Foto: O Pai da Rita, filme de Joel Zito Araújo
A luta para garantir a pluralidade, a diversidade, a igualdade de gênero e etnia na comunicação pública tinha começado pelo Conselho Curador. O colegiado já contava com metade de mulheres, caminhava para cinco representantes negros, um deles jovem liderança da BAhia, e recebia sua primeira mulher indígena, além de ter também a representação de um cadeirante da luta anticapacitista. É só parte do que o Conselho representava – se lembrarmos dos critérios técnicos, regionais, setoriais e sociais. Além disso, estava pela primeira vez sob comando da sociedade civil e tinha caráter de governança – era deliberativo.
O cineasta negro Joel Zito Araújo, diretor do filme “O Pai da Rita” e da série “PCC – O Poder Secreto” – suas obras mais recentes – era conselheiro da EBC e já havia pesquisado a imagem de toda tv brasileira, alertando os segmentos da comunicação e da academia para distorções graves da população representada, negando o Brasil não branco e suas muitas regionalidades.
Para o Conselho, era urgente contemplar toda a diversidade do povo brasileiro na mídia e precisava começar de verdade pela EBC. Isso tinha a ver com a programação, a produção, a linha editorial e a gestão. Era preciso revolucionar, e também ampliar as representações culturais, sociais, políticas e econômicas visando abrasileirar a comunicação..
Tudo veio água abaixo com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, seguido da cassação do Conselho Curador, a troca do comando da EBC e posterior militarização e apropriação dos seus conteúdos para proselitismo político partidário, religioso e militar.
Mas outra coisa aconteceu desde então, que foi o encontro do Conselho, trabalhadores, trabalhadoras e sociedade civil na formação de uma Frente em Defesa da EBC e a Comunicação Pública que passou a atuar na vigilância e proteção do futuro da empresa públlica.
Sites independentes foram criados, como o da Memória do Conselho Curador – alvo de processo judicial por parte da empresa – e a Ouvidoria Cidadã da EBC, para apurar, analisar e dar conhecimento à sociedade sobre o desmonte e a resistência dentro da EBC. Seminários organizados com a Frente, lideranças sociais e acadêmicas indicaram caminhos para a retomada e propostas de melhoria para a empresa, possíveis e necessárias a partir de um novo governo. Consultas públicas e debates deram origem a um Caderno que hoje está nas mãos da Secom, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República..
Joel Zito Araújo foi parte e protagonista de um esforço tremendo de apontar ao governo os nós da empresa e as saídas possíveis. Mas especialmente fez isso com o apoio de movimentos sociais e profissionais negros – ativistas da comunicação, do cinema, da cultura, das mulheres – que passaram a defender seu nome para dar continuidade a esse legado de resistência, agora implementando políticas concretas de comunicação pública. Cineasta empoderado – com filme no circuito comercial e uma série de TV sobre o PCC que chegou a líder de audiência, ele, generosamente, emprestou seu nome por entender os argumentos vindos de trabalhadores, integrantes do Conselho cassado e movimentos, de que não é possível, com todos os nós a serem desatados, entregar a empresa a alguém que sequer chegou perto deles.
Seria difícil imaginar uma próxima gestão que sequer tenha se aproximado desse processo de defesa e propostas para reconstrução da empresa, já que a frente da sociedade civil não se furtou ao debate, escuta e coleta de subsídios nestes últimos seis anos.
Joel Zito, mais do que participar, agregou ao projeto estratégias para dar voz e poder midiático às periferias do Brasil, onde a cultura graça mas é invisibilizada pela seletiva mídia de mercado. A comunicação pública, conforme a Constituição, é complementar – existe para dar voz a quem não tem, e para produzir o que não é produzido, para informar o que não é informado – e para colocar essa produção à disposição de todos. Inclusive a grande mídia aprendeu, em anos passados, a se beneficiar desses conteúdos confiáveis e imagens de qualidade – muitas premiadas – em suas publicações.
Além disso, Joel Zito é conselheiro cassado e compreende a urgência em se reinstalar o Conselho Curador para assegurar que as políticas definidas para a comunicação pública sejam de fato implementadas e protegidas de interferências indevidas de interesses estranhos ao país.
As falas do presidente Lula sobre a EBC são perfeitamente condizentes com o projeto construído pela sociedade civil. A sua execução é que depende de comprometimento e sustentação por toda uma rede que não abandonou a EBC à própria sorte e não irá abandoná-la. Mas sabe que não basta uma gestão descolada de resistência. Também não adianta uma boa linha editorial sem um Conselho deliberativo que assegure uma mídia e uma programação pública com a cara e expressão da diversidade combativa do Brasil.
É por isso que muita gente preta que não anda só está atenta às decisões sobre o futuro da EBC.