Enquanto os jornalões e revistas semanais apostaram na oposição cega e vêm perdendo lucratividade e tiragem, a investigação, opinião e análise sérias estão nos blogs e veículos alternativos
Textos e fotos por Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá*
Publicado originariamente na Ideias em Revista – SisejufeRJ – abril/maio 2009
A grande mídia agoniza em praça pública. Os chamados jornalões como o Jornal do Brasil, O Globo, Folha de S. Paulo e Estadão, além das revistas semanais como Veja, IstoÉ e Época jamais terão novamente o poder e a influência que tiveram ou pensavam ter num passado recente. E as grandes redes de TV como Globo e Bandeirantes devem seguir o mesmo caminho, apesar de sua derrocada ser mais lenta devido aos custos de produção, à capilaridade regional por meio das afiliadas e à penetração que têm nos rincões mais escondidos do Brasil. Para essas, contudo, também é só uma questão de tempo. No lugar dos meios de comunicação tradicionais, surge uma nova, ampla e heterogênea gama de veículos, alguns impressos mas a maioria digital. É a mídia alternativa, ou livre. E nesse embate tem sido fundamental a interatividade proporcionada pelos Blogs e sites de entidades, sindicatos, jornalistas, estudantes, profissionais liberais e até donas de casa. As pessoas comuns finalmente têm um megafone virtual para sua voz e estão juntas construindo o conhecimento e um entendimento melhor sobre o mundo real em que vivem.
O ponto de virada foram as últimas eleições presidenciais em 2006 e o processo se agudiza quanto mais nos aproximamos do pleito de 2010. A Grande Mídia foi aliada de primeira hora e apoiadora destacada do golpe civil-militar de 1964, sendo por isso um dos setores mais beneficiados pela ditadura. Um dos exemplos flagrantes é acordo inconstitucional com a estadunidense Time-Life que deu a Roberto Marinho US$ 6 milhões que lhe permitiram construir a Globo em 1965 e torná-la a mais influente rede de TV do país nos anos seguintes. Outros acordos, no entanto, foram menos claros, como os retratados pela pesquisadora Beatriz Kushnir no livro “Cães de Guarda – Jornalistas e Censores, do AI-5 à Constituição de 1988″ em que são apresentados casos como o do funcionário da Abril enviado por Victor Civita para treinar os censores em Brasília, e dos bastidores da Folha da Tarde, Jornal do mesmo grupo da Folha de S. Paulo que cedia as vans de entrega para transportar presos políticos para sessões de tortura. Com as benesses da ditadura, a Folha se tornou o diário de maior circulação no país. Certamente um agrado para quem em editorial de 1971 chama o governo militar de “sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular”, e mais, que “está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social”.
Nos anos 1980, com o apoio ao movimento pelas Diretas Já e o discurso de jornalismo “profissional, imparcial e isento”, como se isso fosse possível, a Folha atingiu o seu ápice em tiragem e credibilidade. Na virada da década a Globo mostrou todo o seu poder “elegendo” Fernando Collor de Melo com o debate editado no Jornal Nacional, e ajudando a derrubá-lo inflando os “caras-pintadas”. Mas a decadência viria na sequência. O início do fim foi a conspiração da mídia na criação do “escândalo do mensalão”, até hoje não provado, com o objetivo declarado pela oposição de “sangrar até a morte” o Governo Lula. Contudo, apesar das manchetes, dossiês e aloprados, não conseguiram eleger seu candidato. E na esteira dos poucos veículos e blogs que então remavam contra a maré, como a revista Carta Capital e os diários de Internet de jornalistas do porte de Luís Nassif (http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/) e Paulo Henrique Amorim (http://www2.paulohenriqueamorim.com.br/) , descobrimos que era possível comprar matérias de capa em revistas do porte e da antiga credibilidade de IstoÉ.
A Veja, então, abriu uma cova sob seus pés, enveredando totalmente para a ficção, os assassinatos de reputação e a falta de qualquer escrúpulo ou critério jornalístico, sempre em benefício de acordos comerciais e da oposição cega ao governo. Para não nos alongarmos em exemplos, basta citar os 22 capítulos da série “O Caso de Veja” (http://luis.nassif.googlepages.com/ ), que no auge chegou a ter link em cerca de 800 blogs. O problema é que o resto da Grande Mídia embarcou com tudo na onda achando que poderiam vender mais jornal com oposição a qualquer custo e manchetes cada vez mais sensacionalistas e não com o investimento em jornalismo sério. O resultado tem sido exatamente o inverso. Segundo os números do Instituto Verificador de Circulação – IVC, em fevereiro desse ano as vendas dos dez maiores jornais diários do país caíram 6,45% em relação à fevereiro de 2008. E a queda só não foi maior por causa de jornais mais populares, como o mineiro Super Notícia (R$ 0,25 e segundo no ranking nacional) cuja circulação caiu “apenas” 3,3%. A tiragem da Folha, com quase 300 mil exemplares por dia, por exemplo, caiu 6,6% no período. O Globo foi além, com queda de 9,3%, mas ainda abaixo do Estadão (-15,3%). Os números globais do IVC, no entanto, mostram que a circulação de jornais no Brasil cresceu 5% em 2008, puxada exclusivamente por veículos fora do ranking dos dez maiores.
Todos os grandes jornais tiveram perdas pesadas de circulação durante toda a última década apesar do aumento da população e da alfabetização. A Folha caiu de uma média diária em 2000 de 429.476 exemplares (chegou a tirar 1,25 milhão de exemplares com vendas de fascículos de um atlas aos domingos em 1995) para 298.352 em março desse ano. O Estadão foi de 391.023 para 217.414; o Diário de S. Paulo de 151.831 para 61.088; e o Jornal da Tarde de 58.504 para 50.433. Nos outros estados acontece o mesmo: O Dia tirava 264.752 em 2001 e hoje não chega a 100 mil exemplares; O Globo caiu de 334.098 em 2000 para 260.869. O Extra caiu menos, de 264.715 para 258.324; assim como o Correio Braziliense (de 61.109 para 52.831). Já o Correio do Povo foi de 217.897 exemplares diários em 2000 para 155.774 em março último.
“Os jornais vêm perdendo tiragem desde o meio da década de 1990, mas até 2006 os colunistas garantiam uma certa pluralidade na mídia que eu chamo de ‘formadora de opinião’, que é fundamentalmente manipuladora, só que isso acabou”, disse Nassif na mesa redonda “A mídia em debate”, promovida pela Agência Carta Maior no último dia 24 de abril (http://www.cartamaior.com.br/templates/tvMostrar.cfm?evento_tv_id=52). “O exemplo mais claro é que os ‘formadores de opinião’ apostaram todas as suas fichas no Gilmar Mendes como grande figura da oposição e o transformaram em uma unanimidade: o sujeito mais odiado do Brasil”. De fato, apesar da Globo ter tentado manipular os telespectadores contra o Ministro Joaquim Barbosa, o vídeo da discussão entre os dois, amplamente divulgado pelo YouTube (http://www.youtube.com/watch?v=sIUdUsPM2WA), mostra para quem quiser ver, as grosserias de Gilmar Mendes com o colega. Apesar disso, no final de semana seguinte apenas a Carta Capital trouxe o assunto na capa. A Veja, que havia dado uma capa elogiosa a Barbosa quando esse denunciou os supostos participantes do mensalão como “quadrilha”, deu uma notinha interna com o preconceituoso título “O dia de índio de Joaquim Barbosa”, (tudo a ver com uma editora que tem 30% de suas ações nas mãos do o grupo de mídia sul-africano Naspers, que apoiou o Apartheid). Merval Pereira, do O Globo, seguiu a linha de que Barbosa teria “um histórico de desentendimentos com vários outros ministros”, e aproveitou para dar a informação de que Mendes tem uma foto de FHC em sua mesa de trabalho. Já Josias de Souza, em seu Blog na Folha Online, afirma que Mendes tenta “colocar panos quentes”, mas que Barbosa “é o recordista de processos pendentes de julgamento no STF” e que “Na ponta do lápis, já se indispôs com seis colegas”. Mas basta abrir os mais de 700 comentários ao texto original de Josias de Souza sobre o bate-boca para ver de que lado está a população. Isso se ainda estiverem lá, porque a UOL deletou o link para uma enquete sobre qual juiz tinha razão na discussão assim que viu os resultados esmagadores. Vão às ruas, jornalistas! Ou pelo menos leiam direito o recado da Internet.
Com a pluralidade e a articulação entre os blogs, portais e sites de análises que surgiram principalmente depois das eleições de 2006, o povo já não engole tão fácil qualquer manipulação. E exige, nas ruas e na Internet, a retratação e o reposicionamento dos veículos. Quando a Folha usou a desculpa de mais um editorial contra o presidente da Venezuela Hugo Chavez para introduzir no Brasil o vocábulo “ditabranda” e depois chamou dois conceituados professores universitários de cínicos e mentirosos por não aceitarem essa nomenclatura, o Movimento dos Sem Mídia (http://edu.guim.blog.uol.com.br/) convocou uma protesto em frente ao jornal. A notícia correu de blog em blog, sem qualquer divulgação mais organizada. Em uma manhã de sábado com cara de chuva, mais de 500 pessoas compareceram ao local, obrigando a direção da Folha a voltar atrás e afirmar em nota assinada pela redação que foi “um erro” utilizar a expressão. Mas infelizmente o jornal não se emendou.
No último dia cinco de abril, a Falha novamente tenta manipular seus leitores com uma grosseira “revisão histórica”. Em matéria de capa com o objetivo claro de torpedear a futura candidatura presidencial da Ministra da Casa Civil Dilma Rousseff, o jornal deturpou uma entrevista dada pelo antigo dirigente militar da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares – VAR Palmares, para afirmar em manchete que “Grupo de Dilma planejou sequestro de Delfim”. Pior, o jornal publicou também na primeira página o que seria uma “ficha policial” da ministra que teria sido fornecida pelos arquivos do DOPS com os crimes a ela atribuídos. Imediatamente o entrevistado Antonio Roberto Espinosa desafiou a Falha a publicar (ainda que apenas na versão online) a íntegra da entrevista gravada para provar que ele jamais disse que Dilma saberia do tal plano de sequestro, que no final não ocorreu. A negação da própria ministra também ficou escondida no meio do texto interno e suas dúvidas sobre a autenticidade da ficha passaram ao largo. Foram necessários mais 20 dias e muita mobilização na Internet para o que jornal publicasse, novamente sem destaque em uma página interna, que houve “um erro técnico” ao dizer que a ficha pertenceria ao DOPS, já que “a imagem” na verdade teria sido enviada “por uma fonte” e que sua “autenticidade, pelas informações hoje disponíveis, não pode ser assegurada – bem como não pode ser descartada”.
A tal ficha é uma fraude tosca produzida provavelmente por antigos torturadores e que circula na Internet em sites de direita há mais de um ano. De acordo com Espinosa, o “provável autor, é o hoje coronel reformado (na época major) Lício Augusto Ribeiro Maciel, o Dr. Asdrúbal, torturador e assassino de dezenas de pessoas em Xambioá. A seguir foi reproduzida por dois dos mais conhecidos blogs da direita mais reacionária, também alimentado por quadros subalternos do regime militar, o ‘Ternuma’, do notório coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, e o ‘A verdade sufocada – As histórias que a esquerda não quer contar’, também mantido por sargentos e oficiais de baixo escalão dos porões”. Não por coincidência, a desculpa da Folha de que não poderia provar a fraude é a mesma usada pela Veja há alguns anos para publicar um dossiê forjado por Daniel Dantas para acusar vários membros do Governo Lula de possuírem contas ilegais em paraísos fiscais. Com isso, e assegurando o anonimato da fonte da “imagem”, o jornal tenta se eximir de futuros processos judiciais. O próprio ombudsman do jornal, Carlos Eduardo Lins da Silva, em seu artigo “Até ver se a ficha cai” de 03/05/2009 (um mês após a publicação da ficha forjada), lamenta que a Redação “encerrou a apuração desse episódio seriíssimo e não acha necessário rever procedimentos de checagem de informações”, que apesar do “Manual” do jornal prever a identificação de fontes que passem “informações erradas” isso não foi e nem será feito no caso, além de nenhum funcionário ser punido. Ele, no entanto, tem “poder” apenas para “sugerir” mudanças.
Mas se os jornais, revistas e TVs estão perdendo leitores e credibilidade com suas fraudes e manipulações, a quem interessa a publicação desse tipo de matéria? Obviamente à oposição! E a alguns interesses comerciais dentro das “empresas jornalísticas”. Nesse ponto, novamente a Internet e sua vasta rede de colaboradores comuns, gente do povo, tem muito a contribuir. “O blog é um show dos leitores na construção do conhecimento”, diz Nassif. “Quando publiquei o relatório interno do STF sobre o suposto grampo telefônico, em poucos minutos quatro técnicos e engenheiros enviaram mensagens informando que o rastreamento era equivocado, tendo sido feito de dentro para fora e não de fora para dentro do prédio e a única possibilidade seria de alguma equipe externa de TV. Algum tempo depois, outro leitor foi buscar as imagens do STF no Google Earth e demonstrou que para haver um grampo externo, a recepção teria que ter sido feita necessariamente do estacionamento do STF, do Congresso ou do Palácio do Planalto e que à 1:00 da manhã certamente haveria um registro de quem estaria nesses locais. Assim, a Policia Federal não pode fechar esse caso porque teria que afirmar categoricamente que o Presidente do Supremo mentiu deliberadamente com o objetivo de plantar uma notícia falsa na imprensa”.
Também na Internet, por meio dessa rede de blogs, é possível rastrear uma série de pagamentos sem licitação realizados diretamente pelo Governo de São Paulo aos representantes da Grande Mídia. Por meio da Secretaria de Educação, o candidato do PSDB, José Serra, transferiu à Editora Abril, da Veja, os endereços residenciais de todos os professores da rede pública para que recebessem a revista Nova Escola. São 220 mil assinaturas no valor de R$ 3,7 milhões. Se forem incluídos os exemplares do Guia do Estudante, também da Abril, o custo total aos cofres públicos estaria perto de R$ 10 milhões somente no segundo semestre de 2008. Esse ano, segundo o contrato 15/014/09/04 publicado no Diário Oficial em 15 de abril, são mais R$ 12.963.060,72 para 25.702 assinaturas da Revista Recreio, também da Abril, por 608 dias. Mas os jornalões não podiam ficar de fora, por isso estão sendo adquiridas esse mês mais 5.449 assinaturas da Folha de S. Paulo e 5.449 assinaturas do Estadão para distribuição em todas as escolas da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo, tudo, claro, sem licitação. Os processos administrativos não trazem o período de assinatura e nem o valor dos contratos. Mas se for pelo valor integral (como ocorreu nos outros casos citados) da assinatura anual de cada jornal todos os dias da semana, estamos falando em algo em torno de R$ 7 milhões. Por outro lado, o Movimento dos Sem Mídia estima que a Folha tenha perdido dois mil assinantes somente durante o episódio da “ditabranda”. Nada mais justo do que o governo de São Paulo recompensar um jornal aliado, certo?
* Jornalistas, fotógrafos e documentaristas independentes. http://mediaquatro.sites.uol.com.br