História mal contada

Foto: Helano Stuckert/UnB Agência

Sabe-se que a população negra que representa 45% dos habitantes desse país, conforme dados do Censo do IBGE 2000, constitui a segunda maior nação negra do mundo, atrás somente da Nigéria. Mesmo assim, essa população não participa integralmente dos frutos do progresso nacional e constitui parcela significativa, senão a maior, dos empobrecidos.

Diversos são os fatores determinantes de tal realidade, destacando-se o processo escravista, do qual decorre dentre outras manifestações contrárias aos negros e às negras, o racismo. Assim, a ativa e marcante presença do negro na formação da nacionalidade, da identidade e do ethos brasileiro é desconsiderada.

Torna-se importante saber que o homem e a mulher africanos aqui chegados à força, muitos, provinham de reinos e comunidades sedimentadas, onde praticavam a mineração e exerciam atividades agrícolas em harmonia com a fauna e a flora. Nem todos eram analfabetos e introduziram técnicas agrícolas e pastoris desconhecidas do europeu colonizador. A abolição da escravatura, mediante a declaração simples de liberdade para negros e negras, não foi suficiente para o resgate da dívida acumulada pelo Estado Brasileiro em relação aos africanos e seus descendentes. Nem ao menos o direito às terras lhes foi concedido prevalecendo os sistemas das capitanias, das sesmarias e da Lei de Terra, criada em 1850.

Sempre negros e negras lutaram contra o racismo, o preconceito, as desigualdades e todas as formas de discriminação que os vitima. Buscaram incessantemente uma qualidade de vida digna.

No passado distante os quilombolas resistiram, construíram suas comunidades. Hoje os quilombos contemporâneos realizam idêntica saga e seus moradores reafirmam a tenacidade herdada ao defenderem as terras que lhes pertence.

José do Patrocínio, Rebouças, Cruz e Souza, Luiz Gama são expoentes de lideranças libertárias. A Frente Negra Brasileira, o Teatro Experimental do Negro, a Imprensa Negra, também se alinham no elenco de entidades da resistência e da construção de um projeto de Brasil sem racismo, no qual o afrodescendente tenha igualdade de oportunidades e cresça em todos os níveis da condição humana na mesma proporção que os de outras etnias.

No presente, o movimento negro, herdeiro das lutas passadas, fez mover o Estado: criou-se a Fundação Cultural Palmares, no Ministério da Cultura; instituiu-se o GTI – População Negra, no Ministério da Justiça; há o Programa de Ação Afirmativa do Governo Federal; criou-se a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial(SEPPIR), foi assinada a Lei 4887/2003 que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes dos quilombos. Além disso, a Lei 10.639/2003 obriga a inclusão no currículo escolar dos temas História e Cultura Afro-Brasileira além de História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, tudo com amparo na Constituição Federal.

A propósito da Lei 10.639 que altera a Lei No. 9.394 chamada Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para a sua eficaz implementação, torna-se necessário capacitar professores. Sabe-se do quase total desconhecimento, por parte de grande parcela dos brasileiros, das questões relativas às sociedades africanas e mais especificamente sobre as marcantes influências do homem africano na formação da sociedade brasileira. Sugere-se que as Secretarias estaduais e municipais de Educação realizem cursos de capacitação dos seus professores, habilitando-os para ministrarem aulas compatíveis com um Brasil multiracial e pluriétnico. Para que as aulas sejam mecanismos de combate ao racismo, considera-se importante ainda o estudo dos mesmos assuntos na universidade, ultrapassando os ensinos fundamental e médio porque é no ensino superior onde os alunos se preparam para a vida profissional.

No entanto, muito de nossa história ainda está por ser conhecida, reconhecida e divulgada para que a sociedade brasileira assuma a participação do elemento africano em todos os níveis de desenvolvimento.

Glória Moura é professora da Faculdade de Educação e do Instituto de Artes da Universidade de Brasília (UnB). É doutora em Educação pela Universidade de São Paulo. Coordenou a elaboração do livro Uma história do povo Kalunga (MEC/Pnud) em 2002.

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