Relatório do Grupo de Trabalho de Comunicação do Comitê Organizador Brasileiro (COB) acerca dos projetos de cobertura compartilhada do V FSM
Este conjunto de documentos que você recebe – elaborado coletivamente pelo Grupo de Trabalho de Comunicação – pretende ser uma contribuição nossa ao processo do Fórum Social Mundial (FSM). Esperamos que sirva não só para as próximas edições do FSM, como para os encontros relacionados – fóruns regionais, locais, temáticos – e mesmo atividades apenas identificadas com o espírito do Fórum.
Nestes textos, estão a descrição das idéias que nortearam os projetos, as discussões para sua elaboração e o relato de suas experiências na prática. Tentamos ser rigorosos sobre as realizações de cada projeto, exibindo suas falhas na aplicação, o que não pôde ser executado na prática, ou os objetivos que se realizaram de forma bem distinta da que esperávamos.
Por que outra comunicação é necessária
Ao longo dos sete meses de debates e elaborações do GT de Comunicação, avaliamos que há ainda um grande déficit no FSM em relação a uma política de comunicação. Acreditamos que o FSM nunca teve uma política definida para comunicar-se com os participantes do Fórum ou com as pessoas identificadas com o universo do FSM, mas que não podem estar no encontro. E muito menos com as pessoas que pouco conhecem o processo, mas que deveriam ser procuradas na batalha por corações e mentes a favor de outro mundo possível.
Diante da necessidade de uma elaboração geral sobre a comunicação do FSM, mas sabendo dos limites da atuação do GT e constatando a importância de fazer este debate de uma forma mais aprofundada e em médio prazo, a opção do GT de Comunicação foi priorizar, num primeiro momento – ou seja, para o V FSM – uma política do Fórum em relação à mídia alternativa. Essa definição partiu de dois princípios. Primeiramente, porque se considerou que a mídia alternativa é uma aliada estratégica na construção do FSM, já que os veículos e organizações que a praticam identificam-se com os princípios do Fórum. São também profissionais e mídias que têm um acompanhamento muito próximo do mundo do FSM, tendo mais capacidade de dar uma visão aproximada do que é o Fórum. Também são veículos que falam diretamente ao público ligado à luta por outro mundo possível, ou seja, às pessoas envolvidas no processo FSM – mesmo que não estejam na cidade em que ele está sendo realizado.
O outro motivo era a configuração geral do V FSM. Como ficou definido desde a constituição do Comitê Organizador Brasileiro (COB), a quinta edição do Fórum deveria mostrar, na prática, como eram realmente viáveis algumas alternativas propostas dentro do Fórum. Mostrar, na própria constituição do FSM, que outro mundo e outras formas de organização, pensamento e produção são possíveis. Portanto, na comunicação, nada melhor do que respeitar a lógica da ação compartilhada que vinha sendo proposta pelas mídias alternativas que participam do mundo do VFSM, indicando seu próprio compartilhar como alternativa tanto ao cerco quanto ao filtro do Fórum praticado pelo jornalismo de mercado.
Quatro projetos de acolhida
Sobre essa discussão inicial – e mais conceitual – o GT transformou-se em um laboratório da construção compartilhada de um projeto para as mídias alternativas no V FSM. Elas propunham formatos e infraestrutura de trabalho diferenciados daqueles oferecidos à mídia convencional e partiram para a definição de como isto se configuraria.
Pela própria natureza ampla, diversa e unificadora do Fórum – os projetos do GT não poderiam ter a cara de ninguém. Não deveriam ser objeto ou propriedade de nenhum grupo. Mas, seguindo o espírito do FSM, um espaço de articulação e fortalecimento de iniciativas já existentes ou em construção.
A relação entre a construção interna do GT e o Comitê Organizador Brasileiro foi promovida através de um trabalho de “facilitação”1 decisivo para o sucesso dos projetos: uma interlocução de respeito pela construção independente das mídias alternativas, sensibilidade para perceber o espaço GT como laboratório de um projeto de comunicação para o FSM e não de um serviço ao FSM, e tradução das etapas desse projeto no COB (e também no CI, durante encontro em Porto Alegre) e vice-versa.
O resultado desse processo foi a gestação de uma proposta formada por quatro iniciativas amplas e inclusivas, que servissem de acolhida aos veículos alternativos, comunitários, independentes que fossem a Porto Alegre. Elas se configuraram em quatro, por representar já o corte de mídia que tinham.
V Ciranda Internacional da Informação Independente – Promoveu sua quinta edição – existe desde o I Fórum, em 2001 – de cobertura compartilhada do Fórum Social Mundial atuando como plataforma para o trabalho conjunto de algumas centenas de jornalistas das mídias alternativas, comunicadores sociais e diferentes projetos compartilhados que se inscreveram para a iniciativa. A participação se deu através da alimentação coletiva e simultânea de um site em seis idiomas, organizado segundo a arquitetura temática do FSM e conexões com os projetos de acolhida, e da gestão de uma redação internacional dentro do Fórum, constituída de equipes de recepção e edição de conteúdos, realização de atividades de acolhida, pautas livres e pautas conjuntas. Voltada à livre reprodução, a Ciranda usa o princípio do copyleft, em que os conteúdos podem ser reproduzidos em outros veículos, desde que divulgada a fonte. A cobertura da V Ciranda está no site www.ciranda.net
Fórum de Rádios – Em sua primeira edição, realizou uma cobertura radiofônica compartilhada da qual fizeram parte rádios comunitárias e independentes de todo o mundo, transmitindo 24 horas via streaming em seu site e alguns dias por ar para o Território Social. Os programas foram realizados integramente pelas rádios interessadas e organizações que lutam pela democratização da comunicação, transmitindo em até seis idiomas, garantindo assim o espírito de diversidade cultural que compõe o Fórum. Para acessar parte da programação transmitida pelo Fórum de Rádios, viste a página www.forumderadios.fm
Fórum de TVs – O Fórum de TVs teve como objetivo reunir diversas produções em vídeo sobre o FSM e organizá-las em um programa de TV de uma hora de duração chamado Panorama Fórum. A programação, que contou com mais de 60 vídeos realizados por produtores independentes, TVs universitárias e comunitárias, foi disponibilizada diariamente para diversos países do mundo via sinal de satélite da Radiobrás. Todos os canais universitários, comunitários e educativos interessados em transmitir uma produção com um olhar diferenciado e de qualidade puderam captá-la e incluí-la em suas programações. Para assistir aos vídeos exibidos no programa Panorama Fórum, acesse www.forumdetvs.tv
Laboratório de Conhecimentos Livres – Instalado dentro do Acampamento da Juventude, o Laboratório reuniu todas as experiências possíveis de troca livre de informação – vídeo, áudio, rádio, software… Para conhecer as experiências desse Laboratório, acesse www.lablivre.rg3.net
Olhando o relatório em anexo de cada um dos projetos, você terá uma descrição pormenorizada das bases em que eles foram pensados, por quais atores políticos, com que metas. Também terá um relato honesto das dificuldades práticas que encontraram para materializar-se e dos sucessos que alcançaram.
Aprendendo com o passado, de olho no futuro
A intenção deste documento, além de fazer uma avaliação dos projetos de cobertura compartilhada, é ser uma contribuição histórica a todos os outros indivíduos, organizações que participem dos encontros futuros do processo FSM e jogar algumas propostas ao futuro. Todos que integramos o GT de Comunicação acreditamos que a mídia alternativa deve seguir sendo uma aliada estratégica do FSM. Para tanto, terá de continuar tendo um tratamento diferenciado dentro do processo Fórum, pelos mesmos motivos elencados já acima:
• os veículos e organizações que praticam a mídia alternativa são também atores políticos da luta por outro mundo possível, na prática da luta pela democratização da comunicação.
• falam a um público focado, os interessados no processo Fórum.
• têm um melhor entendimento das lutas sociais e bandeiras.
Para que essa preferência pela mídia alternativa se concretize, entendemos que é necessária a manutenção dos projetos de comunicação nas próximas edições do FSM. A importância de dar seguimento à articulação formada entorno deste grupo e às ações que dele resultaram e se materializaram no FSM 2005 ficou clara nos debates acerca da Comunicação realizados tanto durante o Fórum como no I Fórum Mundial de Informação e Comunicação, que antecedeu o evento em Porto Alegre. Um dos principais desafios colocados neste sentido é a construção de uma grande rede de comunicação contra-hegemônica, um fórum de mídias, que esteja a serviço do processo FSM.
Esta rede, além da grande mídia, seria a principal responsável por alcançar um público que não participa diretamente dos Fóruns, informando-o sobre seus debates, lutas e articulações e também aproximando mais pessoas na tarefa de construção de um outro mundo possível. Ou seja, seria uma forma de usar a comunicação como ferramenta do processo de construção e mundialização do FSM e de auxiliar este processo em regiões que careçam de uma participação mais ativa dos movimentos e organizações sociais, com a África, a Ásia e os Estados Unidos.
A relação com a grande mídia se insere neste cenário. É sabido que a própria existência do Fórum Social Mundial contraria os interesses de várias das grandes empresas de comunicação, que não perdem a oportunidade, na medida do possível, de diminuir suas conquistas e criticar sua forma de funcionamento. Por outro lado, o FSM adquiriu uma envergadura e uma importância tal que mesmo os ataques pontuais da mídia já não têm o poder de prejudicar seu processo de crescimento, apoiado e sustentado por uma parcela significativa da sociedade civil e acadêmica e por instâncias políticas e governamentais em todos os níveis.
Não se pode negar, no entanto, que a cobertura da imprensa, bem como os espaços que ela pode oferecer para a expressão da opinião dos atores do FSM, têm um peso no processo de divulgação de seus eventos e propostas. Por isso, há que se avaliar a melhor forma de negociar a cobertura e aproveitar os espaços que podem ser ocupados, levando-se em consideração as características individuais de cada meio de comunicação ou da imprensa de cada país ou região.
A manutenção dos projetos de acolhida e a participação internacional nos debates sobre a comunicação no FSM
A relação com a grande mídia também é uma tarefa para ser debatida pelas diferentes instâncias do FSM que darão continuidade às discussões sobre comunicação com o fim deste GT específico após o término dos trabalhos do COB. No entanto, o principal horizonte que se coloca à nossa frente é a consolidação da experiência iniciada pelos quatro projetos de acolhida realizados neste FSM 2005 nas próximas edições do Fórum Mundial e sua extensão para os demais eventos do processo Fórum, sejam suas edições locais, regionais ou temáticas. Garantir essas experiências futuras requer conferir um caráter internacional ao trabalho que foi até o momento realizado pelo GT de Comunicação – composto principalmente por organizações e veículos do Brasil e da América Latina – e, ao mesmo tempo, seu enraizamento e horizontalidade nos diferentes países.
Uma sugestão é a que tais ações, articulações e debates sejam encampados a partir de agora por um grupo internacional ligado à comissão de comunicação do Conselho Internacional, que seria aberto à participação das entidades interessadas e garantiria a participação dos quatro projetos de forma articulada e articuladora. Este grupo trabalharia como um canal de diálogo internacional com os diversos atores do Fórum, Já para consolidar coberturas compartilhadas dos Fóruns em suas mais diversas edições, o trabalho deste grupo internacional poderá se apoiar fortemente nos meios locais, trocando experiências a partir do que já foi feito em Porto Alegre, para que se potencializem acertos e se evitem erros que limitaram as iniciativas.
Para o FSM 2006, por exemplo, é possível trabalhar com a possibilidade de realizar uma cobertura paralela nos três países onde acontecerá o Fórum e, através dos projetos Fórum de TVs, Fórum de Rádios, Laboratório de Conhecimentos Livres e VI Ciranda Internacional da Informação Independente, permitir que os programas e notícias produzidos na América sejam vistos na África e na Ásia e vice-versa, numa programação compartilhada não só dentro de cada Fórum, mas também entre suas diferentes sedes.
Um seminário internacional e um projeto de comunicação para o FSM
Um projeto consistente de Comunicação para o FSM não se constrói a toque de caixa, nem é aconselhável engessá-lo em critérios rígidos sem que antes tenha passado por um processo de amadurecimento, com erros e acertos. Um fator decisivo para o início deste trabalho é o comprometimento das organizações, entidades e movimentos participantes do FSM com a comunicação do Fórum, numa busca pela não hierarquização de lutas e pela identificação de ferramentas fundamentais para o sucesso das bandeiras levantadas pelo processo FSM. Outro fator é criar um espaço onde o início sobre o debate deste projeto possa acontecer com a ampla participação dos diversos atores e movimentos sociais que hoje representam o alicerce do Fórum Social Mundial.
É neste sentido que as entidades que hoje compõem o GT de Comunicação e que pretendem dar continuidade à discussão sobre a comunicação no FSM numa possível instância internacional que venha a ser criada propõem ao Conselho Internacional do FSM a realização de um Seminário Internacional de Comunicação na Venezuela, em Caracas, entre agosto e setembro de 2005. Este seminário teria como objetivos fortalecer a idéia de comunicação compartilhada e definir a continuidade dos projetos de acolhida do V FSM, consolidar uma rede permanente de compartilhamento de comunicação, promover um intercâmbio de experiências em comunicação entre os países participantes e preparar, com antecedência, o campo para as experiências em comunicação a serem realizadas durante os Fóruns Mundiais de 2006. Também seria um espaço essencial para a continuidade, em âmbito internacional e democrático, das discussões sobre um plano e uma política de comunicação – externa e interna – para o Fórum, mantendo o processo de construção coletiva da plataforma de comunicação FSM iniciada pelo GT de Comunicação em 2004/2005.
A proposta inicial de metodologia para este seminário prevê um primeiro dia de apresentação dos participantes, projetos e experiências e de resgate do histórico das experiências em comunicação no processo Fórum. Um segundo dia de visitas a algumas experiências venezuelanas em comunicação comunitária, alternativa e independente, troca de impressões e reflexões sobre as visitas de campo e um debate conceitual entre os participantes. E um terceiro dia de debates sobre como a comunicação alternativa se insere na política de comunicação do processo Fórum que começa a ser construída coletivamente.
Até o encontro neste seminário, local propício para a definição dos rumos da comunicação dentro do processo FSM, uma tarefa já colocada para os movimentos e veículos independentes que participaram dos projetos de acolhida do FSM 2005 é o estímulo à manutenção das articulações iniciadas em Porto Alegre para a realização de coberturas específicas, seguindo a agenda dos movimentos sociais elaborada no último FSM.
Possíveis recomendações do Conselho Internacional
Neste sentido, as diversas organizações da sociedade civil que integraram o Grupo de Trabalho de Comunicação do COB gostariam de propor ao Conselho Internacional do FSM que aprove recomendações para que o conceito de mídias alternativas compartilhadas, nascido com o I FSM e consolidado como multimídia no V FSM, seja priorizado e facilitado no mundo e eventos do FSM. Entre essas recomendações estariam:
1 – Facilitar a ação compartilhada das mídias alternativas no processo Fórum Social Mundial.
2 – Garantir plenas condições para a realização dos trabalhos de cobertura compartilhada em cada espaço Fórum Social Mundial – incluindo aí texto, fotografia, áudio, vídeo e outras mídias que venham a ser desenvolvidas.
3 – Garantir espaços para projetos de experimentação das diversas mídias durante cada evento do processo Fórum Social Mundial – a exemplo do Laboratório de Conhecimentos Livres, realizado no FSM 2005.
4 – Promover condições de debate internacional sobre o processo de cobertura compartilhada das mídias alternativas e a comunicação do Fórum Social Mundial (vide proposta do Seminário Internacional citado neste documento).
Acreditamos que, garantindo condições para a continuidade deste trabalho iniciado no V FSM e para a ampliação deste debate em nível global, poderemos em breve consolidar a comunicação alternativa e compartilhada como uma das ferramentas mais importantes na mundialização do Fórum Social Mundial e na disputa contra-hegemônica essencial para a construção de um outro mundo possível.
Em anexo, os relatórios de avaliação de cada um dos projetos de cobertura compartilhada e o histórico do Grupo de Trabalho de Comunicação do COB.
São Paulo, 23 de março de 2005.