Agência Brasil – O relatório final da pesquisa Violência de estado no Brasil: uma análise dos Crimes de Maio de 2006, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), reafirma evidências de execução sumária em 60 assassinatos – 53 civis e 7 agentes de segurança – ocorridos de 12 a 20 de maio de 2006, na Baixada Santista, e aponta ainda falta de investigação sobre os crimes. O documento reúne estudos realizados anteriormente sobre os crimes e análises do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp, incluindo depoimento dos familiares das vítimas.
Naquela semana de maio, agentes de segurança do estado de São Paulo e grupos de extermínio saíram às ruas em retaliação a ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC). No total, foram mais de 500 execuções no estado durante o período. As investigações, no entanto, foram arquivadas a pedido do Ministério Público estadual e, até hoje, ninguém foi condenado pelos crimes.
“Esse relatório também é um documento político de cobrança do Estado brasileiro da necessidade de reabertura dos casos. Antes de afirmar que não existem fatos novos, precisam ser investigados os fatos que existem e que nunca foram apurados”, disse Javier Amadeo, professor da Unifesp e coordenador do projeto Violência de Estado no Brasil.
“A denúncia está na Procuradoria-Geral da República desde 2010, a doutora Raquel Dogde, hoje procuradora-geral da República, foi uma das pessoas que solicitaram a federalização dos Crimes de Maio de 2006, então, por uma questão de coerência, a gente acha que existe a possibilidade que a própria procuradora conceda esse processo de federalização”, disse Amadeo, ao afirmar que o relatório traz elementos importantes que podem servir como base para a reabertura das investigações e a federalização dos crimes.
Indícios de execução
A maioria dos disparos de arma de fogo ocorreram na cabeça ou peito da vítima, de cima para baixo e em curta distância, que apontam para casos de extermínio, segundo o relatório. Em 77% das vítimas civis analisadas, os disparos atingiram partes do corpo de alta letalidade – cabeça e tórax.
Outro indício de que as vítimas foram executadas é o elevado número de disparos contra os corpos, ocorrendo 255 orifícios de entrada de bala nos 53 civis analisados, uma média de 4,81 disparos por pessoa. O número é considerado elevado e superior à média de disparos em situações de confronto com suspeita de execução sumária.
“Esse relatório é como se tivesse ressuscitando nossos filhos aos poucos, porque nossos filhos têm nome, sobrenome e residência fixa, e o Estado dá eles como suspeitos”, disse Débora Maria da Silva, coordenadora do Movimento Mães de Maio e que teve seu filho assassinado em 2006. Segundo ela, que foi uma das pesquisadoras, o relatório comprova, com “riqueza de detalhes”, que os casos correspondem a execuções sumárias.
Sobre as soluções para acabar com a violência de Estado, ela acredita que é preciso “desmilitarizar a polícia e ter um outro olhar para a favela e periferia”. “Morar em favela e periferia, ser pobre, não é crime. Quem criminaliza a gente é o Estado, que é muito presente para [fazer] desaparecer e matar e torturar, mas não é muito presente para aplicar a verdadeira política social que o Brasil precisa passar”, avaliou.
Nas recomendações do relatório, estão a reabertura da investigação dos crimes, a fim de se identificar os autores dos disparos; deslocamento da competência de investigação da Justiça Estadual para a Federal; reparação dos danos materiais e imateriais das famílias das vítimas; e pedido formal de desculpas às vítimas por parte do Estado.
Um memorial no Centro Cultural Jabaquaquara, um bairro na região centro-sul da capital paulista, foi inaugurado em 2016, no dia em que os Crimes de Maio completaram 10 anos, para relembrar os quase 600 mortos nos ataques ocorridos em maio de 2006 e não deixar a série de crimes cair no esquecimento.