste instrumento, pois sua construção
e existência não é garantida por nenhum apoio financeiro governamental, sendo
proibida a veiculação de publicidade no canal, ficando sua manutenção a cargo das
pessoas que integram o veículo.
No final da década de 90, ocorre a revolução no âmbito das novas tecnologias da
informação e comunicação, com o surgimento e disseminação da Internet no país. A
partir daí, acredita-se que o meio digital será o responsável pela democratização das
comunicações. Afinal, a digitalização possibilita o compartilhamento e a convergência
de diferentes mídias no espaço virtual, propiciando que um número ilimitado de
informações seja armazenado e difundido por qualquer pessoa sem as censuras
presentes na grande mídia. No entanto, a utilização da Internet ainda é restrita a uma
pequena parcela da população e, além disso, as inovações tecnológicas no âmbito das
comunicações estão submetidas a interesses políticos e econômicos.
Exemplo disso é a última decisão do governo em relação ao modelo de TV Digital:
escolheu-se pela ampliação das potencialidades comerciais e de entretenimento deste
veículo de comunicação e não aquele modelo em que a população teria mais
possibilidades de participação. Estes fatos só fortalecem a importância da continuidade
da luta em torno do acesso a meios digitais realmente democráticos e participativos.
Tem início o século XXI. Apesar do intenso movimento das rádios livres e
comunitárias, das TVs livres, dos jornais e revistas de movimentos, dos canais de
utilização gratuita, da Internet, desta diversidade de meios de comunicação alternativos
de alcance restrito e direcionados a públicos segmentados, a realidade dos meios de
comunicação no país continua mostrando que o monopólio não só continua como se
intensifica: alta concentração dos meios nas mãos de poucas famílias e elites políticas
locais e regionais.
A nível internacional, a oligopolização é uma característica cada vez mais constante
entre as empresas de informação e entretenimento do mercado global de mídia, este
“controlado, num primeiro nível, por cerca de dez enormes conglomerados e, num
segundo nível, por outras 40 empresas, direta ou indiretamente associadas às primeiras.
Aliada a esta realidade, acrescenta-se o fato de que a repressão aos meios de
comunicação alternativos – como o constante fechamento das rádios livres pela Anatel
– se torna uma aliada destes conglomerados internacionais.
A partir desta breve contextualização, ressalta-se a importância das diversas iniciativas
de mídias livres, populares e comunitárias, que surgem como símbolos vivos da luta
pela democratização da comunicação, concretizando nas rádios livres e comunitárias,
nas iniciativas de comunicação compartilhada, nos vídeos independentes, nos jornais de
organizações populares, sindicatos, movimentos sociais, nos sites, wikis e blogs a
bandeira pela liberdade de expressão.
As mídias livres, populares e comunitárias são geralmente as que mais intimamente
convivem, debatem e expressam os interesses e ações da comunidade em que estão
inseridas, tornando-se parte de suas práticas reivindicatórias ou transformadoras. Com
a internet, que facilitou o intercâmbio de informações e o fazer compartilhado entre
essas mídias, ficaram mais evidentes comportamentos que afrontam as características
consagradas pelas mídias de mercado. É mais natural entre as mídias livres, populares e
comunitárias o “colaborar” do que o “competir”. E nelas, a informação não tem o valor
mercantil atribuído pelos grandes meios. Tem significados políticos, culturais, sociais e
da própria legitimidade da ação comunicativa.
A construção e manutenção destes meios se transformam, assim, em um instrumento
político de enfrentamento ao modelo hegemônico de comunicação, burlando as leis e
enfrentando a repressão, transgredindo para transformar o status quo. Por isso, a luta
pela democratização da comunicação é, antes de tudo, a prática da desobediência civil,
não só pela exigência de políticas públicas que propiciem a ampliação da participação
em meios de comunicação, mas contra o sistema capitalista que propicia este modelo de
comunicação pautado pela produção e difusão de informações por alguns poucos
conglomerados do mercado mundial da mídia.
Para aprofundar o debate em torno do tema Mídias livres, populares e comunitárias,
partimos dos seguintes questionamentos:
a) De que forma as experiências das diferentes mídias livres, populares e comunitárias
(rádios livres populares e comunitárias, TVs livres, Internet, meios alternativos de
sindicatos, movimentos sociais e organizações populares, centrais públicas de
comunicação) podem acumular para a construção de um movimento pela
democratização das comunicações?
b) Quais as viabilidades e limitações destas mídias dentro do atual sistema?
c) Como enfrentar os desafios atuais para regulamentação das rádios comunitárias em
São Paulo?
d) Como viabilizar ferramentas de baixo custo para a construção de meios de
comunicação populares?
e) Que políticas públicas de incentivo à criação de mídias livres, populares e
comunitárias nós queremos?
f) Como combater a repressão às mídias alternativas?
g) Como concretizar uma rede entre as diferentes mídias alternativas?
Propostas de ação para a Rede Paulista
• Lutar pela ampliação das mídias livres, populares e comunitárias
• Combater o monopólio e oligopólio das comunicações
• Lutar por políticas públicas de incentivo à criação de mídias alternativas
• Lutar por instrumentos de comunicação das classes populares
• Concretizar uma rede nacional de mídias livres, populares e comunitárias
• Defender uso de tecnologias livres que favoreçam a ampliação e democratização dos
transmissores, tais como GNU/Radio, Wi-Max etc.