“Fêmea. Fênix. Eu fecundo”.

Poeta, romancista e teórica da literatura, Conceição Evaristo defendeu sua tese de doutorado no dia, 13 de maio de 2011, sob chuva prazenteira que sinalizava a fecundidade do dia em que a autora brotou como a camélia dos abolicionistas, simbolizando a luta e liberdade afrobrasileira.

A defesa foi realizada após o segundo ingresso da autora no doutorado, necessário em função do desligamento da primeira matrícula, motivado por uma esquimia que interrompeu a escrita do trabalho. Anos depois, recuperada, Evaristo fez nova seleção e ingresso. Saltando as pedras do caminho, a autora fez uso da resistência exigida da maior parte dos afrobrasileiros implicados com uma existência marcada por barreiras sociais e econômicas.

O rito da defesa foi aberto com a leitura de um belo texto de apresentação, no qual Evaristo deixou claro que sua escrita é “contaminado pela condição de sujeito negro mulher negra na sociedade brasileira”. Assumindo os riscos de sua postura politizada no espaço marcado pela neutralidade, a autora prosseguiu: “sei o quão perigosa é esta afirmativa quando se trata de uma pesquisa cujo crivo avaliador é uma instituição acadêmica”. Afirmando a importância dos movimentos sociais em sua formação, a doutoranda realçou a necessidade de diálogo entre os atores destes movimentos e a universidade e, combativa, frisou: “se a academia não é espaço da militância, também pode ser o espaço da omissão”.

Na sequência, amigos e admiradores presentes na sala 505, do bloco C, da Faculdade de Letras da UFF assistiram a uma apresentação segura do resumo dos três capítulos em que a autora desenvolve um estudo intitulado Poemas malungos: cânticos irmãos. Comparando a produção poética do poeta angolano Agostinho Neto aos textos poéticos dos brasileiros Ney Lopes e Edmilson de Almeida Pereira, Evaristo aponta a “malunguice” desses poetas que, em lados opostos do Atlântico, assumem a temática negra para, a partir dela, produzir um trabalho político-ideológico responsável pela configuração identitária de africanos e afrobrasileiros.

Ao cabo de tantos livros e lutas, nesse maio da primeira década do século XXI, Conceição Evaristo conquistou um título que coroa a luta travada por mulheres afrobrasileiras que não se contentam com a posição periférica na sociedade dominada pelo discurso falocêntrico e por atitudes racistas. A defesa de Evaristo é um ataque à subalternização dos afrobrasileiros e aos preconceitos que pesam sobre a mulher. Senhora de suas palavras, a autora articulou mensagens reprimidas por meninas/mulheres brasileiras que ganharam voz e visibilidade em seus poemas e romances. Fêmea, fênix, a doutora fecunda o movimento de inserção dos afrodescendentes no universo acadêmico e intelectual brasileiro.

Inspirada pelos cânticos irmãos, tomo do malungo Ondjaki um empréstimo, para dizer: oxalá cresçam camélias semeadas pelo cântico dessa professora e mais velha, de voz mansa e mensagem densa.

One thought on ““Fêmea. Fênix. Eu fecundo”.

  1. “Fêmea. Fênix. Eu fecundo”.
    Ler este post foi para mim uma dupla felicidade: nao só pela explosão acadêmica de Conceição Evaristo, nossa referência, como pelo belo e saborosamente politico-poético texto de Simone Ricco.

    Estamos aqui!
    E pra ficar!

    KS

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