Empresários de TV pressionam e garantem freio para temas sensíveis

O clima esquentou em Brasília (DF), minutos antes do início oficial da primeira Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). A Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra), à qual são filiadas as redes TV! e Bandeirantes agiram, desde a tarde desta segunda-feira (14), para garantir temas sensíveis também dentro dos grupos de trabalho, repetindo recurso exigido em maio deste ano, para que as entidades empresariais se mantivessem no evento.

O grande impasse seria a impossibilidade de se substituir os cerca de 200 delegados da entidade a poucos minutos do início dos trabalhos, caso eles concretizassem a ameaça de retirada aos 45 do segundo tempo. Sem eles, a conferência não poderia ser realizada, já que os empresários ficariam com um número de participantes menor do que a sociedade civil. A Abra usou todo o poder de barganha que tinha e garantiu a mudança a seu favor.

Na comissão organizadora, caso um tema seja apontado como sensível por um dos setores, é preciso que 60% dos delegados, sendo que pelo menos um de cada setor (ou governo, ou movimentos sociais ou empresários), votem ou contra ou a favor de uma proposta.

A Abra quis garantir o recurso dos temas sensíveis também nos grupos de trabalho, levando um número maior de temas para a plenária final. A proposta discutida durante a tarde teve os votos do empresariado e do governo, mas não conseguiu aprovação. A medida pode funcionar como um freio para impedir a rejeição de propostas. Apesar de o movimento social também poder lançar mão do recurso, é esse setor que tem mais a perder. A maior parte das 1,4 mil propostas em discussão nos grupos de trabalho surgiram de representantes da sociedade civil não-empresarial durante as conferências estaduais.

Antes, a resolução 10, aprovada pela comissão nacional organizadora da Confecom para definir a forma de votação das propostas, estabelecia que questões com mais de 80% de apoio nos grupos de trabalho fossem aprovadas automaticamente para o documento final. Para o debate na plenária final, sete propostas prioritárias de cada um dos 15 grupos de trabalho seriam discutidas.

Manobra

Às 18h, a maior parte dos delegados se ocupavam em guardar um lugar mais confortável para assistir à participação do ministro das Comunicações Hélio Costa e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas um grupo de representantes de crachás azuis (de empresarios), a maioria ligada às empresas do grupo Bandeirantes, começaram a deixar o centro de convenções Ulysses Guimarães.

A movimentação foi tão rápida quanto os rumores de que a Abra deixaria a Confecom, gerando apreensão com a iminente chegada de Lula e de Hélio Costa para abrir o encontro.
Ao mesmo tempo, a associação de empresários passou a pressionar os representantes do governo para convocar uma nova discussão da comissão organizadora e garantir as mudanças de seu interesse. Às 18h30, os empresários entraram com um recurso, alegando que a medida rejeitada ia contra o regimento da Confecom. Eles conseguiram apoio dos representantes de governo para uma reunião de emergência para alterar o regimento e garantir a existência desse recurso de embarreirar questões consideradas indesejáveis.

Desta vez, a Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCCOM) votou com empresários e o governo, diante da ameaça de a Abra se retirar da Confecom.
Ao deixar a sala onde a reunião da comissão nacional ocorria sob aplausos de cerca de metade dos integrantes, Ottoni Fernandes Junior, sub-secretário da Secretaria de Comunicação do Governo Federal (Secom), foi seco diante da pergunta sobre os termos do acordo para manter a Abra no evento. “Não posso falar”, declarou apressado à Rede Brasil Atual.

Para José Luiz Sodé, da Associação Brasileira de Rádio Difusão Comunitária (Rede Abraço), a solução adotada pode embarreirar propostas. “Vamos ter 15 conferências em vez de uma”, referindo-se a cada grupo de trabalho.
“O governo agiu para viabilizar a Confecom”, afirmou Roseli Goffmann, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). “Para o governo, é importante manter os empresários”, resume. Segundo ela, a Confecom começa com uma demonstração de que a correlação de forças precisa ser modificada. “O resultado (da mudança no regimento da Confecom) expressa essa correlação de forças entre o sistema público, estatal e privado”, lamenta. Ela acredita que a mesma correlação de forças que garantiu que os empresários tivessem 40% da representação na conferência e mais essa alteração de última hora, indica que os movimentos sociais precisam lutar ainda mais para garantir “uma conferência verdadeiramente tripartite”, dispara.

Jonas Valente, do Coletivo Intervozes, lamentou que os empresários não tenham sequer aventado o compromisso de aceitar o acordo político. Os representantes do governo chegaram a garantir que não permitiriam o avanço, sem acordos, de temas considerados críticos pelo empresariado.