O tema do presente artigo é deverasmente instigante. Identidade no contexto da sociedade brasileira é um desafio que a cada tempo foi abordado em conformidade com os interesses que se desejavam afirmar. Segundo (ORTIZ, 2006), em diferentes épocas, e sob diferentes aspectos, a problemática da cultura popular se vincula à da identidade cultural. Corroborando com ele, Holanda vai afirmara que:
Existe na história intelectual brasileira uma tradição que em diferentes momentos históricos procurou definir a identidade nacional em termos de carater brasileiro. Sergio Buarque de Holanda buscou as raizes do brasileiro na cordialidade, Paulo Prado, na tristeza, Cassiano Ricardo na bondade, outros escritores procuraram encontrar a brasilidade em eventos sociais como o carnaval ou ainda na índole malandra do ser nacional (HOLANDA, 1973)
É claro que ao colocarmos o tema em questão na contemporaneidade, também nós o fazemos movidos por interesses, que julgamos legítimos. Em pleno século XXI, vivemos o tempo das diferença se manifestarem. E sua manifestação é condição de proclamação de dignidade humana.
Tratar de identidade cultural pressupoe uma certa dose de navegabilidade pelos meandros das culturas. Navegabiliade essa que obviamente perpassa os múltiplos conceitos e concepções de cultura.
A cultura é um fenômeno complexo e a melhor maneira para entendê-la é a de fixar suas principais características. Elas podem ser agrupadas segundo três aspectos: a origem, a forma e a finalidade. Do ponto de vista da origem a cultura é humana, social e laboriosa (…) Do ponto de vista da forma, a cultura é sensível, dinâmica, múltipla e criativa (..) Do ponto de vista da finalidade, para alguns é considerada essencialmente religiosa, para outros humanistas, e por outros naturalista ( MONDIN, 2005, 179 -181)
Motivado por uma brincadeira de um aluno quando propus o tema das identidades para ser trabalhado em uma aula de cultura brasilera, vislumbrei uma dinâmica que pudesse aproveitar a brincadeira que ao meu ver objetivava gerar dispersão na sala. Ao falar que naquela aula o assunto era as identidades, um “gaiato- aluno metido a esperto” mais que depressa juntou umas quatro cédulas de identidades e me ofereceu. Entao aproveitei a situação transformei o gesto em uma dinâmica em classe para abordar a temática das identidades.
Recolhi os documentos de identidade que cada aluno portava. Após embaralhá-los destribui entre eles, de modo que nenhum ficasse com o seu verdadeiro documento. Entao pedi que, a partir do documento que cada um tinha em mãos respondessem algumas perguntas que eu ia fazendo. As perguntas se referiam ao dono verdadeiro do documento.
Eram coisas simples como: o que fulano mais gosta de fazer ao chegar em sua casa, quais os sonhos e aspirações, quantos irmãos, ? O aluno olhando o nome do outro no documento teria que responder. O dono verdadeiro do documento ouvia e não podia se manifestar, não se admitia ali dar qualquer dica. Muitos risos obviamente nasciam dos desencontros de informação nas respostas. Alguns elementos até conincidiam, mas questões mais profundas não eram respondidas a contento à luz da verdadeira resposta que o verdadeiro dono do documento teria a dar.
A dinâmica buscava evidenciar alguns aspectos releventes no processo de discussão de identidade. É verdade que muitas informações que constam nos nossos documentos de identidade civil são recorrentes. Todos temos um RG, todos temos fotos, filiação, naturalidade, data de nascimento etc. Para uma identificação na sociedade, essas informações são suficientes. Aparentemente, todos somos iguais, mas na verdade somos todos diferentes. Entretanto, muitos outros aspectos constituidores de nossa identidade como ser pertencente a um grupo social, não constam no referido documento. E mais, só poderemos saber sobre esses elementos, quando possibilitamos que o indivíduo fale deles. O que eu gosto, o que eu sinto, minhas aspirações e desejos, sonhos, minha história, meus valores, minha herança sócio,cultural e religiosa, nada disso saberá o outro a meu respeito se não expresso, como Ser ,tais elementos. Dai que nas discussões sobre identidades é fundamental que o sujeito tenha voz, que ele diga sobre si e suas aspirções, que ele revele o que realmente é importante para si, o que é valoroso. Quando o outro fala por mim, pode não dizer o que deveria ser dito. Por mais que tente me conhecer, sua fala é diferente da minha. Nesse contexto, o discurso da representação não conta.
A discussão suscitada a partir da dinâmica nos permite afirmar que em virtude das concepções de cultura que se tem em uma determinda sociedade, a compreensão de identidade será diferente.
Etendo ser pertinente trilharmos o caminho de uma compreensão cultural onde possa ser realçado o jeito de ser, jeito de fazer e de viver de um determinado grupo entnico o mesmo povo. Evidente que se cultura pode ser compreendida como a capacidade de transformação da natureza presente na ação do ser humano, isso é feito à luz de uma melhor qualidade de vida. Os diferentes grupos ou povos agem na natureza em função do seu modo de ser. Os elementos de caráter identitários influenciarão decisivamente no modo de pensar, organizar e atuar no mundo, enfim, no modo de viver. Não é a mesma coisa esatr no mundo como povos indígenas, negros, brancos e tanto quantos outros povos existirem.
Sentimos, enquanto seres humanos, a necessidade de nos identificarmos com alguém em todos oso espaços de interção social. Ao chegarmos nos lugares, nossos olhares se voltam para todas as direções buscando algém conhecido, parecido conosco, que goste das coisas que gostamos, que fale a nossa língua, que torce pelo memso time de futelbol, que professe uma mesma fé religiosa, que acredita num memso Deus. Buscar algo ou algém com quem nos identificamos passa a sr uma necessidade para sentirrmos “enturmados”. Do contrario, o ditado poular faz jus e nos tornamos “um pássaro fora do ninho”, ou “um peixe fora da água”… em fim ficamos deslocados socialmente falando.
Ao tratarmos de identidades, dois aspectos são profundamente relevantes a serem notados. Primeiro, que exitem elementos no processo de constituição das identidades que são de natureza individual. Pertencem ao indivíduo. Ele então precisa tomar ciência de uma identificação consigo mesmo. Saber quem é ele, o que o diferencia dos demais. A apropriação de si mesmo é, no contexto da sociedade brasileira, um problema que historicamente, os afrodescendentes foram conduzidos a desprezar. A perda da consciência de ser negro foi processo arquitetado e ideologicamente veiculado por todos os meios possíveis na história do país. Em não sendo possível matar todo um povo, torna-se necessário matar a sua consciência de povo. Em conformidade com o pensamento de Karl Marx, isso equivale a alienação completa do ser humano. A morte da consciência de pertença étnica, estabelece um rompimento sistêmico com a própria história e tira do horizonte da vida qualquer perspectiva de proclamação da dignidade.
Consequentemente, “os negros não são negros”, tornara-se embranquecidos. O maldito mito da democracia racial que tem imperado na sociedade brasileira e atuado como fundante do processo de negação identitária aos afrosdescendentes. O exercicio de reconstrução identitária, que inicialmente passa pela consciencia individual do ser, vai encontrar eco na esfera da coletividade de povo negro. Aqui está o segundo aspecto que queremos enfocar. A descoberta que inicialmente é individual, se encontra com outras identidades individuais em circustâncias semelhantes e passam a formatar uma identidade coletiva de negros. O encontro de histórias, experiências e vivências do ser negro na sociedade brasileira vai gerar um novo elemento de fortalecimento da busca. Nasce assim a solidariendade no processo de reconstrução da dignidade humana.
A demaração da diferença acaba significando a firmação identitária. Só é possivel reconhecer a identidade na relação com o diferente. O que me diferencia do outro é que demarca a minha presença identitária. Não somos todos iguais. Somos todos diferentes. E nas diferenças que quremos construir a igualdade de oportunidades e de direitos na convivência social. A diferença entao não é mais vista como algo depreciador das relações humanas, ao contrário, passa a se tronar condição sin ne qua non, para o exercício da cidadania.
Um estudo desenvolvido por Darcy Ribeiro que resultou na publicação do livro “ O Povo Brasileiro”, na tentativa de definir uma identidade do povo brasileiro, RIBEIRO, propõe algo assustador:
O surgimento de uma etnia brasileira, inclusiva, que possa envolver e acolher a gente variada que aqui se juntou, passa tanto pela anulação das identificações etnicas de índios, africanos e europeus, como pela indiferenciação entre as várias formas de mestiçagem (…) só por esse caminho, todos eles chegam a ser uma gente só, que se reconhece como igual em alguma coisa tao substancial que anula suas diferenças e os opõe a todas as outras gente. (RIBEIRO, 2005,. 133)
Talvez esteja aqui um dos grandes equívocos desse respeitado educador brasileiro. Seu pesnamento a esse respeito contribui muito pouco nos debates atuais numa perspectiva de reconhecimento e valorização das diferenças.
O processo de construção identitária vai demarcar por um lado a semelhança entre os indivíduos e grupos, algo necessário na convivência de todos nós. Por outro lado, vao ser evidenciadas também as diferenças.
Essa compreensão nos remete ao desafio da superação da dominação cultural, onde o outro, pelo simples fato de ser diferente, é massacrado, execrado e excluído. Aprender a conviver com a diferença, respeitando e valorizando as realidades que para o outro são fundantes acabam fortalecendo a capacidade que tenho em demonstrar o quanto estou inteirado de minha própria identidade. Aquele que está seguro de sua identidade não pode temer relacionar-se com o diferente.
Nessa perspectiva, é interessante observarmos o que escreve Paulo Coelho:
“O universo vai boicotar todos os preconceitos. A energia da tera precisa ser renovada sempre e as idéias novas precisam conquistar mais espaço. O corpo e a alma querem novos desafios. O futuro está à nossa porta, próximo a todos nós, e todas as idéias terão chance de aparecer. O que for de fato importante ficará. Não somos e nunca seremos juízes dos sonhos do próximo. Para ter fé em nosso caminho, no precisamos provar para ninguém que o caminho do outro está errado. Quem costuma agir assim se sente inseguro e não confia nos próprios passos”.( COELHO, 2009)
Há quem diga, condicionado a uma visão cultural, que acentuar, demarcar as diferenças é propiciar e alimentar a divisão na sociedade. Ainda mais se essas diferenças estiverem relacionadas aos grupos étnicos como afrodescendentes no Brasil. Nesse caso, os fatores ideológicos, assoberbdos pela prepotência acadêmica vinculada aos privilégios seculares acabam tornando-se mais um ingrediente nas discussões. A falácia da igualdade proplada e sustentada pelo mito da democracia racial reverbera em forma de intelectualidade, querendo fazer crer que seja possivel um grupo ter a sua identidade condicionada àquilo que o outro diz sobre si. Não queremos com isso dizer que alguns intelectuais não possam se manifestar sobre as dientidades de negros e indios no Brasil, até porque, vivemos em um país que se diz democrático, apesar desses dois grupos étnicos não se encontrarem representados nas instâncias de deciões, ou quando muuito, subrepresentados. Afirmamaos entretanto que em determindaos momentos, alguns intelectuias na sociedade brasileira, perdem a oportunidade de ficarem calados. Certamente o seu silêncio prestaria um grande serviço à nação, e de quebra a si mesmos pela não exposição ao ridículo.
Pensar que a afirmação das identidades enquanto afrobrasileiros é dividir o país racialmente é de uma hipocresia tamanha, que parece cegar as pessoas para a constatção de que a sociedade brasileira já está dividida. E isso não é de hoje, os dados estatísticos demonstram que tal situação é histórica.
Pensar identidade cultural é vislumbrar um horizonte novo, que se encontra condicionado à consciência de negação dos direitos enquanto segmento étnico, enquanto classe social e enquanto ator social. É essa consciência que fortalece uma busca qualitativa na vida. Quanto mais apurado a consciência que tenho de quem sou na sociedade, tanto mais qualificada será minha interveção, ação nos rumos da história. Entao não busco divisão, ao contrário, busco sim solidariedade com todos quantos estejam inseridos em um processo de gestação ou engendramento de uma sociedade verdadeiramente justa e democrática. Sobre isso vale destacar:
Podemos afirmar que as questões relativas à identidade, direitos e a cidadania perpassaram todos os cursos e encontros de formação. O movimento negro de um modo geral encontrava nestas três palavras o horizonte de suas lutas de combate ao racismo. A questão não era combater o racismo por simples gosto, mas para se construir a identidade negra, bem como recuperar os direitos e a cidadania também para a comunidade negra. A afirmação da identidade negra é o restabelecimento da estrutura psicológica do negro, elemento indispensável para ser de fato um cidadão. A afirmação desta identidade passa pela valorização da história, da cultura, da religião, do modo de se organizar e do modo de viver. Do reconhecimento deste conjunto de elementos virá a garantia da reconstrução da dignidade e da cidadania para a comunidade negra.(ROCHA,1998, 58)
A busca da identidade cultural, é mais que um sonho, é uma necessidade, é um feto que não pode ser abortado em nome de nenhum projeto político ou ideológico que salvaguarde os mesquinhos interesses das elites usurpadoras das esperanças dos povos.
Referência Bibliográfica
COELHO, Paulo. Abaixo o preconcieto. In Jornal Extra, Rio de Janeiro: Sessão Extra, 18 de maio de 2009, p.1)
HOLANDA, Sergio Buarque. Raizes do Brasil, Rio de Janeiro: José Olympio, 1973.
MONDIN,Battista. O Homem Quem é Ele? Elementos de Antropologia Filosofica. São Paulo: Paullus, 2005, 12ª Edição.
ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: Brasiliense, 2006, 8ª reimpre. 5ª edição de 1994.
RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Compahia das Letras, 2ª edição, 27ª reimpressao, 2005.
ROCHA, José Geraldo da. Teologia e Negritude: Um estudo sobre os Agentes de Pastoral Negros. Santa Maria: Pallotti, 1998.