José de Souza Castro
Um estudo baseado na Pesquisa de Emprego e Desemprego da Fundação Seade e do Dieese, divulgado dois dias antes do Dia da Consciência Negra (20 de novembro), mostra que a situação do negro na porção mais rica do território brasileiro – a Região Metropolitana de São Paulo – melhorou, se comparada com 1998 e com a situação dos não-negros, mas a situação dos trabalhadores em geral piorou: o rendimento médio dos negros diminuiu 22,2% no período, para R$ 4,36 por hora trabalhada, e o dos não-negros caiu 27,4%, para R$ 8,98. Com isso, reduziu ligeiramente a desigualdade entre os dois grupos. Porém, o negro brasileiro está ainda longe de poder aspirar à presidência da República, como Barack Obama, nos Estados Unidos, pois quanto mais estuda, mais ele se distancia dos brancos com o mesmo grau de escolaridade no mercado de trabalho.
Em 1926, no livro O Choque das Raças – título mudado depois para O Presidente Negro – Monteiro Lobato previu que um negro chegaria à presidência dos Estados Unidos em 2228. Barack Obama veio para confirmar sua previsão, com espantosos 220 anos de antecedência. Lobato não ousou prever quando isso ocorreria no Brasil, país considerado bem menos racista. Mas, como já se fala numa possível eleição de uma mulher em 2010, não será surpresa se tivermos também nosso primeiro presidente negro, se de fato Lula conseguir fazer de Dilma Rousseff a sua sucessora, quebrando um tabu histórico e abrindo caminho para novos avanços.
Não se pode perder de vista, no entanto, essa realidade: no mercado de trabalho, como na política, a mulher brasileira, seja branca ou negra, não tem muito do que se orgulhar de nossa falta de preconceitos.
O estudo revela que as mulheres, negras ou não, obtêm rendimentos menores que os homens de seu próprio segmento racial. Mas quando se comparam os rendimentos de mulheres não-negras com os de homens negros, os delas são menores em praticamente todas as faixas de escolaridade. No entanto, os rendimentos vão se igualando na medida em que se amplia o nível de escolaridade, porque despencam mais rapidamente os rendimentos dos negros.
Ocorre que o negro com ensino superior completo recebe 29% menos do que ganha um trabalhador não-negro com a mesma escolaridade no mercado de trabalho da região pesquisada. Essa diferença é menor (16%) entre os trabalhadores com ensino fundamental incompleto e quase desaparece entre os empregados domésticos, quando os negros recebem em média R$ 3,01 por hora trabalhada e os não-negros R$ 3,23.
No comércio, observa-se que os negros recebem 64,9% do rendimento dos não-negros. A desigualdade salarial é pior no setor de serviços, na indústria e na construção civil. Em 2007, os negros recebiam em média pouco mais da metade dos não-negros, nesses setores.
Nos grupos ocupacionais de maior rendimento (gerência, direção e planejamento), os negros obtinham 57,3% da remuneração dos não-negros no mesmo grupo. Para quase se igualar com os trabalhadores brancos e de outras raças, os negros precisam exercer tarefas que exigem menor escolaridade, como os serviços gerais não qualificados. Ali, os negros recebem apenas 4,3% menos.
Uma oportunidade de romper essa desigualdade é fazer como o mineiro Joaquim Benedito Barbosa Gomes, de Paracatu. Em 1984, depois de se formar em Direito pela Universidade de Brasília, ele entrou no Ministério Público Federal e, em 2003, foi nomeado pelo presidente Lula para o Supremo Tribunal Federal. É o primeiro negro a ocupar esse cargo no Brasil, e recebe ali o mesmo salário dos outros 10 ministros brancos. Mas, até chegar lá, trabalhou como gráfico do Senado, oficial de chancelaria do Itamaraty, assessor jurídico do Serpro e consultor jurídico do Ministério da Saúde. É mestre e doutor em direito público pela Universidade de Paris-2. Ou seja, é uma exceção. E parece não aspirar à presidência da República, ao contrário de um colega branco, o presidente do Supremo, Gilmar Mendes.
Mas, em que avançaram os negros, entre 1998 e 2007, na região mais rica do país? Nessa região, os negros representam cerca de um terço da População Economicamente Ativa (PEA). São 3,678 milhões de negros (ou 36,1% da força de trabalho disponível na região) e 6,511 milhões de não-negros. Mas, entre os desempregados, em 2007, 42,9% eram negros.
Em 1998, a taxa de participação no mercado de trabalho de negros com idades entre 10 a 14 anos era de 10%. Essa taxa caiu para a metade em 2007. Diminuiu também em cerca de 10 pontos percentuais entre os negros na faixa de 15 e 17 anos, comparada com os não-negros.
A taxa de desemprego dos negros correspondia a 17,6% e a dos não-negros a 13,3%, em 2007. A taxa entre as negras era de 22,7%.
Os assalariados negros trabalham em média 44 horas semanais e os não-negros 42. Entre as mulheres, as negras trabalham 41 horas e as não-negras 40 horas.
Entre os negros ocupados, 58,5% têm até o ensino médio incompleto, contra 37,6% dos não-negros. Dentre os que completaram o ensino médio ou que estão fazendo ou já se formaram em curso superior, 41,5% são negros e 62,4% não-negros. Está ruim para os negros, mas já foi pior. Em 1998, 54% dos negros ocupados possuíam apenas o ensino fundamental incompleto e 16,2% o médio completo ou o superior incompleto. Em 2007, essas proporções se equilibram: 35,1% e 37%, respectivamente.
O fato é que o movimento dos negros pela igualdade social, inspirado na luta de Zumbi dos Palmares (1655-1695) contra a escravidão, tem tido algumas vitórias, mas a guerra está ainda longe de acabar. Pelo seu exemplo, Barack Obama talvez possa representar um reforço importante nessa luta, nos próximos quatro anos. Na minha opinião, o maior exemplo de Obama e de Joaquim Barbosa é a importância que eles deram a sua própria educação.
Quando comemoram, com razão, mais um Dia da Consciência Negra, os descendentes dos escravos não podem perder seu sonho de liberdade, apenas porque o mercado de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo não dá aos negros a mesma importância que confere aos descendentes de europeus e asiáticos que completaram o curso superior. Uma coisa é certa: as empresas brasileiras também vão acabar aprendendo, como já ocorre no mercado de trabalho dos Estados Unidos.