A revista Veja desta semana traz matéria sobre o recém lançado livro do jornalista Ali Kamel, diretor executivo de jornalismo da Rede Globo, Não somos racistas, no qual, segundo o periódico, o autor desbanca em “análise demolidora”, “as falácias da política de cotas raciais” (“Contra o mito da `nação bicolor'”, pág. 126).
Nos gráficos que ilustram a reportagem, a revista afirma que “os movimentos que reivindicam cotas no mercado de trabalho para negros dividem a população brasileira em duas raças” (brancos:52% e negros: 48%), e em seguida que “o jornalista Ali Kamel observa que esta conta ignora os pardos – os numerosos filhos da miscigenação brasileira. Os números corretos seriam outros: brancos – 52%; negros – 6% e pardos- 42%”.
A revista repete aqui, pela enésima vez, um expediente falacioso ao qual recorre a cada vez que se posiciona contra as cotas: o de confundir o leitor, ao utilizar, errônea e propositalmente, o termo “negros” para significar “pretos”.
Como veículo jornalístico que é, elaborado por profissionais competentes no manejo das informações, e mais ainda, já alertada por leitores atentos às numerosas reincidências no malogro determinado que comete, a revista e seus editores sabem muito bem que “os movimentos que reivindicam cotas” utilizam o termo “negro” para indicar a população formada pela soma de “pretos” e “pardos”, que vêm a ser os termos utilizados pelo IBGE para classificar a população afro-descendente no Brasil.
Considerando que os efeitos do racismo no Brasil atingem indistintamente estes dois grupos (ao contrário do que supõe a teoria da democracia racial), os movimentos negros (atenção ao plural!), assim como vários pesquisadores de órgãos oficiais no país e membros da academia utilizam o termo “negro” significando a soma dos percentuais relativos aos auto-declarados “pretos” (6% da população brasileira) e “pardos” (42% da população), totalizando 48% de “negros”.
O debate em relação às cotas é legítimo e saudável num país em que pouco se discutem os efeitos de um racismo permanente, contundente e cruel para com suas vítimas. Ser contra as cotas é um ponto de vista, que deve ser respeitado quando vem ao debate com limpeza de propósitos. No entanto, a utilização de argumentos falaciosos como o acima descrito, empregado pela citada revista, mais uma vez, com o único objetivo de desinformar e manipular o leitor, revela a pobreza de argumentos de quem procura, desesperadamente, tapar o sol com uma peneira.
O livro de Ali Kamel tem, no entanto, um mérito indiscutível: o de escrever com todas as letras a teoria abraçada pelo diretor executivo de jornalismo da Rede Globo, que não deve estar longe das diretrizes da própria emissora. E, a julgar pelo entusiasmo do jornalista que escreveu sobre o livro, também é a opinião da revista em questão. A base da teoria é a mesma que embala a nação brasileira desde suas origens: a de que não somos racistas porque somos um país de mestiços. Daí a necessidade de explicar, ou melhor, denunciar que “não há negros no Brasil”.
É verdade que a composição racial brasileira não é fácil de explicar. Sem duvida, a categoria de “negros” não é homogênea. Tampouco a de “brancos”; o que leva à constatação de que, ao lado do aparentemente insolúvel problema de “quem é o negro no Brasil”, há que se discutir a não menos complicada definição de “quem é o branco no Brasil”. Sobretudo quando os argumentos contrários às cotas se concentram na negação da bipolaridade racial.
A definição da branquitude sofreu modificações ao longo de nossa História. Inicialmente reservada aos originários dos países da antiga Europa, os limites do conceito foram se alargando para absorver povos que, a princípio, encontravam-se do lado de lá do perímetro racial. É assim que pessoas que em outros países possuem identidade racial própria (e que sofrem discriminação por esta razão) podem legitimamente – e só no Brasil – reconhecer-se e afirmar-se “brancos”. É verdade que, para os descendentes destes povos – judeus, árabes, orientais – a democracia racial funciona perfeitamente. Ainda que preservem valores culturais específicos, a teoria da mestiçagem os absorveu por completo, equiparando-os aos “brancos” em tudo.
Oposto ao contingente “branco” – real ou virtual – encontra-se sua antítese, o “negro”. E aqui, também encontramos a influência da teoria da mestiçagem. No Brasil, é negro quem não pode ser considerado branco. A definição é bastante larga para permitir que negros suficientemente claros para cruzar a “linha da cor” possam se autodefinir como brancos. Num país onde ser negro sempre significou estar associado a tudo que é negativo, cruzar a “linha da cor” tornando-se branco é a única alternativa permitida pela idéia da mestiçagem. E é justamente aí que a política de cotas causa
uma revolução, ao possibilitar que esta “linha” possa ser cruzada no sentido inverso: tornar-se negro passa a constituir, sim, uma opção de futuro.
Os brancos que se posicionam contrários às cotas o fazem por vários motivos. Entre eles está o de crer, com sinceridade, no mito da democracia racial, na relação harmônica e perfeita entre as diferentes raças em nosso país. É possível, e mesmo provável, que uma pessoa branca creia nisto, sinceramente. Motivos não lhe faltarão: afinal, a questão racial nunca foi uma prioridade em sua vida – nunca foi discriminada por sua cor, e se já discriminou alguém, nem percebeu (contar piadas sobre negros ou repetir alguns “provérbios” oriundos da infinita e sempre correta sabedoria popular não vale, não é? É só brincadeirinha, sem intenção de magoar ninguém!). Uma pessoa branca poderá viver sua vida inteira sem ser obrigado a definir ou declarar sua branquitude, a não ser no censo. Dificilmente terá passado pela experiência de ter seus erros justificados pela sua cor, ou de ver seus méritos – mesmo que excelentes – serem menosprezados também em função de sua cor.
Uma pessoa branca, mesmo pobre, sempre pôde se identificar pela sua cor com os heróis e heroínas de sua infância, fossem eles personagens de um filme, da novela, do livro de História ou mesmo de um livro de historinhas para crianças. Uma pessoa branca pode, sinceramente, achar que nunca fez distinções entre brancos e negros. Esta nunca foi uma questão importante para ela, até surgirem as discussões sobre cotas para negros na Universidade e no mercado de trabalho. A revolta é então, legitimada pelo sentimento de se sentir usurpado em seu sagrado direito à igualdade por um grupelho que, de uma hora para outra, resolveu importar de outras paragens conflitos até então inexistentes no Brasil. Uma pessoa que pense desta maneira pode mesmo estar sendo sincera em sua revolta contra os que advogam que a política de cotas é a única solução para o problema racial brasileiro. Pois, segundo tudo o que acreditam, a verdadeira solução para o sucesso está no esforço pessoal, no mérito.
Estão aí para provar todos os negros que alcançaram posição de destaque em suas carreiras: a Glória Maria, a Zezé Mota, o Lázaro Ramos, isso pra não falar nos inúmeros cantores e jogadores de futebol negros, que ganham milhões!
O único problema é que, se estamos falando de democracia racial mesmo, não deveríamos poder “identificar” a Gloria Maria, a Zezé Mota, o Antônio Pitanga, o Lázaro Ramos, a Deise Nunes (para aqueles que não se lembram, ou não sabem, a nossa única Miss Brasil negra, “eleita” em 1986). E se dermos ainda mais tratos à bola, veremos que entre os exemplos de negros bem sucedidos há muito poucos no nosso círculo íntimo de amizades.
À medida em que subimos os degraus sociais, “muito poucos” vira eufemismo para “nenhum”. Pois é muito possível, e mesmo provável, que uma pessoa branca das classes média e alta, no Brasil, atravesse toda a sua vida sem jamais cruzar com pessoas negras no seu círculo social. E aqui não falo do “álibi negro”, aquele que os brasileiros costumam tirar da cartola cada vez que precisam explicar porque não são racistas – aquela empregada que é tratada como se fosse da família, aquele porteiro com quem conversa todos os dias, aquele menino negro a quem sempre
dão um trocado no sinal.
Falo de pessoas com quem podem se relacionar de igual pra igual, com quem tenham estudado no mesmo colégio, com quem dividam, no mesmo nível, um posto no trabalho, com o mesmo salário, o mesmo carro. Tudo bem, vai. Um vizinho no mesmo prédio, na mesma rua, já vale. Ou a médica com quem costumam se consultar. O pediatra dos seus filhos. O dentista. Quantas destas pessoas são negras?
Se os exemplos nacionais e pessoais são tão poucos, já não seria um motivo de alerta de que esta democracia racial não é tão democrática assim? Sim, pois numa democracia racial digna deste nome, os negros que teriam “conseguido” seriam tantos que não deveríamos ser capazes de nomear, isolar, apontar “a” exceção que confirma a regra. Que regra? A de que pra “conseguir”, para “chegar lá”, ser branco é um dos requisitos. E ser negro atrapalha.
A não ser que haja outra explicação. A de que, se os negros não conseguem, é porque tem alguma coisa errada com eles, não com a sociedade. Deve ser porque eles são incapazes, preguiçosos, burros mesmo. Feitos para ser dominados. Geneticamente dotados para a pobreza e o crime. Bingo! Taí a explicação!
O problema com esta explicação é que ela não é, digamos, original. Não é uma decorrência lógica dos fatos, não é uma conclusão a ser tirada da realidade dos negros no Brasil. Na verdade, ela é a própria espinha dorsal do racismo, organizado como doutrina “científica” no século XIX e sistematizado como pedra de toque da concepção de nação brasileira: uma nação mestiça a contragosto, mas que poderia almejar seu lugar ao sol, entre os países civilizados, desde que promovesse o embranquecimento paulatino de sua população. E é a partir desta idéia sistematizada – a da mestiçagem como uma etapa necessária para promover o embranquecimento, de forma a que não haja mais negros no país – que se estabeleceram e se mantêm até hoje as relações raciais por aqui.
O embranquecimento não se resumiu aos discursos dos intelectuais da época, como Sílvio Romero, Oliveira Viana, Nina Rodrigues. Foi mesmo política oficial de governo, como quando o Estado brasileiro promoveu a entrada em massa no país de colonos europeus para ocupar os postos de trabalho liberados a partir da abolição da escravização, pagando a viagem e em muitos casos cedendo terras, insumos e máquinas, ao mesmo tempo em que fechava os portos aos africanos (decreto 528, de 28 de junho de 1890); ou quando o Itamaraty, em 1921, emitiu ordens explícitas para que as embaixadas brasileiras nos Estados Unidos negassem o visto aos afro-americanos que pretendiam comprar terras em Mato Grosso.
O embranquecimento é também a política dominante nos meios de comunicação brasileiros, que conseguiram, através da invisibilização da população negra (pretos e pardos, indistintamente) promover a imagem do país como formado quase 100% por brancos – basta ver as páginas das revistas de moda, de “boa forma” e muitas das novelas e minisséries televisivas.
Diante deste quadro, para não falar nas pesquisas que, desde 1990, vêm mostrando as diferenças abismais entre os índices de desenvolvimento humano de negros e brancos no Brasil, caem todos os argumentos que se posicionam contra as cotas por entenderem que em nosso país não há racismo. Esta discussão já foi superada, inclusive pelo próprio Estado, que em 1995, sob o comando de Fernando Henrique Cardoso, reconheceu que somos sim, um país racista.
O Estado Brasileiro também se comprometeu a empregar os esforços necessários para reduzir o abismo social causado pela discriminação racial histórica no país, em cumprimento aos Tratados e Convenções Internacionais dos quais o Brasil é signatário, e que incluem as ações afirmativas como instrumento de ação legítima contra o racismo. O livro de Ali Kamel já nasce, portanto, anacrônico e deficiente em seus argumentos. Pode-se ser contra as cotas por vários motivos. Negar a existência do racismo no Brasil, no entanto, beira o
revisionismo.
* Conselheira Gestora do Observatório Negro.
Email: forum_mulheres@yahoo.com.br
O racismo que Veja que não vê
Cara senhorita, não concordo com a sua classificaçao racial.
Eu, sei da existência do racismo e tenho uma boa noção de como ele atinge as pessoas. Mas não gosto, nem acredito, e muito menos vejo lógica na classificação que os movimentos negros fazem sobre os brasieiros.
Classificar os brasileiros em apenas 5 raças já é pouco, em duas então, não faz sentido. Eu sou negro conforme o seu ponto de vista, mas não me vejo assim. Em minha certidão de nascimento está escrito que nasceu um menino de pele morena. Eu me vejo como moreno a mais de trinta anos e gosto de me ver assim. Então vem o movimento negro com uma questão meramente semãntica e diz que não existe morenos.
A população brasileira entende que a palavra negro significa preto. Se chamarmos uma pessoa de pele escura de preta ela fatalmente dirá: “Preto é cor, negro é raça.” E se avaliar as palavras verá que o oposto de preto é branco, e o contrário de negro é alvo. Se “quem escapuliu de branco é negro”, que nome daria-se aos que escapuliram de preto ? Alvos ?!
Sou universitário de uma das mais importantes federais do Brasil, sei sobre o racismo, mas sei também que sou melhor tratado que um negro, e pior que um branco.
Usando a política de brancos e negros os movimentos negros deram um tiro no pé. Por quê? No curso que faço bem como em vários outros de minha instituição, ao dividirmos os alunos em brancos e negros, temos uma surpresa. A maioria estará no grupo dos negros. No meu curso cerca de 80%. Então, por que não colocarmos cotas para os brancos?! Só, que tem uma coisa aí, que a grosseiria da avaliação dos movimentos negros, não percebe. A maioria é da minha cor. Morena, ou parda ( como gostam). Em minha sala há várias Julianas Paes de cor, mas só uma Benedita da Silva e um Pelé.
Não estou aqui a criticar a política de cotas, mas a classificação racial.
O racismo que Veja que não vê
adotei o tema ” preconceito racial” na monografia que irei apresentar em novembro no curso de pedagogia. Sou muito interessada neste tema, gostaria de obter informações sobre materias, artigos pubicados por esta revista pela qual tenho muito respeito e interesse….grata…IRONI.
O racismo que Veja que não vê
Você leu a reportagem da Revista da Veja, falando sobre DNA e Cotas na UNB, então leia essa!
Um negro vai pedir emprego. O responsável para o setor de Recursos Humanos diz que as vagas já estão ocupadas. Desconfiado, ele pede a um amigo branco que vá até a empresa. O amigo branco é contratado.
O que o candidato negro deve fazer?
Simples. Ele pede um atestado de DNA sobre sua raça para a Revista Veja. O atestado comprova que ele tem 70% de origem européia. Ele leva para o setor de RH e exige ser contratado, pois ele também é branco.
O responsável pelo Setor de RH diz que não é racista e que já fez o teste de DNA e tem 30% de origem africana. Afirma que todos que trabalham naquela empresa têm, no mínimo, 10% de origem africana. Portanto, no mínimo, 10% dos seus empregados são negros. “Nunca colocamos uma placa dizendo: Somente para brancos. Minha vó também é negra, eu sei como é isso.”
O candidato negro olha pelos corredores, mas somente vê funcionários brancos.
“Como é bom viver num país com Democracia Racial, sem racismo porque todo mundo é miscigenado!”
As políticas de ação afirmativa é que vão dividir o país????
O racismo que Veja que não vê
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O racismo que Veja que não vê
Ser preto ou branco; alvo ou negro; moreno ou pardo; mestiços ou xadrezinhos, estes, na verdade, não são o maior problema com relação a discriminação social no Brasil e no mundo.
O problema consiste basicamente em verificar se a luz que irradiam dessas “peles” são trevas. “… Se portanto, a luz que refletem pela cútis forem trevas, quão grandes são tais trevas”. Quem tem ouvidos. Ouça.
ACORDA!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
O racismo que Veja que não vê
WikiLeaks: Estratégia dos EUA para engajar o Brasil na difamação de religiões
Viewing cable 09BRASILIA1435
Reference ID Created Released Classification Origin
09BRASILIA1435
2009-12-22 19:07
2011-02-06 00:12
CONFIDENTIAL
Embassy Brasilia
[cabeçalho aqui omitido]
Excerto do item CONFIDENCIAL do telegrama 09BRASILIA1435
A íntegra do telegrama não está disponível.
Tradução de trabalho da Vila Vudu, não oficial, para finalidades didáticas.
ASSUNTO:
Estratégia para Engajar o Brasil na “Difamação de Religiões”[1]
1. (C) RESUMO: A posição do Brasil na questão da “difamação de religiões” na comissão de Direitos Humanos da ONU reflete a conciliação entre as objeções do país à ideia (objeções baseadas num conceito do que sejam Direitos Humanos) e o desejo de não antagonizar os países da Organisation of the Islamic Conference (OIC) com os quais tenta construir relações e que o Brasil vê como importante conjunto de votos a favor de o Brasil conseguir assento permanente no CSONU. À luz da argumentação a favor da abstenção do Brasil, proponho abordagem de quatro braços, envolvendo aproximação com os altos escalões do Ministério de Relações Exteriores; uma visita a Brasília, para pesquisar meios de trabalhar com o governo do Brasil, nessa e noutras questões de direitos humanos; outros governos que possam conversar com o governo do Brasil; e uma campanha mais intensa pela mídia e mobilizando comunidades religiosas a favor de não se punir quem difame religiões . FIM DO RESUMO.
Contexto: “Quando Direitos Humanos e ambição de chegar ao Conselho de Segurança entram em choque”.
2. (SBU) Essa embaixada levantou várias vezes a questão dos votos do Brasil no Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Ministério das Relações Exteriores. A última vez foi com a chefe do Departamento Ministra Glaucia Gauch. O Brasil nunca discordou de um único argumento dos que apresentamos em outros encontros.
A resposta sempre foi a mesma: o conceito de difamar religiões é repugnante. Repugna aos valores e princípios do Brasil e é inconsistente com a legislação brasileira e a legislação internacional. Por isso o Brasil não pode aprovar e não votará a favor de resolução que proíbe que se puna quem difama religiões. O Brasil abstém-se de votar.
3. (C) Perguntada sobre por que o Brasil não vota contra a resolução, dado que a considera absolutamente inadmissível, Gauch respondeu que o país entende que a abstenção é suficiente. Na opinião do Governo do Brasil, o país assume posição baseada em princípios, mas também prática, porque não interessa ao país ofender os países da Organização da Comunidade Islâmica, sobretudo os mais poderosos como Iran, Egito, Turquia e Arábia Saudita, países com os quais o Brasil tenta aprofundar relações.
É opinião dessa embaixada que o que mais interessa à política externa do Brasil é conseguir um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Como resultado, o Governo do Brasil prefere não antagonizar países e grupos de países cujos votos podem ser valiosos numa futura eleição.
Abordagem de quatro braços
4. (SBU) À luz dessa realidade complicada, proponho abordagem de quatro braços no caso do Brasil, sobre essa questão. Antes de qualquer das etapas e movimentos, deve-se declarar o compromisso dos EUA com o diálogo e a cooperação, e nosso empenhado esforço para manter o Brasil como um líder e um parceiro nessa questão.
Encontros de alto nível: Ao abordar os mais altos níveis do Ministério de Relações Exteriores, é essencial persuadir o Brasil a mudar seu voto e a trabalhar conosco a favor da “Difamação de Religiões”, até chegarmos a uma solução de conciliação. Telefonema da Secretária de Estado dos EUA ao Ministro Amorim das Relações Exteriores, logo depois da recente carta enviada por ela, demonstraria a importância que os EUA damos a essa questão. Também se deve abordar o vice secretário-geral do MRE ministro Antonio Patriota; e o subsecretário Burns deve abordar a subsecretária para assuntos políticos, embaixadora Vera Machado (que supervisiona questões de direitos humanos e política das organizações internacionais), o que muito ajudaria a aumentar a importância do tema na cabeça dos brasileiros (sic).
Só as abordagens nos níveis inferiores dificilmente conseguirão modificar a abordagem “em cima do muro” [orig. Brazilbs hands-off approach] dos brasileiros sobre o assunto.
Um Diálogo sobre Direitos Humanos: Uma visita dedicada exclusivamente a essa questão, seria, na minha opinião, de pouco efeito, porque o Brasil aceita as premissas de nossa objeção. Ao mesmo tempo, uma discussão mais detalhada dos nossos pontos de vista e de nosso plano de ação, com níveis operacionais e político do MRE seria valiosa.
A abordagem mais efetiva (e, no longo prazo, mais valiosa para os interesses mais amplos do Governo dos EUA) poderia incluir a questão atual na pauta de um novo diálogo regular sobre direitos humanos, ideia que o próprio MRE (pelo emb. Patriota) propôs recentemente. O contexto mais amplo de um esforço para trocar ideias e para encontrar vias pra trabalharmos mais próximos do Governo do Brasil no campo dos direitos humanos nas organizações internacionais (tratando também, talvez, de outras das preocupações dos países chaves, incluindo o Irã e a Coreia do Norte, questões sobre as quais o Brasil sempre se abstém) criariam um fórum ideal para discussões e para conseguir que o governo do Brasil apóie o plano de ação proposto pelos EUA. Essa abordagem ampla seria atraente para os brasileiros, interessados em construir parcerias com os EUA, que ajudarão a validar o desejo de que o Brasil passe a ser visto como líder internacional. Essa abordagem seria mais bem recebida que abordagem focada, dirigida só à questão da difamação de religiões.
Abordagem por outros países: Desde que chegou ao cenário internacional, o atual governo do Brasil tem tido grande cuidado para não alinhar suas políticas às políticas dos EUA. O Brasil tem em alta conta o que considera como sua posição “de ponte” entre países em desenvolvimento e países desenvolvidos, por causa de sua disposição de falar com todos os países. Minha opinião é que essa posição tende a limitar o peso das opiniões dos EUA dentro do Governo do Brasil. Porque o Brasil vê-se ele mesmo como se fosse líder no bloco dos países latinoamericanos, esses países pouco conseguirão influenciar as ideias do governo do Brasil. O mais provável é que ouçam outros países que consideram ‘independentes’ [aspas no orig.] dos EUA, como África do Sul, Rússia, China, Índia e França.
Ganhar o apoio para nossa posição de alguns membros da Organização da Conferência Islâmica, especialmente do Egito, Turquia e outros ‘independentes’[aspas no orig.] influentes seria muito importante para que consigamos influenciar o voto do Brasil a favor da difamação das religiões. Em geral, abordagens feitas por qualquer outro país que apóie ação proposta pelos EUA servem como prova da natureza colaborativa de nossos esforços e podem ser úteis.
Aumentar a atividade pela mídia e o alcance das comunidades religiosas parceiras: Até agora, nenhum grupo religioso no Brasil assumiu a defesa da difamação de religiões. Mas o Brasil é sociedade multirreligiosa e multiétnica, que valoriza a liberdade de religião. Um esforço para difundir a consciência sobre os danos que podem advir de se proibir a difamação das religiões pode render bons dividendos. Grandes veículos de imprensa, como O Estado de S. Paulo e O Globo, ALÉM DA REVISTA VEJA, podem dedicar-se a informar sobre os riscos que podem advir de punir-se quem difame religiões, sobretudo entre a elite do país.
Essa embaixada tem obtido significativo sucesso em implantar entrevistas encomendadas a jornalistas, com altos funcionários do governo dos EUA e intelectuais respeitados. Visitas ao Brasil, de altos funcionários do governo dos EUA seriam excelente oportunidade para pautar a questão para a imprensa brasileira. Outra vez, especialistas e funcionários de outros governos e países que apóiem nossa posição a favor de não se punir quem difame religiões garantiriam importante ímpeto aos nossos esforços.
Essa campanha também deve ser orientada às comunidades religiosas que parecem ter influência sobre o governo do Brasil, quando se opuseram à visita ao Brasil do presidente Ahmadinejad do Irã, em novembro. Particularmente os Bahab e a comunidade judaica, expandidos para incluir católicos e evangélicos e até grupos indígenas e muçulmanos moderados interessados em proteger quem difame religiões [sic]. [assina] KUBISKE
Nota de tradução
[1] Há matéria da Reuters sobre o assunto, de seis meses antes desse telegrama, em U. N. body adopts resolution on religious defamation, em que se lê: “Um fórum da ONU aprovou ontem resolução que condena a “difamação de religiões” como violação de direitos humanos, apesar das muitas preocupações de que a condenação possa ajudar a defesa da livre expressão em países muçulmanos (sic)” [NTs].