Foto: Jesus Carlos / Imagem Latina, Marcha da Consciência Negra, SP-2006
Prezada Marilena Chaui,
Fiquei de coração aliviado em ler um texto enxuto como este.
Atravé dos tempos, nós os negros e negras tivemos as mais variadas formas de justificativas para a forma de tratamento diferenciado que recebemos no Brasil.
Primeiro como não gente, o escravo, depois como sub-gente, o analfabeto não eleitor da república, e por fim como gente insubordinada e racista , por parte dos que nos tem como objeto de estudos “negrófilos” das academias de ciências sociais brasileiras.
No fim do século XIX criaram as racas, como você lembrou em Gobineau, e no Brasil, tiveram a fineza, de inventarem a super-raça que impregna o inconsciente coletivo brasileiro.
Super-raça que possui o “sangue misturado” de inteligência branca, agilidade índia e potência negra.
Agora para manter uma simples fantasia acadêmica da “cordialidade racial” reconhecem que raça não existe para negar nossa existência e malhar o Judas Matilde Ribeiro (que ironia racista a queima de bonecos no Brasil) .
Esse pessoal está nos achando bobo, ou estão em choque emocional? Nós negros já sabemos e escrevemos que nao tem raça há muito tempo, desde Diop e Fanon. E sabemos que o “racismo” é uma criação!
Mas por ele existir e poder significar a diferença entre estar vivo ou morto, não me permite mais condescender com estes intelectuais, que estão simplesmente defendendo o que produziram em suas pesquisas nas últimas décadas em que nos estudaram como objetos inanimados.
Que raça não existe é um fato. Mas o que fazer com o racismo que este conceito originou? Racismo que criou pernas próprias, e definiu a cor da vida e da morte no Brasil?( Só para ficarmos em nosso país).
Como um intelectual negro e ativista contra o racismo, tive que assumir como primeiro passo de minha primeira ação contra o racismo há décadas atrás, que eu tinha sido educado como um racista branco. Que eu tinha sido educado a não gostar de mim mesmo e para ser aceito como bom brasileiro por meus amigos eu deveria negar a existência do negro em mim, e dos negros e negras em minha volta.
Mais de trinta anos depois, vejo os intelectuais brancos de minha geração, se apavorarem com a emergência do pensamento de pessoas negras na sociedade brasileira. O objeto inanimado na mesa de seção dos IMLs antropológicos estava vivo!
Creio, que este seja o choque epstemológico de parte(creio que maioria) de nossa intelectualidade. Eles não estavam preparados para dialogar olho no olho com seu objeto de estudo. Nao só o filho como também a empregada aprenderam a ler e se insurgem. Eles não estão preparados para se reconhecerem racistas, pois isto dói.
Vai ter muito papel, muita tese de doutorado, que vai ficar na história, apenas como referências sobre como os intelectuais brasileiros defenderam os últimos farrapos do construto ideológico da democracia e harmonia entre as cores no Brasil, no início do 3° Milênio.
De minha parte, já vão mais de trinta anos que trabalho, para juntar, o que nunca foi unido, para entender o que nunca foi entendido, e para transformar o que nunca foi falado. Que somos um povo que lincha o Judas todos os dias, que tem no seu vocabulário da dor a palavra “judiar”.
E que quanto mais isto me é revelado em reflexões e conversas com amigos, mais me “ufano” de nosso povo, que apesar desse kharma, encontrou solucões “pacíficas” para sobreviver e reproduzir-se física e intelectualmente e ser hoje uma das maiores nações de pele preta do mundo.
Se falo em qualque lugar do mundo que o Brasil é um dos países mais racistas que conheço, paradoxalmente falo também que é o país em que o discriminado tem apresentado as melhores soluções para contorná-lo e superá-lo através de um movimento até agora mais ou menos silencioso de criação de auto-estima, e contraditoriamente vejo também como extremamente positivo que finalmente uma ministra abra oficialmente a boca e pise na jaca do racismo que estava fedendo na sala de jantar.
É mais um exemplo do papel que as mulheres que vieram das Áfricas para os Brasis tiveram e tem para com os povos que vieram dos Mundos para os Brasis.
Educar e mostrando o que está errado, e não só dar leitinho e afagar a cabeça de quem insista em negar o óbvio.
Durante anos elas nos falaram, pra pisar neste chão devagarinho. Sobrevivemos.
Agora elas nos dizem que a cabeça não é só para se usar chapéu. E que está na hora de pararem de “judiar” com a nossa santa “ignorância”.
Senhora Marilena, valeu o que disse, pois se a criação da ideologia do racismo foi uma tarefa de poucos. Destrinchar esta jaca é uma tarefa de todos nós.
E parafraseando o Portela, Matilde está ministra, e mostrou que é negra. E por mais que eu estude , não consigo nem quero ser daltônico.
Ps: tenho desenvolvido nos últimos anos curso de “Enfrentamento do racista em si mesmo”. Com meu coração grande, acho que vou oferecer de graça alguns seminários a alguns intelectuais brasileiros, e usarei algumas passagens de seu texto.