Descoberta foi feita pela pesquisadora Fernanda Avelar Santos, da Universidade Federal do
CGCOM/CAPES – Em sua terceira visita científica à Ilha de Trindade, localizada a 1.140 km do litoral Atlântico, para realizar o mapeamento geológico do território, Fernanda Avelar Santos, geóloga formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e doutoranda em Geologia pela mesma instituição, encontrou rochas formadas por sedimentos de plástico. A descoberta, inédita no Brasil, revelou a ocorrência de rochas idênticas às naturais, mas compostas por material plástico originário de redes de pesca abandonadas ou levado do litoral brasileiro pelas correntes marítimas. O estudo foi publicado no periódico Marine Pollution Bulletin , da plataforma ScienceDirect , revista integrante do grupo Elsevier .
Qual foi a sensação causada por essa descoberta?
A minha sensação inicial foi de estranheza com muita curiosidade e questionamentos. Eu me senti feliz e motivada por estar desempenhando o papel de uma cientista, abordando e lidando com o problema encontrado, através do desenvolvimento de uma pesquisa inédita. E foi curioso, porque eu acabei usando o método científico, de forma orgânica, quando se aborda um objeto de estudo. Eu não fazia ideia do que se tratava. Após fazer as coletas dos detritos plásticos na ilha, trouxe para o Laboratório de Estudos Costeiros da UFPR. A partir disso, uma equipe multidisciplinar de pesquisadores – que incluiu geólogos, químicos e oceanógrafo, da UFPR, Universidade São Paulo (USP) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – se envolveu.
Por que chamar de rochas os detritos plásticos encontrados?
Verificamos que o universo de detritos encontrado na ilha tem aparência, consistência e solidez semelhante às rochas naturais. As formas plásticas que encontramos são de detritos formados pela fusão de material plástico e sedimentos naturais, como areia, cascalhos, rochas vulcânicas e materiais biogênicos. Elas foram encontradas na superfície da praia, na região entre marés, onde é recorrente a concentração de poluição plástica proveniente do mar. O processo de formação de uma rocha a partir da poluição marinha é rápida e depende de três etapas, nas quais o ser humano atua como principal agente geológico, que são: disponibilidade de lixo plástico no ambiente marinho e costeiro (principalmente cordas de pesca), arranjo e deposição do lixo em um local da praia (quando as pessoas juntam o lixo) e aumento da temperatura do ambiente por meio de fogo (como as fogueiras) que derrete o plástico. O plástico derretido se funde com os sedimentos da praia formando cimento plástico e, consequentemente, estas rochas. Com isso, podemos denominar este fenômeno como rochas híbridas, equivalentes às naturais, que participam da dinâmica natural da praia como produtos da ação humana.
As rochas de plástico foram encontradas ao acaso. Qual é seu objeto de pesquisa no doutorado?
Eu integro o projeto das ilhas oceânicas do Laboratório de Estudos Costeiros da UFPR, coordenado pelo professor Rodolfo José Angulo. Na minha tese de doutorado, com bolsa da CAPES, orientada pela professora Maria Cristina de Souza, sou responsável pelo estudo dos eventos geológicos perigosos, tais como processos erosivos e deslizamentos, que poderão gerar perdas ambientais, sociais, econômicas e humanas na Ilha da Trindade.
Estas são as primeiras rochas de plástico já encontradas?
Não. A descoberta é a primeira feita no Brasil. Já existem trabalhos publicados, que relatam detritos plásticos, semelhantes ao nosso estudo, em outros ambientes marinhos e costeiros. O primeiro relato foi no Havaí (EUA) e, desde então, também foram relatados na costa de Cornualha (Inglaterra), na costa do Mar Interior de Seto (Japão), na ilha do Giglio (Itália), na ilha da Madeira (Portugal) e na costa do Peru. O ineditismo e o diferencial do achado no Brasil estão no fato de termos encontrado um afloramento de vários tipos destas rochas plásticas, até então descritas individualmente.
Estas rochas artificiais interferem no meio ambiente da Ilha?
A Ilha da Trindade é uma importante reserva marinha do Atlântico Sul e a região da praia das Tartarugas é considerada um Monumento Natural no Brasil, ou seja, é uma área protegida legalmente e reconhecida pelo poder público como tendo valor científico, paisagístico, histórico, cultural, estético, turístico ou ecológico relevante. O local da nossa descoberta é próximo à maior região de ninhos da tartaruga-verde ( Chelonia mydas ) do Brasil. Além disso, é habitat natural de aves marinhas, caranguejos e abriga um ecossistema frágil e único que inclui espécies endêmicas de peixes e diferentes conjuntos recifais. A região apresenta formações geológicas e habitats únicos que precisam ser preservados. Neste sentido, o plástico tem implicações significativas para a biodiversidade e os impactos destas rochas compostas por plástico precisam ser investigados, já que representam fonte de microplástico para toda a região.
Qual o significado desta tipo de poluição para a saúde de todo ecossistema marinho?
A poluição de plástico no ambiente marinho, que inclui as rochas de plástico, têm implicações significativas para a biodiversidade, já que os animais marinhos podem confundi-los com alimento e ingeri-los, prejudicando sua saúde. Esse material pode resultar em micropartículas de plástico através de processos geológicos. Os microplásticos, por sua vez, representam um problema mundial bastante conhecido e já há evidências da sua presença até na corrente sanguínea do ser humano.
A ação humana está determinando o meio ambiente do planeta?
Primeiro é importante entendermos o conceito do Tempo Geológico, que é uma das mais importantes contribuições da geologia para a cultura humana e é fundamental para alicerçar várias teorias fundamentais da ciência moderna, como a teoria da evolução de Darwin. O Tempo Geológico é uma escala cronológica vasta, que se estende por bilhões de anos, usada para medir o tempo que se passou desde a formação da Terra até o presente. É usada para classificar e datar eventos geológicos importantes, como a formação de continentes, a evolução de vida e a história climática da Terra. O nosso achado é mais uma evidência, e também um alerta, de que o impacto humano, assim como os seus resíduos, estão tão presentes no meio ambiente que começaram a influenciar processos antes considerados essencialmente naturais, como a formação de rochas.
Qual importância da CAPES para sua pesquisa?
A CAPES foi importante, pois viabilizou o financiamento da minha bolsa de estudos, o que foi crucial para eu me concentrar exclusivamente nos estudos e nas atividades de pesquisa científica. Também me ofereceu oportunidades de fazer parte de comunidades acadêmicas e estabelecer relações com outros profissionais da minha área de interesse. Graças à bolsa de estudos da CAPES, eu tive a oportunidade de me dedicar ao que eu mais amo, ou seja, fazer ciência no campo da geologia e frequentar o ambiente em que eu me sinto mais feliz em estar: uma universidade federal pública.
Legenda das imagens:
Banner e imagem 1: Rocha artificial recolhida na Ilha de Trindade e formada por uma aglomerado de resíduos plásticos (Foto: Arquivo pessoal)
Imagem 2: Fernanda Avelar de Mello, autora da descoberta na Ilha de trindade (Foto: Yara de Mello)
Imagem 3: Afloramento de novas rochas plásticas no Parcel das Tartarugas (Foto: Arquivo pessoal)
Imagem 4: Ilha da Trindade, localizada a 1.200 km da costa brasileira (Foto: Yara de Mello)
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é um órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC).
(Brasília – Redação CGCOM/CAPES)
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