A Coalizão Direitos na Rede (CDR) se soma na demonstração de preocupação do governo e de todes que não querem ver a Internet e as plataformas digitais sendo palco de desinformação, violência política, discurso anti-democrático e golpista. Contudo, alertamos que soluções apressadas e inadequadas, mesmo que a partir de boas intenções, podem ter efeitos problemáticos sobre a Internet brasileira, a circulação de informações online no país e a democracia que se visa proteger.
Ao longo do debate sobre iniciativas regulatórias, em especial do PL 2630, a CDR vem reafirmando a necessidade de uma regulação pública democrática, que estabeleça deveres para plataformas digitais e agentes públicos e privados na Internet. Entre eles, regras de transparência e devido processo na moderação de conteúdos, bem como mecanismos para combater condutas que resultam em problemas como a desinformação, o discurso de ódio, a violência política e ataques à democracia.
Nessa discussão, também alertamos agentes políticos e a sociedade sobre como o combate a essas práticas não pode justificar a adoção de mecanismos vigilantistas ou colocar demasiado poder sobre o debate público nas mãos de plataformas digitais ou de órgãos públicos. Essa abordagem ganhou força tanto na evolução do PL 2630 no Congresso (ainda que com problemas a serem resolvidos) quanto na própria tramitação da Lei do Estado Democrático de Direito e na reforma do Código Eleitoral.
Ao longo da campanha eleitoral, o Presidente Lula enfatizou a importância da regulação das plataformas digitais, com disposição para levar a cabo esta agenda. Nos últimos dias, entretanto, circularam na imprensa notícias sobre um pacote legislativo de defesa da democracia que incluiria medidas de regulação das redes sociais, determinando a remoção de conteúdos ilegais atentatórios ao Estado Democrático de Direito.
Apesar do texto da proposta não ter sido publicizado pelo governo, as declarações do Ministro Flávio Dino sobre a matéria ensejam alertas. O primeiro deles é que o princípio da governança multissetorial da internet, respeitado pelo Brasil, requer que matérias como esta sejam discutidas com a participação dos diferentes setores atingidos e interessados na regulação. O segundo é que é necessário equilibrar a imposição de novas responsabilidades às plataformas digitais com a garantia da proteção de direitos humanos, como ocorreu na discussão do Marco Civil da Internet.
Por fim, o envio de tal proposta ao Congresso Nacional por meio de medida provisória é incompatível com o debate que um tema complexo como este requer, trazendo insegurança sobre impactos imprevisíveis na internet no país. O tema deve ser enfrentado de maneira prioritária. Entretanto, soluções apressadas podem ter impactos negativos a longo prazo, especialmente frente à falta de debate público e qualificado sobre o tema.
Com base no que foi divulgado até o momento, a proposta do Ministério da Justiça atribuiria às plataformas, sem critérios objetivos e sem viabilização do monitoramento por outros entes, a responsabilidade de vedar a circulação de conteúdos, o que ampliaria seu poder sobre as discussões online, em um cenário em que a conduta dessas grandes corporações tem sido muito problemática, como ficou evidente nas eleições.
Além da necessária discussão multissetorial, é importante frisar que medidas como a anunciada deveriam caminhar junto com deveres de aumento da transparência sobre a aplicação de políticas de governança e casos de remoções de conteúdos, bem como a garantia aos usuários de um sistema adequado para recorrer a casos de moderação abusiva ou denunciar conteúdos – com abertura desses dados para acompanhamento externo.
Como não há uma solução fácil e considerando que o Brasil não dispõe de um órgão regulador para o setor, um arranjo institucional multissetorial, tomando a experiência da governança da Internet no Brasil materializada no Comitê Gestor da Internet (CGI.br) e consubstanciada no Marco Civil da Internet, que seja efetivo, mas que contenha freios e contrapesos, precisa ser discutido em profundidade.
Um caminho para a regulação pública democrática das plataformas digitais deve, portanto, considerar o acúmulo dos debates sobre o tema já realizados pelo Congresso, mas, sobretudo, começar a partir de um debate com a sociedade. Exemplos profícuos neste sentido são os processos que levaram à aprovação do próprio Marco Civil da Internet, legislação celebrada em todo o mundo, e da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
Nesse sentido, esperamos que o debate do texto em questão leve em consideração proposições já formuladas no âmbito do PL 2630 sobre uma regulação de plataformas que proteja direitos, bem como garanta a participação numa discussão transparente e aberta, a fim de que seja construído o melhor instrumento a combater o cenário de violências e os ataques golpistas que permeiam o debate público nos últimos meses.
A regulação de plataformas digitais é tema complexo e que vem sendo enfrentado em todo o mundo, com um abrangente processo de debate entre atores políticos e a sociedade, por meio de diálogos abertos, essenciais para uma comunicação democrática. A interpretação de discursos a serem impedidos ou sancionados, mesmo com base em lei, precisa ser feita com equilíbrio, para evitar impactos à liberdade de expressão, razão pela qual o debate público amplo é o melhor caminho.
Enquanto uma das principais redes de organizações e pesquisadores(as) com atuação sobre o tema da Internet, reunindo mais de 50 organizações acadêmicas e da sociedade civil com atuação na defesa e garantia de direitos digitais, a Coalizão Direitos na Rede lança este alerta às autoridades, ao mesmo tempo em que coloca-se integralmente à disposição para contribuir com este debate e na defesa da nossa democracia.
Brasil, 27 de janeiro de 2023.