A região de Campinas concentra cerca de 20% do PIB do estado de São Paulo, com cerca de 15% da produção industrial do País. Com uma população de seis milhões e 500 mil habitantes e 91 municípios, a região é considerada uma das mais importantes do país.
Declarações de alguns ministros que ocuparam a pasta do Ministério das Comunicações, ao dizer por diversas vezes que “As Rádios Comunitárias são importantes instrumentos para as pequenas cidades onde não possuem rádios convencionais”, mostra que estas declarações não são apenas declarações, mas sim decisões políticas que norteiam a situação das Rádios Comunitárias em todo o Brasil.
Em pesquisa realizada pela ABRAÇO – Regional Campinas no site do Ministério das Comunicações, constatou-se que o serviço de radiodifusão comunitária nesta região é um grande obstáculo para o desenvolvimento social destas comunidades. Após a promulgação da Lei 9612, que instituiu o serviço de Radiodifusão Comunitária no Brasil, a região de Campinas, mostrou-se disposta a buscar o reconhecimento do serviço, com a participação de 471 entidades, sendo que 51% das entidades estão com seus processos arquivados, 9% das entidades estão com seus processos em andamento, e ainda constam 27 % de entidades aguardando aviso de habilitação. Desse total, apenas 63 entidades tiveram seus pleitos autorizados.
Apesar de 63 entidades conseguirem obter licença, a ABRAÇO realizou o cruzamento destas entidades com a pesquisa do Professores Venício Lima e Cristiano Aguiar Lopes, intitulado “Coronelismo Eletrônico de Novo Tipo” e os dados foram alarmantes: das emissoras de rádios comunitárias autorizadas na região, 65% possuem vínculo político ou religioso, um dado muito maior do que o total nacional, que apontou 50,2% de emissoras com vínculo político e religioso em todo o país.
Segundo o Coordenador Sudeste da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária, Jerry de Oliveira, a pesquisa “aponta a decisão política das grandes emissoras comerciais de impedirem que a comunicação no Brasil troque de mãos, pois o pequeno número de emissoras autorizadas e o uso particular destas emissoras por relações promíscuas entre parlamentares ainda é um dos maiores obstáculos para que o serviço atenda seus objetivos sociais. Torna-se necessário uma alteração significativa da postura do Ministério das Comunicações ao tratamento dado para as rádios comunitárias no Brasil”.
Segundo Oliveira, “os agentes públicos nomeados pelos ministros no Departamento de Outorgas e Serviços do Ministério das Comunicações dão uma atenção maior aos pleitos das Rádios Comerciais e obstam a regularização do serviço”. Oliveira aponta ainda as péssimas condições de trabalho dos funcionários de carreira que analisam os processos, “São apenas 16 servidores para analisar mais de 20.000 processos, isso causa stress e até problemas de saúde, nós constatamos diversos servidores que se afastam por licença médica o que demonstra a situação caótica deste departamento que prejudica a radiodifusão comunitária em todo o Brasil.
Para solucionar a questão, Jerry Oliveira aponta algumas propostas que buscam amenizar a situação, como a criação da Subsecretaria de Radiodifusão Comunitária, desvinculando-a do Departamento de Outorgas e Serviços, a realização de concurso público para a contratação de novos servidores, e a criação de uma comissão de acompanhamento de análises de processos, formado por entidades do setor. “Isso também é necessário porque tornaria mais difícil a ação de parlamentares nos pleitos de radiodifusão Comunitária”, avalia Oliveira.
As regras para os avisos de habilitação
Jerry Oliveira faz uma denúncia grave sobre os critérios de seleção dos avisos de habilitação do Ministério das Comunicações: “Existe um departamento especial no Ministério das Comunicações que precisa ser investigado pelo Ministério Público, que é a Assessoria de Assuntos Parlamentares, cuja função Constitucional é providenciar o atendimento às consultas e aos requerimentos formulados pelo Congresso Nacional; esta atribuição é para atendimento institucional com o congresso, como requerimentos e indicações, que devem ser discutidas no plenário ou nas comissões do Congresso. Ações particulares de parlamentares como ofícios, por exemplo, são ações particulares e seu atendimento configura práticas questionáveis, que necessitam de um debate aprofundado”.
Segundo Oliveira, neste departamento são definidos os critérios de escolha para as localidades que aguardam os avisos de habilitação. “Os critérios são bastante técnicos” ironiza Oliveira, “cada parlamentar tem direito a indicar três localidades, desde que naquela região não exista nenhuma entidade com processo em andamento”. Segundo Jerry Oliveira, esta constatação se deu numa conversa com um funcionário de carreira deste departamento, que inclusive apresentou um software interno do departamento que apontou a demanda de um deputado na região de Bauru, cuja solicitação da localidade fora indicada por um parlamentar da base de sustentação do Governo.
Enquanto isso, muita repressão
Com todas estas dificuldades enfrentadas pelas entidades, Oliveira aponta um dado alarmante: muitas entidades, que estão há vários anos buscando suas outorgas e não consegue visualizar mudanças nesta situação, estão entrando no ar sem permissão, o que agrava a situação, pois além de não verem seus pleitos atendidos, estas emissoras são duramente reprimidas pela ação do estado brasileiro, que ao invés de promover transparência e celeridade nos processos de outorgas, se utiliza do aparato policial para reprimir e macular suas responsabilidades sobre esta situação. Para Oliveira, “o estado brasileiro está reprimindo lideranças comunitárias que lutam na prática para cumprir uma das atribuições constitucionais do estado brasileiro, ou seja, combater o monopólio das comunicações”.
Além disso, Oliveira aponta o desperdício de dinheiro público nas ações de fechamento de emissoras: “o que se gasta para reprimir uma emissora comunitária é cerca de 100 vezes mais o que se gastaria para autorizar, pois um grande número de agentes públicos é mobilizado, como agentes da Anatel, policiais federais, servidores do poder judiciário e muitas horas de burocracia para uma possível condenação ou absolvição dos comunicadores sociais. É muito dinheiro público jogado no ralo para garantir o monopólio da comunicação. Em suma, o estado brasileiro deveria utilizar seus agentes de repressão para causas mais nobres, como combater o tráfico de drogas no país”.
Jerry de Oliveira aponta que as ações de fechamento de rádios comunitárias no país é maior do que o combate ao tráfico de drogas e lembra uma entrevista do Secretário Nacional anti-drogas do Ministério da Justiça José Vicente para a Rádio CBN, na qual ele disse “que o Brasil é hoje considerado um dos maiores consumidores de cocaína do mundo, com o consumo de quase 100 toneladas de drogas, e que a Polícia Federal apreende apenas 0,5% desse total”, segundo Jerry Oliveira “isso mostra que a preservação do monopólio da comunicação deste país é mais importante que a desgraça de uma família que possui um viciado em drogas, é lamentável que se pense desta maneira: os agentes de repressão são hoje os capitães do mato do monopólio da comunicação deste país”.
ABRAÇO fará denúncia sobre estes fatos
Com a realização da pesquisa e a comprovação destes casos apresentados, pela ABRAÇO – SP, Oliveira comenta: “não há outra situação a ser feita,a não ser recorrermos a justiça e colocar o povo na rua, com manifestações e passeatas. Já tentamos várias negociações políticas e apelos, o que conseguimos até agora foi tomar centenas de cafezinhos e promessas de mudanças, e até agora, depois de 12 anos de promulgação da Lei, nada foi mudado, então não nos resta outra coisa a fazer, senão as ações jurídicas no Poder Judiciário para alterar esta situação, é necessário desbaratar este consórcio de agentes públicos, parlamentares e representantes da mídia privada, responsabilizando o Estado Brasileiro e se possível, colocar seus chefes na cadeia”. Para isso, a ABRAÇO – SP fará mobilizações junto à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, Ministério Público e Atos Públicos.