Brasília, 13 de dezembro de 2006
Excelentíssimo Senhor
Luiz Inácio Lula da Silva
M.D. Presidente da República Federativa do Brasil
Palácio do Planalto.
Excelentíssimo Senhor,
Vimos a sua presença, dezenas de movimentos sociais que representam amplas camadas de nosso povo, organizados no movimento sindical, popular, camponês, das mulheres, de jovens e estudantes, entre outros. Vimos, em nome de milhares de militantes e milhões de trabalhadores e trabalhadoras organizados na nossa base, para apresentar algumas das propostas que temos discutido na Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), tanto nos estados como em diversas plenárias nacionais.
Esperamos que neste segundo mandato de seu governo, depois da manifestação inequívoca de que nosso povo votou por mudanças, ao longo dos próximos quatro anos, o país possa avançar no sentido da concretização das mudanças necessárias tão esperadas pelo povo.
A CMS, durante o ano de 2006, conjuntamente com outras forças sociais e populares, debateu a necessidade de um novo projeto de desenvolvimento para o país, que retire as amarras da dependência do capital internacional e financeiro, dos resquícios do neoliberalismo ainda presente na atual política econômica e, para isso, organize a produção e o Estado em benefício dos interesses da maioria da população.
E não se trata de uma mera posição doutrinária, mas sim de elementos fundantes para um novo projeto de desenvolvimento para o país. Esperamos que seu governo possa tomar isso em conta, como parâmetros de médio e longo prazo.
A partir das idéias e debates realizados em torno de um novo projeto para o país e, além disso, dos problemas urgentes que o nosso povo enfrenta, vimos a sua presença apresentar algumas propostas concretas para construir as mudanças necessárias.
*01. Em relação à política econômica: crescimento com distribuição de renda e universalização dos serviços públicos*
Defendemos a necessidade de novos parâmetros para a política econômica, com a definição de metas de crescimento que contemplem pelo menos 5% ao ano, que tenha como centro de seus objetivos a distribuição de renda, a geração de empregos e a universalização dos serviços públicos de educação, saúde, transporte público, entre outros.
Para isso é necessário mudar a política de juros, de câmbio e do superávit primário, utilizar os recursos públicos prioritariamente para investimentos sociais. Não podemos aceitar que nossos recursos ainda sejam destinados prioritariamente para pagamento de juros da dívida interna e externa.
Entendemos que o governo tem a sua disposição diversas ferramentas para garantir a distribuição de renda e, para que isso ocorra, deve penalizar os setores que mais lucram na nossa economia. Também é necessário garantir valorização dos salários, em especial o salário mínimo, que de acordo com sua promessa, de 2002, deveria ter dobrado de poder compra
real até 2006. Não podemos seguir o debate em torno do salário mínimo engessado pelos recursos do orçamento publico da União e por supostos déficits da Previdência.
Lembramos que muitos governos estaduais já determinaram pagamentos superiores ao anunciado pelo governo federal. Por outro lado, esperamos também que os recursos da poupança nacional reunidos no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal sejam utilizados para essa nova política, bem como a implementação da taxação de grandes fortunas.
Precisamos massificar a reforma agrária, como uma medida de distribuição de renda, assim como a reforma urbana. E o governo precisa implementar, urgentemente, um programa nacional de geração de empregos, especialmente para as camadas mais jovens da classe trabalhadora. Afinal, apesar dos esforços, o desemprego atinge ainda mais de 18 milhões de brasileiros e brasileiras.
02. Desenvolvimento sustentável
O desenvolvimento econômico deve ser compatível com a defesa do meio ambiente. Devemos ter uma política que cada vez mais respeite e proteja os bens da natureza, a nossa biodiversidade, a água e os recursos naturais, que se constituem como um patrimônio de toda a sociedade. Temos uma obrigação com as gerações futuras, para a qual o Estado deve
zelar.
Não concordamos com a espoliação da madeira na Amazônia, que só atende aos interesses de empresas exportadoras. Não concordamos com leilões de nossas reservas de petróleo, o que só interessa às empresas petrolíferas estrangeiras. Não concordamos com a privatização do acesso a água. E queremos que o governo assuma publicamente, inclusive nos organismos internacionais, o acesso a água como um direito humano fundamental de todo cidadão brasileiro e do planeta.
Não podemos concordar com iniciativas que liberem ainda mais as sementes transgênicas, como inclusive a introdução da tecnologia do /Terminator/, que permite a esterilização das sementes (medida que foi barrada nas conferências da Organização das Nações Unidas).
É necessário e urgente que o governo fiscalize a rotulagem de transgênicos, como prevê a legislação vigente, para que o povo saiba o que está comendo. Não concordamos que recursos do BNDES sejam utilizados para financiar o monocultivo de eucaliptos, que só geram problemas ambientais. E somos solidários, sempre, com nossos irmãos quilombolas, povos indígenas e ambientalistas, que estão na vanguarda da defesa de nosso meio ambiente.
03. O direito à educação
Sabemos dos esforços positivos que o governo tem tomado para o aumento de vagas nas universidades e com o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica). Mas precisamos de uma política ainda mais ofensiva que busque persistentemente a universalização do acesso à educação em todos os níveis, em especial para as camadas mais
pobres. Por isso, defendemos a ampliação de vagas pelo Prouni (Programa Universidade para Todos) e que o governo também aumente as vagas nas universidades públicas, com bolsas de estudo para os estudantes pobres.
O governo deve patrocinar uma campanha imediata para erradicação do analfabetismo que ainda aflige 18 milhões de brasileiros adultos. E que se tome as iniciativas para melhorar as condições no ensino fundamental e médio.
04. Os direitos sociais
Há muitas especulações na imprensa e, ao mesmo tempo, claras manifestações de setores empresariais e de setores que participam da base governamental no Congresso, pressionando para que haja reformas na Previdência, nos direitos trabalhistas e sindicais, além de uma reforma tributária. Queremos lhe dizer, Sr. Presidente, que todos os movimentos
sociais estão conscientes de quais interesses partem estas iniciativas e que, unitariamente, nos mobilizaremos para garantir que todos os direitos sociais sejam preservados e ampliados. Não podemos aceitar nenhum direito a menos para o nosso povo.
Por outro lado, propomos que o governo aumente o volume de recursos do Orçamento e implemente urgentemente um programa nacional de moradias populares para amenizar a grave situação que atinge a mais de 7 milhões de famílias, em especial nas nossas grandes cidades, que nunca tiveram apoio para construir e ter sua moradia digna.
05. A situação da saúde pública
O governo precisa tomar medidas urgentes para sanar os graves problemas do atendimento de saúde pública em nosso país, dentre eles priorizar a regulamentação da emenda constitucional nº 29. Precisamos fortalecer o SUS (Sistema Único de Saúde) para que de fato consiga dar atendimento digno a todas e todos brasileiros.
É preciso ter um amplo programa de saúde preventiva, em especial nas nossas comunidades mais pobres. E recuperar o sistema hospitalar que está sucateado. O governo deve também tomar medidas no sentido de garantir o reconhecimento e validação do diploma dos estudantes da Elam (Escola Latino-Americana de Medicina).
06. Reforma Política
Há diversas iniciativas em torno de propostas de reforma do sistema político. Sem dúvida, o povo está muito cético sobre a natureza do atual sistema político, há muitas falhas no atual sistema de representação e organização partidária. As empresas aumentam cada vez mais sua influência sobre os partidos e os políticos eleitos.
Por isso, defendemos uma reforma política que realmente represente maior democratização do sistema de poder e representação em todos os níveis, como partidário, Legislativo, Judiciário e Executivo. Precisamos criar mecanismos concretos para que o povo possa participar e decidir. Afinal, a nossa Constituição é clara: todo poder emana do povo. Esse debate precisar ser levado para toda sociedade e não ficar restrito aos corredores do Congresso.
Nossos movimentos, em conjunto com a ABONG (Associação Brasileira de ONGs), CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) têm propostas claras de democratização do sistema político brasileiro.
07. Democratizar o poder
Estamos estarrecidos com o poder oligopólico e manipulador dos meios de comunicação de massa, cada vez mais concentrados, que agiram de forma despudorada assumindo candidaturas nas últimas eleições. Por isso, achamos que a democratização dos meios de comunicação social é condição fundamental para a democracia em nossa sociedade, e assim propomos:
– que o governo cesse a repressão às rádios comunitárias, e ao contrário, crie mecanismos de apoio e estímulo à instalação de rádios e tvs comunitárias;
– que o governo crie uma rede pública de televisão, prevendo a ampla participação dos jornalistas e entidades da sociedade brasileira;
– que a utilização das verbas públicas de publicidade também leve em consideração os veículos menores e mais democráticos;
– que o governo se some à iniciativa da Telesur, filiando a Radiobrás.
E ao mesmo tempo, é necessário que o governo crie novos mecanismos práticos para que entidades representativas da sociedade e da classe trabalhadora participem dos conselhos políticos econômicos que tomam decisões importantes para a sociedade brasileira. Assim, queremos a participação de nossos movimentos nos conselhos deliberativos:
– das empresas estatais;
– do Copom (Comitê de Política Monetária), que define a taxa de juros;
– do conselho de biossegurança;
– do CMN (Conselho Monetário Nacional);
– das agências de energia elétrica, telefonia e comunicação, de transportes etc;
08. A defesa da soberania nacional
O modelo neoliberal defende e usa todos os mecanismos possíveis para quebrar os interesses nacionais, nossas fronteiras, nossos recursos naturais e nossa cultura. É necessário que o governo e a sociedade brasileira tenham uma atitude mais ativa em relação a defesa dos interesses nacionais, de todo o povo brasileiro.
Por isso, conclamamos a que o governo brasileiro tenha uma postura de maior defesa de nossa Amazônia e sua biodiversidade. Apoiamos as iniciativas de fortalecimento e de maior integração política, econômica, social e cultural com os países e povos da América Latina. Somos contra acordos comerciais de livre comércio e de liberdade ao capital, como
estão sendo gestados na OMC (Organização Mundial do Comércio), no tratado União Européia – Mercosul e com o governo de Israel.
As reservas de petróleo são patrimônio de todo o povo e não podem ser leiloadas para exploração de empresas estrangeiras. Estaremos mobilizados para que a decisão judicial, que prevê a anulação do leilão de privatização da companhia Vale do Rio Doce, seja cumprido. A Vale do Rio Doce é um patrimônio de todo povo e não pode mais seguir sendo uma máquina de espoliação de nossos recursos naturais em prol de uma minoria de capitalistas e de banqueiros, sendo que 48% de suas ações já estão sob controle de estrangeiros.
Apoiamos as medidas respeitosas à vontade popular da Bolívia, do Equador e de nossos povos irmãos para que a Petrobrás e o BNDES respeitem, em primeiro lugar, seus direitos.
É necessário que o governo apresente um plano de retirada das tropas brasileiras do Haiti e que se implemente em compensação um programa de desenvolvimento e de apoio econômico e social ao povo irmão do Haiti.
Senhor Presidente,
Sabemos das dificuldades naturais que o governo enfrenta. Mas chegou a hora do governo fazer uma clara opção de priorizar em todas as suas medidas, seja da política econômica, da política internacional, enfim de cada um dos seus ministérios, a atenção para as camadas mais pobres de nossa população, que são ampla maioria e que foram seus eleitores.
É necessário que o Estado seja um agente da justiça social. O Estado precisa usar suas políticas para, em nome da sociedade, combater a pobreza, a desigualdade social e o desemprego, as três maiores chagas sociais que atingem o nosso povo. Esperamos que o compromisso político, público, assumido principalmente com os mais pobres nas últimas eleições, seja integralmente cumprido.
De nossa parte, Sr. Presidente, os movimentos sociais que compõem a CMS reafirmam sua determinação de estarem mobilizados e lutar ? na cidade e no campo – pelas transformações sociais, políticas e econômicas que o país precisa e o povo brasileiro tanto necessita. Este é o nosso compromisso.
Atenciosamente,
Coordenação dos Movimentos Sociais – CMS