jun
2010
Não há livro que nos dê uma receita básica para fazer uma televisão pública. Principalmente num país como o nosso, onde a TV nasceu e cresceu a partir de um modelo comercial, que existiu praticamente exclusivo. Pior, essa visão privada construiu emissoras de televisão abertas baseadas no binômio: publicidade – audiência e que não contou com praticamente nenhum contraponto. São 50 anos de televisão privada, que oferece uma programação pasteurizada nos conteúdos e na grade.
Não seria, então, exagero dizer que a criação da TV Brasil, em 2007, se constitui de fato na primeira empreitada nacional para se constituir um campo público de comunicação no Brasil. Essa iniciativa tem enfrentado enormes desafios para se firmar: criação da rede, recuperação da infraestrutura que a constitui, destinação orçamentária, incorporação de recursos humanos, e montagem de uma grade de programação.
Audiência Pública
Este último item foi objeto de debate na 2ª audiência pública realizada pelo Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação, que opera a TV Brasil. Como fazer uma programação diferenciada, pautada pela diversidade, pela pluralidade e inovadora no formato e na grade?
A resposta a estas questões não será encontrada em nenhum manual. Será necessária muita coragem, ousadia e disposição para experimentação.
Desde sua criação, e é preciso reconhecer isso, a equipe da TV Brasil tem procurado enfrentar esse desafio. Novos programas foram produzidos, a partir de parcerias, editais, co-produções e procurando abordar temas que não são contemplados pelas emissoras comerciais.
Mas ainda há muitas deficiências técnicas, editoriais e pouca ousadia. A maioria dos programas não inova nos formatos e exploram pouco as novas possibilidades criadas pelo ingresso de novas tecnologias de informação.
A realização da audiência, que reuniu mais de 100 pessoas e outras tantas pela internet, foi um espaço importante para essa discussão e, principalmente, para construir na prática o caráter público da EBC. Ao abrir-se para o diálogo com a sociedade, o Conselho Curador adicionou um ingrediente determinante na efetivação do caráter público da EBC: a participação social.
Muitas contribuições de telespectadores, ativistas de movimentos sociais, produtores independentes foram apresentadas e ouvidas pela direção da EBC, pelos conselheiros e pelo ministro Franklin Martins (Secom) e pelo ministro Juca Ferreira (Cultura). Resta, acompanhar a forma como as críticas e sugestões que surgiram na audiência serão incorporadas pela EBC na construção de sua programação.
Tive a oportunidade de participar da audiência e tive um espaço para pontuar algumas dessas questões. Reproduzo, abaixo, a contribuição que levei à audiência:
Queria saudar o Conselho Curador por abrir este espaço para a participação da sociedade nas discussões da construção da EBC. São eventos como este que vão, na prática, garantir o caráter público dessa importante iniciativa.
Construir uma comunicação pautada pela diversidade, pluralidade, que tenha espaço para o contraditório e para discussão de temas candentes do país é o que motiva a luta de muitas organizações do movimento social para criar uma campo público de comunicação. Essas entidades estiveram reunidas na 1ª Conferência de Comunicação (Confecom) que teve várias resoluções sobre esse tema.
A criação da TV Brasil foi, na visão de muitos, resultado dessa luta e fruto da compreensão de vários atores sociais – de dentro e fora do governo – de que a comunicação brasileira não pode mais estar baseada num modelo exclusivamente comercial, porque nestes marcos a diversificação das vozes que ocupam os meios de comunicação hoje não será possível.
Uma vez criada, o desafio é consolidar e encontrar a vocação dessa TV. E estamos aqui hoje para discutir um desses desafios – da TV Brasil e de todas as emissoras não comerciais: Como construir uma programação diversificada, que não caia na tentação das fórmulas prontas – em sua maioria banalizadas e idiotizantes – e muito bem realizadas pelas emissoras comerciais? Como criar formatos que não reproduzam programas rígidos e fatigantes, com pouca dinâmica, desconectados com um tempo marcado pelo ingresso de novas plataformas, em particular a internet e a telefonia celular, que estão alterando dramaticamente a relação das pessoas com a comunicação?
Consolidar uma rede pública de televisão no Brasil passa necessariamente por caminhos que se distanciem destes dois extremos. E, aparentemente, esse caminho ainda está por ser descoberto. Nestes poucos mais de dois anos de existência a TV Brasil já tem avançado, criado programas e abordado temas importantes, mas apesar dessas iniciativas positivas, a impressão é de ainda há muito a fazer.
Principalmente, se considerarmos que a maioria dos programas produzidos ainda tem baixa qualidade técnica e artística. São ideias boas, para debate de conteúdos relevantes, mas em formatos muito engessados. O Brasilianas.org, por exemplo, é um programa importante, que tem um conteúdo fundamental e uma proposta que precisa ser reafirmada: levar sociedade e seus representantes para discutirem assuntos que até então são quase exclusivos de setores “iniciados”. Mas seu formato é pouco dinâmico e atraente para novos públicos.
Não podemos concordar, com algumas visões que dizem que nosso objetivo não é audiência. De fato, não queremos conquistar a audiência com os mesmos instrumentos das emissoras comerciais. Mas nós queremos sim ter grande audiência, porque queremos disputar as ideias na sociedade, não queremos fazer uma emissora de televisão para falar para nós mesmos, nós queremos falar para muitos.
Mas acho que a maior debilidade da programação ainda está no jornalismo. As pautas do Repórter Brasil ainda são pouco diversificadas – via de regra noticia mais do mesmo do que já é visto nos telejornais das emissoras comerciais, mas com menor qualidade técnica e jornalística.
Para pegar um exemplo recente, porque a TV Brasil não fez uma cobertura da Assembleia dos Movimentos Sociais realizada em São Paulo ontem? E hoje, teremos a possibilidade de assistir no jornal a cobertura do Conclat? Pautar essas atividades não é sinônimo de fazer uma cobertura favorável a reivindicação dos trabalhadores e/ou dos movimentos sociais, mas é dar visibilidade aos que são invisíveis para as emissoras comerciais, ou são visíveis apenas quando interessa desconstruir, para ser mais direta, criminalizar esses movimentos. Já houve situações em que o tratamento do Repórter Brasil ao noticiar uma manifestação foi o mesmo das emissoras comerciais, dizer que a mobilização dos trabalhadores causava trânsito na cidade.
Experimentar novos formatos, mas principalmente discutir a remodelação no conteúdo editorial do telejornal para que ele rompa com a espiral criada pelo noticiário tradicional das emissoras comerciais que reproduz, sim, valores, projetos de país e interesses políticos, e dar visibilidade aos invisíveis talvez seja uma das principais metas a serem atingidas pela TV Brasil.