No último dia 16 de junho, o Senado aprovou o Estatuto da Igualdade Racial. O texto aprovado, entretanto, foi bastante esvaziado em relação à proposta original, em atenção aos reclamos dos adversários das políticas de ação afirmativa que beneficiariam a população afrodescendente. Tanto que a adoção dessas políticas poderá ocorrer, sim, mas de forma específica e não genérica, segundo o relator do projeto.
Ressalte-se que as reivindicações do movimento social afrobrasileiro encontraram eco na consciência de um dos mais respeitados historiadores brasileiros, o professor Luiz Filipe de Alencastro, professor do Instituto de Economia da UNICAMP. Em março passado, chamado a dar seu depoimento na audiência publica para discussão do tema no Congresso, o ilustre mestre disse entre outras coisas o seguinte:
Que “a prática democrática, consiste num processo dinâmico, reformado e completado ao longo das décadas pelos legisladores brasileiros, em resposta às aspirações da sociedade e às iniciativas de países pioneiros. Foi somente em 1932 -, ainda assim com as conhecidas restrições suprimidas em 1946 -, que o voto feminino instaurou-se no Brasil. Na época, os setores tradicionalistas alegaram que a capacitação política das mulheres iria dividir as famílias e perturbar a tranquilidade de nação. Pouco a pouco, normas consensuais que impediam a plena cidadania e a realização profissional das mulheres foram sendo reduzidas, segundo o preceito -, aplicável também na questão racial -, de que se deve tratar de maneira desigual o problema gerado por uma situação desigual”.
Na oportunidade, colocando a questão da discriminação ou não da população afrobrasileira na atualidade , apesar da inexistência de discriminação legal no país, o professor Alencastro afirmou:
“A resposta está retratada nas creches, nas ruas, nas escolas, nas universidades, nas
cadeias, nos laudos dos IML de todo o Brasil. Não me cabe aqui entrar na análise de estatísticas raciais, sociais e econômicas que serão abordadas por diversos especialistas no âmbito desta Audiência Pública. Observo, entretanto, que a ADPF apresentada pelo DEM, na parte intitulada « A manipulação dos indicadores sociais envolvendo a raça » (pp. 54-59), alinha algumas cifras e cita como única fonte analítica, o livro do jornalista Ali Kamel, o qual, como é sabido, não é versado no estudo das estatísticas do IBGE, do IPEA, da ONU e das incontáveis pesquisas e teses brasileiras e estrangeiras que demonstram, maciçamente, a existência de discriminação racial no Brasil”.
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Do que restou do Estatuto, segundo a sinopse publicada na edição de 17 de junho de O Globo, vê-se que “o poder público garantirá o reconhecimento das sociedades negras, clubes e outras formas de manifestação coletiva”; incentivará a “celebração de personalidades negras e de datas comemorativas relacionadas á história do samba”, alem de “reconhecer a capoeira”.
E já que raça não existe (apesar de o racismo fazer o que a gente sabe), a questão agora é enfocada como “desigualdade étnica”. Ou seja…
Nei Lopes