Um dos maiores problemas enfrentados pela ciência de dados no monitoramento do novo coronavírus são os dados mal coletados e restritos, afirma Domingos Alves, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP e coordenador do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) que acompanha a evolução da pandemia em Estados e municípios do País. Para ele, “casos sem sintomas ou com sintomas leves são a chama que mantém a epidemia”, já que não são testados e os infectados não fazem um isolamento restrito.
Os boletins oficiais divulgados diariamente sobre o número de infectados não refletem a realidade da pandemia no Brasil, pois se baseiam nas internações; só nesses casos é que são feitos os testes para detecção do vírus, alerta o professor. Enquanto os registros oficiais mostravam pouco mais de 165 mil infectados no dia 11 de maio, por exemplo, as projeções dos pesquisadores de Ribeirão Preto chegavam a 2,3 milhões.
Mesmo projetando o País como novo epicentro da pandemia, Alves diz que essas estimativas são feitas sempre para baixo, pois a metodologia empregada utiliza o número de mortes pela doença e não o de infectados. E até esse indicador, feito através dos óbitos, também não reflete a realidade, argumenta, já que ele é igualmente subnotificado. O fato é considerado grave pelos pesquisadores, pois as ações de planejamento e as políticas públicas para controle da pandemia dependem de dados reais.
Como exemplo, Domingos Alves cita a diferença entre os números utilizados pelo seu grupo e os levantados pela Universidade Federal de Pelotas, estimando a infecção para o Estado do Rio Grande do Sul. Os pesquisadores gaúchos encontraram, para um mesmo período de tempo, sete vezes mais casos naquele Estado do que os boletins oficiais notificaram. “Eles apontavam o número de infectados em torno de 5,7 mil pessoas, e nós, em torno de 5 mil”, diz.
Usando essa metodologia, o professor afirma que não dá para fazer projeções para um futuro mais distante, mas é possível afirmar que os números devem dobrar em uma semana. “Até onde sabemos, tanto no Brasil como no Estado de São Paulo, o número de casos ainda está crescendo num comportamento exponencial. Ou seja, nós não conseguimos ver o pico da epidemia ainda. Então, supondo que o crescimento é exponencial, tanto no Brasil quanto no Estado de São Paulo, esses números devem dobrar num prazo de até uma semana.” Alves acredita que o afrouxamento das medidas de restrição e mobilidade devem piorar a situação desses números. Para o professor, os municípios devem antes apresentar evidências de que a epidemia está sob controle. “O número de casos tem que começar a diminuir de maneira sustentável; ou seja, o número de casos caindo em qualquer proporção, num prazo de duas a três semanas, seria uma evidência de que as medidas de contenção poderiam começar a ser relaxadas, mantendo ainda um distanciamento social importante e observando se o número de casos não vai crescer de novo.”
Segundo Alves, os municípios de Campos do Jordão e São Sebastião, no Estado de São Paulo, são exemplos de locais que estão monitorando corretamente a pandemia. São Sebastião está testando a população e, ao encontrar casos suspeitas ou confirmados, as pessoas são colocadas em isolamento.