Comunicação, um direito humano

Essa será a ideia chave que os movimentos sociais ligados ao debate sobre a democratização da informação no Brasil defenderão na Conferência Nacional de Comunicação, prevista para o período de 1º a 3 de dezembro, em Brasília. Até lá, essas organizações têm como meta mobilizar e conscientizar a sociedade para o tema, demonstrando que se trata de item tão fundamental e de interesse público quanto a saúde, a educação, o transporte ou a habitação.

A tarefa, que nada tem de simples, será a continuidade de uma batalha já histórica no Brasil. “Essa luta existe há décadas e, com a consolidação das conferências como processo de participação popular, cresceu a demanda para que esta também acontecesse”, conta a jornalista Bia Barbosa, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. Segundo ela, em junho de 2007, nasceu a Comissão Nacional Pró-Conferência com o objetivo de reivindicar a realização do encontro, que, constitucionalmente, precisa ser convocado pela Presidência da República. A partir disso, constituíram-se várias comissões estaduais para trabalhar regionalmente.

A primeira vitória aconteceu em 17 de abril último, com a publicação do decreto que prevê prévias municipais e estaduais para eleição de delegados e estabelece o tema “Comunicação: meios para a construção de direitos e de cidadania na era digital”. Presidida pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa, a conferência tem uma comissão organizadora composta por 26 membros, sendo dez representantes do poder público e 16 da sociedade civil, porém definidas pelo Governo. Divulgada no dia 20, com a tarefa de construir logística e politicamente o encontro, definindo temário e metodologia, essa não agradou a todos. “O Intervozes faz parte e não temos críticas a nenhuma das entidades indicadas, mas a prerrogativa de escolher seus representantes deveria ser da própria sociedade”, critica Barbosa. Outro problema na seleção é o que foi considerado uma super-representação do grandes conglomerados do setor. “A sociedade civil não empresarial ficou com oito entidades e a empresarial com outras oito, em geral desconhecidas da opinião pública”, destaca José Sóter, da Abraço (Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária). “Sempre acreditei que o Estado é um intermediador de conflito. Nesse caso, esse papel será acentuado”, pondera.

Expectativa

Do ponto de vista dos movimentos sociais, portanto, é esperado um embate duro, tendo em vista a correlação de forças. “A principal dificuldade está no fato de que um dos segmentos, o dos empresários, detém o poder de pautar os meios de comunicação a seu favor, está organizado em lobbies no Congresso, tem poder econômico e corporativo e conta com um representante como Ministro das Comunicações”, aponta a coordenadora da Ciranda Internacional da Informação Independente, Rita Freire. No entanto, as expectativas para a realização da conferência são otimistas, até pelo saldo positivo que o processo de discussão possa gerar, ainda que grandes mudanças não sejam alcançadas. “A própria organização do movimento pela democratização da mídia sairá fortalecida; a discussão, que ainda é restrita, vai se espalhar pelo Brasil”, avalia Barbosa, do Intervozes. “A conferência servirá para construir a grande pauta da sociedade para a comunicação. Isso não é pouco”, completa Freire.

Temário

Uma das grandes disputas a ser travada na comissão organizadora será justamente o que colocar em pauta no encontro de dezembro e nas etapas regionais anteriores. O Governo quer principalmente um marco regulatório que dê conta das gigantescas transformações pelas quais o setor passou devido ao avanço tecnológico, conforme afirmou o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Franklin Martins, em coletiva promovida em Brasília após a publicação do decreto presidencial. Ao empresariado, interessa sobretudo viabilizar negócios na era digital, que trouxe inúmeras possibilidades, como a radiodifusão por meio de telefonia móvel e as abertas pela TV digital, como a multiprogramação.

Já as organizações populares reivindicam políticas públicas e controle social numa área vista como de domínio privado. “O Brasil pode desenvolver políticas fiscais para incentivar o surgimento de veículos não comerciais, a exemplo do que existe em outros países, formas participativas de regular as concessões públicas e criar um órgão regulador da radiodifusão”, exemplifica Barbosa. Ponto importante também, diz ela, é que o conteúdo veiculado seja objeto de discussão e inclusive levado em conta ao se autorizar concessões de rádio e TV. “O artigo 221 da Constituição determina prioridade à educação e cultura na veiculação, o que em geral não é obedecido.
Além disso, há recorrentes violações de direitos humanos, como mensagens racistas, machistas e homofóbicas, o que é ainda mais grave”, lembra. “Os empresários querem debater tecnologia e infraestrutura? Nós também, porque queremos democratizar o acesso e a gestão. Mas também queremos falar sobre conteúdo, porque é aí que a população pode colocar o dedo na ferida”, enfatiza Freire.