O modelo colonial branco, no caso o português, deixou para as nações africanas inúmeras cicatrizes sociais. Uma delas foi a da classificação dos cidadãos. O homem branco, no caso o português, tinha plenos direitos e podia escravizar e explorar os seus subordinados. O homem assimilado era o negro e o mulato, o qual devia submissão ao seu patrão e o indígena era então considerado um ser animal, sem raciocínio e sem o poder de ter voz ativa junto à sociedade. Foi assim que o presidente de Cabo Verde, Pedro Pires, pautou a sua participação no Primeiro Encontro Internacional dos Advogados Negros na Diáspora, realizado nesta quinta-feira no Hotel Tropical da Bahia. Bastante aplaudido por advogados e estudantes de Direito do Brasil e da África, que se encontram na capital baiana participando da II CIAD, Pedro Pires fez um chamamento a todos os juristas: é preciso vencer a discriminação racial com a promoção de ações que exigam o respeito ao cidadão, principalmente junto aos países que ratificaram a Declaração dos Direitos Humanos junto a Organização das Nações Unidas (ONU).
Racismo como marca de dor e sofrimento:
Pedro Pires fez um resgate histórico da sociedade caboverdeana. Com pouco mais de 30 anos de independência, a ex-colônia portuguesa também teve uma história semelhante aos demais países africanos. Uma saga de dor, sofrimento, exclusão e exploração econômica. “Não havia uma mobilidade
social, mas sim um sistema de castas, onde os negros ficavam no quintal e os brancos eram os donos de negócios”, contou. Hoje, Pedro Pires lembra que seu país vive uma democracia racial, onde há respeito entre todos os cidadãos.
“Cabo Verde é uma nação mestiça. Não há brancos puros, tampouco negros puros. Há uma mestiçagem e isso é bastante favorável para o desenvolvimento social de nossa nação”, apontou Pires, lembrando que seu país desperta uma certa “inveja” entre os outros estados africanos, tal é a liberdade de ir e vir de todos os cidadãos.
Estados Unidos da África: projeto a longo prazo:
Mesmo assim, o dirigente caboverdeano salientou que a criação dos Estados Unidos da África – proposta defendida pelo presidente do Senegal, Abdoulaye Wade, durante a abertura da II CIAD – é um projeto para o continente africano a longo prazo. Para Pires, os países precisam primeiramente desenvolver o crescimento político e social, em caráter interno. Só assim, ressaltou, a África poderá pensar em se tornar um bloco econômico e social unificado, com força para se posicionar com respeitabilidade junto aos blocos europeu e norte-americano. Pires concluiu sua presença no encontro de advogados lembrando que deseja conhecer outros países da América do Sul, em especial a Colômbia e o Equador, pelo fato de também ter uma população afro-descendente. O presidente de Cabo Verde disse que todos os cidadãos devem se indignar contra o racismo e que acreditar na possibilidade de ver um mundo mais justo. “A África do Sul, por exemplo, não é mais aquela nação segregária que era. Aquele monstro do apartheid não existe mais. Hoje os sul-africanos são cidadãos livres. Este mundo que sonhamos, sem racismo, é possível”, concluiu Pedro Pires.
Advogados afrobrasileiros querem maior integração com colegas africanos:
Ao agradecer a presença do presidente de Cabo Verde no Encontro Internacional dos Advogados Negros na Diáspora, a presidente da Associação Nacional de Advogados Afrodescendentes, Sílvia Cerqueira, declarou que este primeiro encontro traz como proposta mapear áreas onde a presença do advogado se faz necessária, já que poucos profissionais, segundo ela, atuam na defesa e na promoção da igualdade racial por não conhecerem a realidade existente. O evento também tem o caráter formativo, pois pretende capacitar os profissionais e futuros advogados a atuar na área racial, tanto a nível nacional quanto internacional. Ao comemorar a realização da II CIAD em Salvador, Sílvia Cerqueira lembrou aos convidados, e também ao presidente de Pedro Pires, o desejo de buscar o apoio da nação caboverdeana para realizar, em um futuro breve, um encontro de advogados afrodescendentes em continente africano. Pedro Pires sinalizou como positiva a possibilidade de apoiar a promoção de evento similar em Cabo Verde.
Oscar Henrique Cardoso, ACS/FCP/MinC, especial de Salvador para a II CIAD e Fórum Social.