EnegreSer contra o racismo

Foto: José Cruz, ABr

No dia 28 de março de 2007, nós, população negra da Universidade de
Brasília, fomos agredidos(as) mais uma vez. Numa ação terrorista,
herdeiros e atuais representantes da opressão racial brasileira
quiseram levar à morte dez de nossos irmãos e irmãs africanas e
colocaram em risco a vida de outras dezenas de pessoas. Muito mais que
um crime ou ato de vandalismo, houve uma ação coletiva pautada pelo
ódio racial e a xenofobia bem presentes na cultura nacional. Não se
trata de um ato isolado. Há anos os negros vivenciam isso no campus
universitário da UnB, sem que uma ação efetiva e institucional tenha
sido tomada. Após uma série de insultos, humilhações e ameaças, desta
vez, o intuito era o de queimar pessoas negras vivas! Não podemos mais
tolerar tamanha negligência. Corremos perigo e exigimos justiça!

De fato, a despeito do reverberado compromisso da UnB com o democracia
e a proteção dos Direitos Humanos de combate ao racismo, muito pouco
foi feito para barrar as ações de signatários dos valores e práticas
da Klu Klux Klan e do Apartheid, que tranqüilamente atuam e circulam
nas salas de aula e nos corredores do que deveria ser um espaço de
produção do conhecimento e construção de uma transformação social.

Por uma decisão institucional, 28 de Maio se tornou o Dia da Igualdade
Racial na UnB. Indiscutivelmente, o caso é chocante e repudiável. Mas
e os pedidos de desculpas? Os estudantes africanos e toda a comunidade
negra ainda estão esperando. Saibam, não há enfrentamento real de um
problema sem o reconhecimento definitivo das mazelas que o alimentam.
Por ser composta por professores, alunos e servidores que
cotidianamente reproduzem o racismo institucional, a UnB precisa
admitir sua cota de responsabilidade no que ocorreu. Caso contrário,
apenas dará continuidade ao repertório de encenações hipócritas e
farsantes de indignação contra o racismo ? comuns ao chamado “racismo
cordial brasileiro”.

A ação terrorista foi tomada como crime e assim registrada na Polícia
Civil. Por que as vitimas não receberam Boletim de Ocorrência no ato
da denúncia? Por que só puderam retirá-lo 24 horas depois? Os
responsáveis não estão recebendo proteção além da necessária? Em
ocasiões passadas, outras perguntas ficaram sem resposta. Repetimos
não é a primeira manifestação de opressão racial contra o corpo negro
na Universidade de Brasília!

Em 1989, os murros do Instituto de Artes (IDA-UnB) amanheceram
gritando: “Morte aos Negros”, a universidade silenciou com uma “mão de
tinta” branca. Em 1993, Terezinha, (mulher negra), ex-aluna do curso
de Letras Francês e atualmente a conhecida moradora de rua, apresentou
uma carta ao decanato de assuntos comunitários da UnB denunciando o
racismo e o descaso da instituição para com os alunos negros e com os
moradores da Casa do Estudante, maioria proveniente de famílias pobres
e negras. A memória institucional não guardou esse fato.

Os vilipêndios continuaram assolando a comunidade negra. Em 2004, após
a aprovação do sistema de cotas para negros, os banheiros do Pavilhão
João Calmon revelaram várias manifestações de racismo, como: “2004:
Cotas para negros! 2014: Bandidos, traficantes e estupradores com
PhD”. No ano passado, mais demonstrações de racismo. De dentro da sala
de aula, professores como Paulo Kramer, do Departamento de Ciência
Política, e Thadeu de Jesus e Silva, do Departamento de Sociologia,
manifestaram seus posicionamentos racistas contra negros. Gravações
foram feitas, o Brasil foi informado dos casos, mas nem mesmo o
afastamento preventivo desses foi cogitado. Nenhuma das situações
relatadas foi tomada como prova concreta de casos de racismo na UnB.

Como era de se esperar nesse ambiente racista, onde mais
desqualificante que ser negro é ser um negro africano, não tardou a
aparecer nas paredes da moradia estudantil um comunicado junto com uma
cruz simbolizando a morte: “Fora estrangeiros! “. Cabe ressaltar que
as agressões foram dirigidas a africanos e não a qualquer grupo
estrangeiro presente na Universidade. É fato, vivemos em um país
racista! E mais, lutamos contra uma forma de racismo chamada por
alguns de “sutil ou cordial”, mas que denominamos “sofisticada” ,
posto que inclui entre seus reprodutores não somente os indivíduos
livres da discriminação direta, mas os próprios discriminados, que têm
cotidianamente os laços de solidariedade intra-grupo sócio-racial
rompidos e inviabilizados pela dinâmica racista. Dinâmica esta que
alimenta, por meio da promessa da miscigenação, a crença de que quanto
mais próximo ao ideal de branqueamento menos os indivíduos estariam
sujeitos à discriminação e mais perto da integração democrática. Como
acreditar nesse tipo de democracia? Impossível!

Nós do EnegreSer – Coletivo Negro do DF e Entorno, constituído há 6
anos como resposta a um ato de violência policial no “Centro de
Comunitário” da UnB, e demais estudantes negros da UnB queremos
prestar a nossa solidariedade aos nossos irmãos e irmãs africanas.
MUITO MAIS DO QUE ESTARMOS MAIS DO QUE NUNCA JUNTOS, SOMOS JUNTOS,
FAZEMOS PARTE DE UM SÓ POVO, AFRICANO E ORGULHOSO DISSO! Parceiros e
cúmplices na luta contra a violência vivenciada e o descaso da UnB em
assumir a sua parcela de culpa ao silenciar tantos casos de agressão e
por não se responsabilizar pela ausência de ações suficientes para
evitar que chegássemos a este nível de dor. O auditório da reitoria e
as seis rampas lotadas de estudantes clamaram ao reitor: Peça
desculpas! Timothy Mulholland disse que não reage a pressões.

Em conjunto, africanos e afro-brasileiros propomos a criação do
Programa de Combate ao Racismo Institucional e lutaremos para que
nossa voz seja ouvida e respeitada em todo o processo, que apenas
começa! O Dia da África (25 de maio) vem aí! Em respeito aos nossos
ancestrais, não admitiremos manipulações institucionais de
esvaziamento de nossas demandas.

Para os que não são coniventes da violência e do descaso, levantem e lutem!

2 thoughts on “EnegreSer contra o racismo

  1. EnegreSer contra o racismo
    É triste saber que este ato criminoso foi produzido e concebido dentro das instalações da UNB, uma universidade pública. Só que de pública, só tem no nome, pois suas concepções são bem racistas, assim como outras: USP/UFRJ/PUC, enfim !!!l. O que me deixou mais chocado nesta caso, são que somente os alunos oriundos de países da continente africano, são os pertubadores da suposta ordem social, no Campus da UNB. Já que é notório saber que em todas Universidades Públicas do país, inclusive a UNB, alunos viciados, traficantes, filhos de políticos ladrões, filhos de empresários corruptos, professores racistas, desonestos e doentes habitam este celeiro de pensamento diabólico.
    Então, cabe sim, a nossa sociedade em geral, saber qual o melhor caminho que temos que seguir. Este da UNB, onde jovens estudantes, quase tiveram seus corpos queimados, ou fazer de conta nada ocorre de errado no Brasil? Por fim, se fosse estudantes estrangeiros da Europa, o que teria acontecido?

  2. Muito bom
    O site é muito bem feito. A matéria muito interessante, a música de fundo é maravilhosa!
    Perfeito, congratulações para os criadores e apoio ao movimento! Muito bom mesmo. Maravilhoso.

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