A criminosa tragédia urbana brasileira
07 de janeiro de 2010, da Vila Setembrina, Bruno Lima Rocha
Pode-se afirmar que a região da Baía da Ilha Grande é uma síntese do Brasil. Boa parte da cidade favelizada convive como mão de obra para resorts, marinas particulares, grande circulação de lanchas e até ilhas privadas. Como há pelo menos 40 anos existe essa convivência, mesmo com a retração do pólo naval, teria sido possível a urbanização ordenada mediante política distributiva. Seria racional prever a taxação de empreendimentos imobiliários com fins turísticos e de lazer e com isso financiar uma ocupação urbana sem residências em áreas de risco. Ocorreu o oposto.
A mesma “lógica” nacional entende a especulação imobiliária, como expansão da construção civil, servindo como termômetro da economia. É uma inversão do conceito de economia como utilização racional de recursos finitos. Em obedecendo uma racionalidade mínima, programas como Minha Casa Minha Vida não alimentariam o oligopólio das empreiteiras e sim, primeiro, a urbanização de favelas, a remoção indenizada de áreas de risco e o aproveitamento de todos os imóveis parados. Ao mesmo tempo, exigiria a universalização de esgotamento sanitário e tratamento de águas. É um contra senso debater a sustentabilidade em Copenhaguen e não prever que qualquer edificação privada necessita de saneamento urbano para além dos muros do condomínio.
No quesito meio ambiente, o absurdo estrutural continua. Temos a legislação ambiental mais avançada do mundo e o discurso de agentes econômicos e operadores políticos é que “tanta lei” trava o progresso. Pura falácia. Preservar a Mata Atlântica, no caso de Ilha Grande, é sempre mais importante do que erguer um empreendimento imobiliário de residência ou turismo. De eufemismo em eufemismo, “flexibilizam” a defesa dos recursos naturais coletivos e não renováveis em prol do interesse particular de alguns oligopólios. Quando a tragédia humana é fruto da omissão e mau governo por décadas a fio, o fato além de trágico é ato criminoso.
Os argumentos acima não implicam em cair na tentação autoritária. Muito pelo contrário. Entre qualquer sentido de ordem e o exercício do direito a moradia, morar é prioridade. Não se pode responsabilizar a população carente, que ergue sua residência onde dá e não onde quer. Tampouco é lícito exigir disciplinamento de favelas e liberar o apetite sem fim de incorporadoras e grandes obras residenciais.
O problema é político. Como já constatei em artigos anteriores, a atividade fim dos mandatários é a acumulação de poder e a atividade meio é a projeção da auto-imagem no exercício de mandatos. A preocupação com o bem comum está atrás do atendimento aos investidores do consórcio político-eleitoral e da sobrevivência política.
Neste ambiente, o ato de governar fica soterrado só existindo na base da pressão direta de agentes sociais organizados. Neste caso, é urgente aumentar o poder cidadão pelo controle social do Estado e o decorrente disciplinamento do agente econômico do setor da construção civil. Se no médio prazo não resolvermos a urbanização brasileira, então todo início de verão teremos criminosas tragédias como a de Angra dos Reis.
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