A legalização do aborto, ou seja, a possibilidade de mulheres interromperem uma gravidez indesejada em qualquer circunstância, a partir de procedimento realizado pela rede pública de saúde, é uma das pautas históricas do movimento feminista brasileiro.
Mas, apesar da luta e organização das mulheres, o tema ainda é tabu e sua discussão acontece de forma quase clandestina na sociedade, tal é a força de grupos – religiosos ou não – que impedem que um assunto tão importante para a saúde e para a vida das mulheres seja debatido de forma aberta e livre de preconceitos.
Diante disso, milhares de mulheres brasileiras recorrem aos mais variados métodos de aborto, em alguns casos seguros para as que têm condições financeiras, e precários e perigosos para as mais pobres. Todos os anos, milhares de mulheres brasileiras, principalmente as negras e pobres, morrem em consequência de abortos inseguros, vítimas da hipocrisia de uma sociedade machista e patriarcal, que opta por varrer a questão indesejada em “defesa da vida”. Uma defesa no mínimo equivocada.
Segundo Sônia Coelho, integrante da Sempreviva Organização Feminista (SOF) e da Marcha Mundial das Mulheres, o Brasil vive hoje uma conjuntura desfavorável à legalização do aborto, principalmente por conta de uma reação dos grupos mais conservadores ao tema.
Frente Nacional pela Legalização do Aborto
Com o objetivo de fazer frente à ofensiva conservadora e reunir movimentos de mulheres e organizações mistas em torno da reivindicação pela legalização do aborto, foi criada, em 2008, a Frente Nacional pelo Fim da Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto. A Frente procura organizar um campo atualmente desarticulado, e a partir disso, fazer ecoar as vozes das mulheres que lutam pelo direito de decidir o que fazer com seus corpos e suas vidas.
A Frente se organiza e se articula em nível estadual, e prepara, para os dias 6 e 7 de dezembro, sua primeira Assembleia Nacional, em São Paulo (veja a convocatória abaixo). A atividade acontece no Sindicato dos Químicos e discutirá a conjuntura da luta pela legalização do aborto no Brasil, os impactos no Sistema Único de Saúde (SUS), e as estratégias para pautar a questão e discuti-la com a sociedade no ano de 2010.
Para Sônia, a Frente procura colocar para a sociedade a importância do debate e para isso, conta com a adesão dos movimentos sociais. “A organização da Frente é um passo importante contra a criminalização das mulheres. A CUT fez uma adesão pública, a CTB votou. É uma estratégia de diálogo com a sociedade”, afirma.
As organizações feministas afirmam a necessidade de abrir canais de diálogo sobre a legalização do aborto na sociedade de forma franca e sem mediações, deixando de lado a hipocrisia ao partir da constatação de que o aborto é uma realidade na vida das mulheres brasileiras. “Precisamos envolver setores que tenham voz pública neste debate, pois hoje quem fala é os que estão a favor da criminalização das mulheres”, afirma Sônia.
Criminalização das mulheres
Além das dificuldades para pautar e discutir a legalização do aborto, a ofensiva conservadora tem sido responsável, por meio de grupos atuantes no legislativo e judiciário brasileiros, por uma onda de condenações e criminalização de mulheres que recorrem ao aborto. Segundo Sônia, há uma pressão muito forte de parlamentares integrantes da Frente Brasil Sem Aborto, que chegam a ameaçar os colegas que se colocam a favor da legalização. “Os parlamentares têm medo de enfrentar a questão”, diz.
Um dos exemplos de criminalização é a perseguição a dez mil mulheres no estado do Mato Grosso do Sul, após o fechamento de uma clínica que fazia abortos. Cerca de seis mulheres foram condenadas e hoje cumprem penas “alternativas” consideradas cruéis pelas feministas, pois são obrigadas a dar expediente de duas horas diárias em creches. As demais envolvidas, assim como a médica proprietária da clínica, passariam por julgamento em fevereiro.
Gleice Jane Barborsa, militante da Marcha Mundial das Mulheres no Mato Grosso do Sul, conta que o comitê estadual da Marcha já realizou uma série de ações contra o processo de criminalização ao qual as mulheres do estado estão sendo submetidas. “Fizemos panfletagem, lambe-lambe, atos pela legalização do aborto e denunciamos a criminalização das dez mil mulheres em rádios e em qualquer espaço possível. Pretendemos ainda fazer seminários com vereadores e atividades em universidades”, diz. Segundo ela, nenhum homem foi chamado para depor no caso da clínica de Campo Grande.
Desde o dia 29/11, porém, um novo elemento aumentou as dúvidas em relação a todo este processo. Neide Motta, médica responsável pela clínica, foi encontrada morta. A polícia trabalha com hipóteses de assassinato e suicídio, o que seria difícil de aceitar dada as circunstâncias suspeitas que cercam o episódio. Grupos feministas de todo o Brasil têm se manifestado a favor de uma ampla investigação que esclareça o que realmente aconteceu com Neide, afirmando que a médica, qualquer que seja a conclusão, foi morta pela hipocrisia.
CPI do aborto
Outra perspectiva desfavorável à luta pela legalização do aborto está colocada pela possibilidade de retomada da CPI do aborto. Segundo Sônia, a pressão dos movimentos sociais conseguiu fazer com que o processo fosse interrompido, mas a CPI está parada e pode ser reativada, ainda mais em ano de eleições. A expectativa é que o tema do aborto apareça com força nas campanhas eleitorais conservadoras.
Serviço
Assembleia da Frente Nacional pelo Fim da Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto
Dias 6 e 7 de dezembro, a partir das 9h
Sindicato dos Químicos. Rua Tamandaré, n.348. Liberdade
Informações à imprensa
Ana Maria – 8445-2524