Na mesma semana em que movimentos protestavam no mundo contra o muro do apartheid na Palestina, celebrava-se a queda do Muro de Berlim – em 9 de novembro de 1989. A primeira iniciativa, convocada pela organização Stop the Wall, contudo, praticamente foi mantida na invisibilidade pela grande mídia, enquanto a segunda dominava todos os meios de comunicação. Em muito poucos casos, alguma breve menção foi feita sobre a barreira na Cisjordânia.
No mesmo período, no Brasil, o presidente Lula, o governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, assim como o de São Paulo, José Serra, entre outros políticos e empresários, protagonizavam a recepção ao presidente de Israel, Shimon Peres, para tratar de acordos comerciais e de cooperação.
Além do silêncio da mídia em relação às ações pela derrubada do muro do apartheid na Palestina, chama atenção a cumplicidade das autoridades globais e, no caso particular, brasileiras em relação às violações de direitos humanos pelo Estado sionista, como as resultantes da construção da enorme barreira na Cisjordânia. Tal, como lembrou o historiador André Gattaz em artigo de sua autoria intitulado “Ilusões sobre o processo de paz na Palestina”, trata-se na verdade de “um complexo de fortificações composto por muros, cercas, fossos, barreiras, portões de controle, torres de segurança e equipamentos de vigilância eletrônica, orçado em mais de um milhão de dólares o quilômetro”. Ainda conforme o especialista, “embora o governo israelense denomine-o ‘cerca de segurança’, vem sendo conhecido no restante do mundo como ‘muro da vergonha’ ou ainda ‘muro do apartheid‘, numa triste recordação dos tempos do apartheid que separava negros e brancos na África do Sul, ou do muro de Berlim que simbolicamente separava o comunismo do capitalismo, e que com tanto simbolismo foi derrubado”. Aliás, sua altura e extensão superam consideravelmente este último. Ainda em construção, desde 2002, mede cerca de 700km e tem aproximadamente 9m. O de Berlim, levantado em 1961, tinha em torno de 155km e 3m de altura.
O muro na Cisjordânia tem anexado terras e impedido os cidadãos palestinos do direito elementar de ir e vir – à escola, aos hospitais, ao trabalho. O Tribunal Internacional de Haia declarou a construção ilegal em 2004, recomendando sua derrubada imediata e a reparação dos danos que vem causando. Mais ainda, vaticinou: “Todos os estados têm a obrigação de não reconhecer a situação ilegal resultante da construção do muro e não dar auxílio ou assistência para manter a situação criada por tal construção; todos os estados signatários da Quarta Convenção de Genebra relativa à Proteção de Civis em Tempos de Guerra, de 12 de agosto de 1949, têm, além disso, a obrigação, enquanto respeitam a Carta das Nações Unidas e a lei internacional, de exigir de Israel o cumprimento da lei humanitária internacional incorporada naquela Convenção…”
Como lembra Gattaz no mesmo artigo, o Brasil, como signatário da Convenção de Genebra, aí se inclui. Portanto, se não por razões humanitárias, em cumprimento à lei internacional não pode se calar diante da opressão e da injustiça. Todavia, enquanto a sociedade civil organizada se manifestava, era exatamente isso o que autoridades faziam. Em entrevista ao Le Monde Diplomatique, em maio de 2008, o ativista palestino Mustafá Barghouti destacou que mais terrível do que a situação a que são submetidos os palestinos diariamente é o silêncio internacional. “Chegamos a pensar que o mundo não quer tomar conhecimento de nossa tragédia. Que fechou olhos, boca e orelhas. A desgraça palestina está órfã.”