Agência Brasil – Doze anos após os Crimes de Maio, como ficou conhecida a chacina que tirou a vida de 564 pessoas no estado de São Paulo, desencadeada por conflitos entre a polícia e o Primeiro Comando da Capital (PCC), as mães das vítimas ainda denunciam a omissão do poder público no esclarecimento dos homicídios. As investigações sobre as mortes foram arquivadas a pedido do Ministério Público estadual e, até hoje, ninguém foi condenado pelos crimes.
Solidárias à causa, mulheres do Ceará, do Xingu, de Minas Gerais, dos Estados Unidos e da Colômbia se reunirão, até o próximo domingo (20), em Salvador, no 3º Encontro Internacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo de Estado, iniciado ontem (17).
Uma das fundadoras do Movimento Independente Mães de Maio é Débora Maria da Silva, que perdeu o filho Edson Rogério da Silva, de 29 anos, morto a tiros durante uma operação policial quando ele voltava para casa após visitá-la no Dia das Mães. Ela diz que o alento encontrado pelas mulheres que integram a mobilização tem partido delas mesmas, que praticam gestos mútuos de consolação. “Nossa terapia é de mãe para mãe. A gente recebe colo e dá colo”, afirma, destacando que a questão foi tema de uma das duas rodas de conversa desta quinta-feira.
Em 2011, a 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça condenou o governo paulista a pagar uma indenização de R$ 165,5 mil a Débora, por danos morais. Conforme a determinação, ela deveria receber, ainda, uma pensão mensal, no valor de um terço do salário mínimo.
Na avaliação da militante, o movimento tem avançado. “As mães têm tido o poder da fala, estão organizadas. Saíram do anonimato, do silencio sepulcral que há sobre as comunidades de periferia. Quando a gente vem pra Salvador, é pra dizer que as Mães de Maio do Nordeste também aprenderam a gritar.”
Débora conta que uma de suas companheiras de luta, Vera Lúcia Gonzaga dos Santos, cuja filha grávida foi morta durante a onda de ataques de maio de 2006, acabou morrendo após um quadro depressivo. Débora diz que a amiga, com quem estruturou o movimento, passou a pressionar as autoridades policiais para que voltassem atrás na decisão de arquivar o inquérito que apuraria o assassinato dos dois jovens. “O inquérito foi arquivado precocemente, esses meses”, afirma Débora. “Ela era combatente, não se conformava com a morte da filha. No dia 3, ela foi encontrada agonizando sobre sua cama. Não podemos deixar de criticar o Estado.”
O contexto dos assassinatos
Em sua tese de doutorado, o sociólogo Clodomir Cordeiro De Matos Júnior, explica que a escalada de assassinatos na Baixada Santista não ocorreu subitamente, sendo, na realidade, “a face visível” de uma ligação já instável entre policiais e o PCC, que acabou tomando força com a transferência de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado como líder da facção. A ordem, no dia 12 de maio, era de que ele fosse levado da Penitenciária Dr. Paulo Luciano de Campos – Avaré I à então recém-inaugurada Penitenciária Presidente Venceslau II.
Como retaliação à medida, presos associados ao PCC organizaram 74 motins, dos quais 50 foram originados em unidades prisionais, três em locais de segurança máxima e 21 em Centros de Detenção Provisória para o Departamento Estadual de Investigações Criminais.
A análise São Paulo sob achaque, de autoria da organização Justiça Global e juristas da Universidade de Harvard, e que serviu de base para o argumento do sociólogo, concluiu que os presos envolvidos nas rebeliões tinham um componente em comum: cumpriam pena em regime fechado ou estavam sob regime mais rigoroso. Isso pode explicar o fato de não ter havido aderência entre os presos dos sete centros de progressão da pena, dos 22 centros de ressocialização, dos dois institutos penais agrícolas ou de hospitais do sistema penitenciário.
Divulgado na última segunda-feira (14), o relatório final da pesquisa Violência de estado no Brasil: uma análise dos Crimes de Maio de 2006, da Universidade Federal de São Paulo, reafirmou evidências de execução sumária em 60 assassinatos – 53 civis e 7 agentes de segurança – ocorridos no período de 12 a 20 de maio de 2006. A maioria dos crimes, salientou o documento, foi cometido à queima-roupa, e os disparos miraram, na maioria dos casos, a cabeça ou o peito da vítima.
Pesquisadores do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro também trouxeram, há pouco tempo, dados adicionais sobre o que colocam como “semana sangrenta”, repercutindo informações da Secretaria de Segurança de São Paulo, que reportou que, até a tarde do dia 18 de maio daquele ano, a região sofreu 293 ataques, entre ataques a ônibus, a casas de policiais, a bancos e caixas eletrônicos.
Em 2013, o governo estadual de São Paulo estabeleceu o dia 12 de maio como o Dia das Vítimas do Estado Terrorista brasileiro – Dia de Luta das Mães de Maio. A homenagem foi lembrada pelo Movimento das Mães de Maio em seu perfil no Facebook, em que reconheceu a data como um modo de evitar que o massacre seja esquecido e que os responsáveis permaneçam impunes.