Com o objetivo de democratizar o acesso às tecnologias digitais e fomentar a cultura de rede, o Laboratório de Cultura Digital (Lab) foi lançado nessa terça (29) no setor de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Paraná. O projeto visa o desenvolvimento colaborativo de tecnologias digitais livres e de comunicação compartilhada. O Lançamento ocorreu em meio ao Encontro Latino-americano de Cultura Digital, que recebe em Curitiba ativistas brasileiros e de movimentos de países como Argentina, Chile, Colômbia, Bolívia, Estados Unidos e Tunísia.
“O projeto não é nenhuma novidade, apesar de o processo que queremos articular ser tão inovador”, disse João Paulo Mehl, coordenador de Cultura Digital do Lab e integrante do Coletivo Soylocoporti, referindo-se à trajetória dos Pontos de Cultura pelo Programa Cultura Viva e dos ativistas de mídia livre e cultura digital nos últimos anos. A proposta é aprofundar os laços dessa rede que vem trazendo à tona a diversidade cultural do nosso país.
Núria Pons, coordenadora do Lab e vice-diretora do Setor de Educação da UFPR, saudou a todos pelo esforço de estarem presentes – alguns vindos de lugares tão distantes. “É preciso mapear as iniciativas culturais e levar o projeto para além da universidade. O Soylocoporti é uma peça fundamental para que nós da instituição aprendamos e convivamos com vocês”, disse. Iara Picchioni Thielen também esteve presente representando a Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da UFPR.
Rede Livre e a democratização da comunicação
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João Paulo Mehl apresentou o Lab Cultura Digital
O Lab é um projeto que engloba a Rede Livre, os Ciclos de Cultura Digital e residências para o intercâmbio de conhecimentos. A Rede Livre é uma plataforma que oferece de maneira unificada a possibilidade de se criar uma página em WordPress com layout de website, mapear iniciativas por meio do sistema de georreferenciamento, discutir e formular propostas coletivas através do Delibera, fazer campanhas de mobilização e gerenciar contatos. Um exemplo é a página do Lab (Laboratório de Cultura Digital), que está inserida na Rede Livre e contém um mapa de iniciativas culturais brasileiras com mais de 5 mil iniciativas cadastradas. Já os intercâmbios serão momentos de troca de saberes em que os interessados serão recebidos pelo Lab e trabalharão de forma intensiva nas ferramentas.
“Não aceitamos ser pasteurizados, padronizados, colonizados. Queremos romper os muros da universidade, do capital, o muro que impede que nossa diversidade cultural esteja na tela da televisão e nas ondas de rádio”, defendeu Mehl. Ele também ressaltou a importância de democratizarmos a informação no Brasil, assim como foi feito na Argentina com a Lei de Meios. O Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática está coletando assinaturas para colocar uma proposta de Marco Regulatório das Comunicações em votação no congresso. No meio digital a liberdade também está ameaçada, assim como a privacidade. “O Marco Civil da Internet deve ser votado a qualquer momento e nossa pressão é fundamental”, convocou.
Na sequência, realizou-se o debate Ativismo, redes e ruas: a inteligencia coletiva e as novas tecnologias, que abordou a relação entre o modelo de redes na comunicação e na política. Entre os provocadores estavam integrantes da Associação de Blogueiros Tunisianos, Occupy Wall Street, Movimento Passe Livre, Mídia NINJA, Pueblo Hace Cultura, Ciranda da Comunicação Compartilhada e Soylocoporti.
Hackeando o poder público
Representantes do poder público também estiveram no Lançamento do Laboratório de Cultura Digital. Antes do evento, Pedro Vasconcellos, diretor de Cultura Digital do Ministério da Cultura (MinC), reuniu-se com diversos atores da sociedade civil que fazem parte da trajetória da cultura digital no país. Vasconcellos indicou que essa iniciativa marca uma retomada da Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural do MinC com ações da cultura digital – e no momento atual de mobilização popular esse tema ganha destaque. “É um esforço que temos que fazer no Brasil, conectar comunicação e cultura”, ressaltou. Em diálogo com essa perspectiva, João Pontes, secretário de Cultura Digital do Rio Grande do Sul, enfatizou a importância da cultura digital para a ressignificação dos processos de produção cultural. “Nossa expectativa com o projeto é muito grande e a gente realmente está aí pra somar no que for necessário”, disse.
A Rede Mocambos, que atua com tecnologia em comunidades quilombolas, esteve representada no evento por Antonio Carlos, mais conhecido como TC. Ele acredita ser muito importante que a universidade se junte ao MinC – e ao Programa Cultura Viva, enfraquecido nos últimos anos, mas revigorado por iniciativas como os laboratórios nas universidades (o Laboratório de Políticas Culturais no Rio de Janeiro e agora o Lab de Cultura Digital no Paraná). “Essa iniciativa pode estar criando um marco histórico aqui, quando as universidades começam a se abrir para a sociedade civil”, acredita. Como afrodescendente, pensa que apesar de a universidade oferecer cotas para negros, a identidade desses povos não está representada nela. “O tambor não pode tocar na universidade. Precisamos ter paciência, mas nós temos que reconhecer que não somos europeus: somos brasileiros, negros, indígenas”, disse.
Eduardo Tadeu, presidente da Associação Brasileira de Municípios, indicou que quer ser parceiro do projeto. Ele acredita que o poder de capilarização dos municípios deve ser explorado no campo cultural. “É preciso mapear o que os municípios têm de iniciativas culturais, colocar num mapa digitalizado e construir os planos municipais de cultura”, pois segundo Tadeu a cultura nem sempre tem a sua importância reconhecida na agenda pública.
“Temos que hackear mais o Estado no melhor sentido da palavra”, defendeu Uirá Porã, articulador de Políticas Digitais do Gabinete Digital do Rio Grande do Sul. Ele acredita que a tecnologia é uma das formas de abrir a máquina pública, e o momento que o Brasil viveu nas Jornadas de Junho demonstra a necessidade dessa mudança no poder público. Já João Brant, assessor especial da Secretaria de Cultura da cidade de São Paulo, falou da necessidade de inverter a lógica de pirâmide que prevalece na política brasileira. “Cultura digital para nós não é somente uma ferramenta, mas um ambiente que fortalece uma cultura de comunicação e de compartilhamento”, disse. Ele acredita que projetos como o Lab podem aprofundar a democracia por meio da formulação, implantação e monitoramento de políticas públicas.
O Encontro Latino-americano de Cultura Digital continuou com oficinas de troca de conhecimentos para a apropriação da Rede Livre e segue com as residências e Ciclos de Cultura Digital. Confira a programação dos Ciclos.