Foto: Kaosenlared
Uma
equipe de reportagem do Canal 5 de Tegucigalpa foi expulsa do local
onde cerca de três mil profissionais do ensino secundário de Honduras
realizavam uma assembléia em defesa da ordem democrática. A emissora
apóia o governo de fato incondicionalmente, fazendo parte da estrutura
midiática de sustentação interna aos golpistas. Assim como os dois
principais jornais do pais “El Heraldo” e “La Tribuna”.
Isso não
é novidade na América Latina. Foi assim em todos os golpes de meados do
século passado. No entanto, quando alguns supunham que esses tempos
haviam passado, eis que acontece em pleno século 21, um golpe típico da
região, com todos os ingredientes dos anteriores. Inclusive com apoio
aberto e descarado da mídia.
Há evidências de que alguns
governos do continente estão tomando medidas preventivas para que fatos
como esse não se repitam em seus respectivos países. As ações têm se
concentrado em duas frentes: o estabelecimento de marcos regulatórios
capazes de impedir a concentração dos meios de comunicação e o estímulo
ao surgimento e fortalecimento de veículos contra-hegemônicos, capazes
de oferecer alternativas informativas e culturais às populações da
região.
Sobre esse processo vale a pena ler o recém lançado
livro “A Batalha da Mídia” (Pão e Rosas, Rio de Janeiro, 2009), do
professor Dênis de Moraes. Ele traça um panorama atualizado dessa nova
realidade latino-americana. Mostra, por exemplo, os esforços dos
governos da Argentina e do Equador em atuar nas duas frentes acima
citadas. Os argentinos ampliando os recursos para a radiodifusão
estatal e colocando em debate uma nova legislação para o setor. Os
equatorianos avançando mais rapidamente nesse último ponto, garantindo
na Constituição, aprovada no ano passado, o direito de todos os
cidadãos à “comunicação livre, equitativa, diversificada e includente
(…) além do acesso universal às novas tecnologias de comunicação”.
Mais
contundentes, no entanto, que o texto constitucional são as palavras do
presidente Rafael Correa ao justificar as mudanças legais: “Há meios
que supostamente cumprem a função de informar, mas quando dependem de
grupos econômicos poderosos, o que fazem é dirigir a cidadania em
função dos seus interesses. No Equador, das sete emissoras de
televisão, cinco são propriedades de banqueiros. É preciso respeitar a
liberdade de imprensa, mas não se pode permitir o abuso da informação
por parte de meios mentirosos, corruptos e incompetentes”.
Além
de ouvirem palavras quase inéditas da boca de um governante
latino-americano, os equatorianos têm hoje instrumentos concretos de
ação sobre os meios audiovisuais. O Conselho Nacional de Radiodifusão e
Televisão (Conartel) estabeleceu regras para descentralizar o espectro
televisivo e criou uma ouvidoria onde o público pode se manifestar
sobre o conteúdo dos programas. Quando as queixas são julgadas
procedentes, as emissoras são obrigadas a prestar esclarecimentos, sob
pena de sofrerem sanções (no Brasil, política semelhante seria, como
sempre, taxada de censura pela grande mídia, como ocorreu com o projeto
de criação da Ancinav).
A Venezuela caminha na mesma direção.
Apesar de todos os insultos recebidos diariamente através da mídia, o
governo do presidente Hugo Chávez mantém absoluta liberdade de
informação. Mas nem por isso deixou de tomar medidas legais no sentido
de equilibrar os fluxos informativos no país, tendo como ponto de
partida a Lei de Responsabilidade Social em Rádio e TV, conhecida como
Lei Resorte, aprovada em dezembro de 2004. Ao mesmo tempo em que
ampliou os serviços públicos de rádio e de televisão.
E na
Bolívia, o governo ousou ao lançar o jornal Câmbio, um diário nacional
para fazer frente à mídia golpista que apostou na fragmentação do país
no ano passado. Investiu também na recuperação do Canal 7, a TV estatal
e na emissora de rádio Pátria Nueva, seguidora da larga tradição
combatente das rádios mineiras bolivianas.
No Brasil, avançamos
menos. A grande mídia segue firme como porta voz dos interesses da
classe dominante. A solitária e ainda pouco amadurecida experiência da
TV Brasil é insuficiente como forma de contra-poder midiático. No
âmbito legal, avançamos muito pouco.
O golpe em Honduras deve
servir como alerta. E as iniciativas de Argentina, Venezuela, Bolívia e
Equador como exemplo. São modelos a serem levados em conta
imediatamente nos debates preparatórios que já estão sendo realizados
para a Conferência Nacional de Comunicação, marcada para o início de
dezembro. Transformados em políticas públicas eles se tornarão, sem
dúvida, vacinas poderosas contra surtos golpistas.
PS. O governo do Uruguai acaba de anunciar o envio ao Congresso, nos
próximos dias, de um projeto de lei para regulamentar a exibição de
conteúdos na televisão, rádio e cinema. Será criada também a figura do
ombudsman para mediar a relação entre o público e as empresas de
comunicação. O projeto foi elaborado com a participação dos principais
partidos políticos uruguaios.
Laurindo
Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da
ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da
sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial)