É muito interessante e importante ver iniciativas como a da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), que se propõe a discutir a ciência, a tecnologia e a inovação com vistas a um desenvolvimento sustentável.
O “Diário de Notícias” publicou no dia 8 de julho de 2006, na coluna Opinião (http://dn.sapo.pt/2006/07/08/opiniao/rumo_sociedades_conhecimento.html), um artigo do diretor geral da Unesco, Koïchiro Matsuura, com o título “Rumo às Sociedades do Conhecimento”, comentando o relatório da Unesco de mesmo título. A matéria, é bem verdade, é um tanto quanto antiga, porém o seu teor continua ainda muito atual.
O diretor geral da Unesco começa o seu artigo observando que os desenvolvimentos científicos do século XX praticamente promoveram uma terceira revolução industrial em consequência das novas tecnologias, também denominadas de tecnologias intelectuais. Essa revolução, aliada ao avanço da globalização, lançou os alicerces da economia do conhecimento, colocando o conhecimento no centro da atividade humana, do desenvolvimento e mudança social.
Ele sustenta ainda que a informação não é conhecimento; e que a incipiente sociedade de informação mundial só cumprirá seu potencial se facilitar a emergência de sociedades de conhecimento pluralista e participativo, que incluam em vez de excluírem.
O referido relatório afirma que não deve haver indivíduos excluídos nas sociedades do saber, dado que o conhecimento é um bem público e deve ser acessível a todos. Esse relatório defende que o conhecimento tem duas qualidades notáveis: a não rivalidade e, uma vez passado o período de proteção dado pelos direitos autorais, a sua não exclusividade.
Há, hoje, um claro consenso de que o desenvolvimento das sociedades preconizado no compartilhamento do conhecimento é a melhor forma de lutar contra a pobreza e de prevenir grandes riscos para a saúde, tais como pandemias, bem como reduzir a terrível perda de vidas causada por tsunamis e tempestades tropicais, e de promover o desenvolvimento humano sustentado.
Existem, hoje em dia, novos métodos de desenvolvimento ao nosso alcance. Esses não são baseados, como no passado, em “sangue, suor e lágrimas”. Baseiam-se na inteligência, capacidade científica e tecnológica de lidar com os problemas, assim como no valor agregado intelectual e na expansão de serviços em todos os setores da economia, que devem conduzir ao desenvolvimento cívico e ao crescimento de uma democracia de longo alcance.
Koïchiro corrobora, assim, com a ideia de que o compartilhamento do conhecimento contribuirá para a diminuição das desigualdades sociais e, consequentemente, para um desenvolvimento sustentável. Ele ilustra em seu discurso a importância do compartilhamento do conhecimento científico. Esse conhecimento advém do acesso e uso da informação científica.
A informação científica é o insumo crucial para o desenvolvimento da ciência em qualquer país. Hoje, nenhuma pesquisa começa do zero. Uma pesquisa se inicia com a busca da informação científica. Daí a importância do Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e das iniciativas de acesso livre ao conhecimento científico.
O movimento do acesso livre (“open access”) ao conhecimento científico começou a partir do momento em que os pesquisadores tiveram dificuldades no acesso à informação científica, causadas em grande parte pelo alto preço das assinaturas das revistas científicas, que, consequentemente, dificultava que as bibliotecas dos principais centros de pesquisa mantivessem coleções de periódicos científicos.
No Brasil, o panorama não é diferente. Graças a essa iniciativa dos pesquisadores, hoje o conhecimento científico começa a ser compartilhado, livremente, por meio da definição de políticas institucionais de informação, da construção e manutenção dos repositórios institucionais nas principais universidades em todo o mundo.
A discussão de políticas nacionais de ciência, tecnologia e inovação passa pela discussão de políticas nacionais de acesso à informação científica. Sem essas políticas, o desenvolvimento científico corre sério risco de não acontecer ou de se realizar a um elevado custo. O desenvolvimento científico gera novos acervos de informação científica que, por conseguinte, gera novos ciclos de desenvolvimento científico. É um ciclo virtuoso. A informação científica dá origem ao desenvolvimento de novas pesquisas.
Percebe-se, portanto, que não se pode falar de desenvolvimento sustentável sem se falar em acesso livre à literatura científica. As iniciativas de acesso livre são fundamentais para o desenvolvimento sustentável, porque a simples disseminação livre e aberta da informação científica promoverá e provocará o desenvolvimento científico sustentável. Essas iniciativas fazem parte de um novo modelo de se fazer ciência. Diversos países já adotaram e vem se integrando a este modelo.
Apenas para citar algumas iniciativas mundiais: 1) os Estados Unidos da América já aprovaram uma lei tornando obrigatório a todos os pesquisadores financiados pelo NIH (National Institute of Helth) o depósito, no PubMedCentral (repositório central do NIH, de acesso livre), de uma cópia dos seus trabalhos publicados em revistas científicas. No momento, eles estão discutindo uma nova lei com o propósito de estender esta lei a todas as outras agências de fomento do governo americano; 2) o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação da Austrália fez constar em seu relatório de revisão do sistema nacional de inovação que todos os resultados de pesquisas australianas serão de livre acesso. Veja o relatório no link: http://www.innovation.gov.au/innovationreview/Documents/NIS-review-web.pdf; 3) a Comunidade Europeia já estabeleceu que todos os resultados de pesquisas financiadas por aquela comunidade devem ter uma cópia depositada em um repositório de acesso livre; 4) a Espanha discute, hoje, um projeto de Lei de Ciência e Tecnologia, no qual consta que todos os resultados de pesquisa financiados com recursos públicos deverão ser depositados em repositórios de acesso livre.
Concluindo, entendo que a 4ª CNCTI seria um espaço ideal para discutirmos as iniciativas de acesso livre e promover a discussão e a proposição de uma política nacional de acesso livre à informação científica.
Certamente, isto teria como resultados: 1) o registro e a disseminação da produção científica brasileira; 2) maior visibilidade para as pesquisas brasileiras, universidades e seus pesquisadores; 3) maior celeridade no desenvolvimento científico brasileiro; 4) redução nas desigualdades sociais; 5) maior transparência e governança no investimento e administração da ciência, no país; e, finalmente, 6) otimização do investimento em ciência.
O estabelecimento de uma política nacional de acesso livre à informação científica certamente colocaria o Brasil no contexto mundial do acesso livre, do “e-science” e quiçá entre as nações mais desenvolvidas do planeta.