Enquanto a mídia foca sua atuação na divulgação de temas que compõem sua própria agenda de interesses, propostas de lei que representam retrocessos têm sido aprovadas no parlamento de forma rápida, sem debate público e sem que a sociedade tome conhecimento. O alerta é da secretária geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Bia Barbosa. Embora essa realidade tenha afetado a sociedade em diferentes campos, os últimos retrocessos se deram especificamente no setor das comunicações, com a votação de quatro propostas impactantes na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados (CCTCI) na última quarta (5/10).
A primeira delas é o PL 2.611/15, que altera a Lei da TV Paga (nº 12.485/11), transformado outorgas de TV por Assinatura (TVA) em outorgas de radiodifusão. Na prática, a proposta cria novos canais de tevê aberta sem licitação. “A TV paga tem um número menor de telespectadores do que a TV aberta. Para ocupar o espectro eletromagnético, que tem espaço limitado, é necessário participar de um processo de licitação, que determina uma série de responsabilidades. A aprovação dessa proposta isenta os empresários da TVA de participarem desse processo de competição”, explica Bia.
De autoria do deputado Marcos Soares (DEM-RJ), que é filho de R.R. Soares (fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus e dono do canal RiT – Rede Internacional da Fé), o PL 2.611/15 foi relatado na CCTCI pelo deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP). Para Bia, o parlamentar está usando o projeto como moeda de troca política. “Infelizmente, esse é mais um exemplo de uso político das outorgas de rádio e TV no país, que constitui parte relevante da história das comunicações no Brasil”, afirma a ativista. O PL agora segue para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
Com a presença de apenas dois parlamentares, os deputados Alexandre Leite (DEM-SP), presidente da Comissão, e Sandro Alex (PSD-PR), a CCTCI rejeitou o PL 702/11, que restringe a veiculação de propaganda de produtos infantis. De autoria do deputado Marcelo Matos (PDT/RJ), a proposta foi apresentada em 2011 e agora está na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF). O texto proíbe a veiculação, nos canais de televisão aberta e por assinatura, de propaganda direcionada especificamente para o público infantil, das 7h às 22 horas.
Outro retrocesso é a aprovação do PL 7.553/14, que autoriza a exposição e exibição, na mídia, de imagens de crianças e adolescentes a quem se atribua atos infracionais. Proposta do deputado Marcos Rogério (PDT/RO), o texto agora está na Comissão de Seguridade Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO). “Acho que dentre as que estamos enumerando aqui, esta proposta talvez seja a mais grave, principalmente quando temos programas policialescos que desrespeitam diariamente direitos humanos ao expor pessoas suspeitas de forma sensacionalista, incitando o ódio do telespectador e relativizando a ação violenta da polícia”, observa Bia.
O PL 3.357/15, que altera a Lei Carolina Dieckmann (nº 12.737/2012) ampliando a pena para quem invadir dispositivos informáticos e sites da internet, também passou na CCTCI. Bia explica que o principal aspecto negativo dessa proposta é que ela reforça o aspecto criminalizador da legislação, abrindo um precedente perigoso. Além disso, prejudica quem trabalha com segurança da informação.
Bia ressalta a importância do acompanhamento não somente dessas, mas de outras propostas de retrocesso em tramitação no Congresso Nacional, pelas entidades e movimentos sociais que compõem a luta pela democratização da comunicação. “Enquanto tem uma agenda chamando a atenção da imprensa, outras, de interesse da sociedade, estão sendo votadas numa velocidade muito grande, sem debate público. Interesses comerciais e uma tendência criminalizadora estão ganhando um espaço que há muito tempo não tinham dentro do parlamento brasileiro. Isso coloca para a sociedade um desafio muito grande não só de acompanhar, mas de pressionar os parlamentares a não aprovarem retrocessos, ou o impacto do golpe será ainda maior”, observa a ativista.