Tradução: Cyro Soares
A Campanha Palestina pelo Boicote Cultural e Acadêmico de Israel (PACBI) está profundamente preocupada com a decisão da União Geográfica Internacional (IGU) de manter sua conferência regional em Israel neste mês de julho [entre os dias 12 e 16]. Pedimos que a IGU transfira essa atividade para outro local na região, e apelamos a todos os geógrafos para que não participem do evento, caso isso não aconteça.
Boicotes culturais e acadêmicos podem ser medidas eficazes contra o controle colonial sobre o povo palestino, em conformidade com as leis internacionais. O chamado por boicotes acadêmico e cultural a Israel de 2004 [[[1]]], assim como o pleito da sociedade civil palestina por boicote, desinvestimento e sanções (BDS) em 2005 [[[2]]], baseia-se no mesmo princípio moral da campanha contra o regime de apartheid na África do Sul: cidadãos conscientes devem se posicionar contra a opressão e usar todos os meios de resistência civil disponíveis para pôr fim a essa situação.
Em um momento no qual o movimento internacional para boicotar instituições culturais e acadêmicas de Israel ganha espaço em resposta à flagrante transgressão de direitos políticos e humanos dos palestinos, pedimos à IGU que reflita sobre as implicações de sua decisão de realizar sua conferência regional em Israel. Como intelectuais, vocês devem estar cientes que Israel tem descumprido a lei internacional há décadas. Como as potências hegemônicas são agentes em favor das políticas opressivas e coloniais de Israel, acreditamos que o único caminho para alcançar justiça é a atuação sustentada por parte da sociedade civil internacional e palestina para pressionar Israel e suas instituições cúmplices pelo fim da ocupação de territórios.
A academia israelense está profundamente implicada em prover a racionalidade ideológica e base “científica” para a continuidade das políticas coloniais de Israel. A geografia, especificamente, tem tido por décadas um papel decisivo na (re)produção do imaginário sionista e de mitos que têm negado a existência do povo nativo daquela terra – um povo sem terra por uma terra sem povo –, para justificar essa colonização. Como o geógrafo Ghazi Falah tem argumentado, a natureza étnica do Estado de Israel e da ideologia colonial sionista na qual foi formado transformou a ciência da geografia em uma poderosa ferramenta política e ideológica e geógrafos, com raras exceções, em agentes não críticos da política estadual israelense [[[3]]].
O conhecimento geográfico produzido pelo establishment acadêmico israelense tem sido essencial para constituir o aparato espacial de segregação étnica e destruição estabelecido pelas estruturas militar e civis de Israel. Como o arquiteto Eyal Weizman tão objetivamente descreveu, assim como o tanque, a arma e a escavadora de terraplanagem, planejamento espacial e desenvolvimento de infraestrutura provisionam “não só o teatro da guerra, mas também suas armas e munição” [[[4]]]. É o que o sociólogo Sari Hanafi tem definido como espaçocídio, o ataque sistemático da geografia palestina como espaço habitável [[[5]]].
Departamentos de Geografia em instituições israelenses provêm estrutura acadêmica para as políticas de limpeza étnica, exclusão, desapropriação e discriminação racial contra palestinos tanto dentro de Israel quanto nos territórios ocupados. São cúmplices, seja por colaboração ativa com autoridades do sistema governamental e regional através de experts e atividades de pesquisa ou por sua tolerância por acadêmicos racistas mascarados de estudiosos. É o caso por exemplo de Arnon Sofer, o geógrafo israelense da Universidade de Haifa que orgulhosa e consistentemente reivindica a autoria da ideia do muro de segregação que corta ilegalmente a Cisjordânia separando comunidades, anexando para Israel as terras mais férteis e ricos aquíferos subterrâneos. Ele também é conhecido como o profeta da “ameaça demográfica árabe”.
Ter Israel como palco para a conferência regional da IGU sob o tema “Construindo ponte entre diversidade e mundo globalizado” é desonestidade para dizer o mínimo. De acordo com o site do evento, “desde [sua] fundação, há cerca de 60 anos, Israel tem sempre buscado servir de ponte no Oriente Médio”. Suas alegações de que “nenhum lugar reflete melhor o tema” [6] ignoram o sofrimento humano e a destruição material provocadas pelo poder estabelecido de Israel na Palestina histórica. Em sua empreitada de construir e “proteger” um Estado judeu demograficamente exclusivo por meios da expulsão dos habitantes nativos daquela terra, confisco e roubo de recursos naturais, desmonte da infraestrutura urbana e rural e extensivas políticas de zoneamento racistas e discriminatórias, Israel destruiu cada ponte com o povo nativo da Palestina, bem como com seus vizinhos árabes. Diversidade é claramente incompatível com a natureza segregacionista da ideologia colonial sionista.
Israel é enaltecida na literatura da conferência por suas “originais respostas ecológicas e ambientais para manter a diversidade física da paisagem natural”. A realidade é outra: sua política colonial tem se baseado na usurpação de terras e recursos naturais dos palestinos; no esgotamento deliberado dos aquíferos de Gaza, precipitando maior desertificação; na quebra de corredores naturais, com a construção do muro do apartheid, provocando inundações periódicas de campos de agricultura palestinos durante a estação chuvosa; na destruição sistemática do meio ambiente, com arrancada de árvores para a construção de assentamentos ilegais; e na transformação de terras palestinas em depósitos de lixo.
Provas adicionais do apartheid promovido pelo Estado sionista são dadas nos detalhes das numerosas “viagens excitantes” oferecidas a participantes da conferência para que eles possam “explorar a diversidade única de Israel”. As viagens são exemplo do turismo colonial; mostram uma terra limpa de qualquer traço do passado – ou presente – do povo nativo, sua sociedade e cultura. Palestinos simplesmente não existem.
Seria inimaginável que um corpo de intelectuais se reunisse em uma conferência na África do Sul sob o apartheid; por quê deveria ser aceitável que geógrafos realizem uma em Israel?
Clamamos aos membros da IGU e geógrafos do mundo todo que pressionem pela mudança do local de realização da conferência. Caso essa demanda não seja acolhida, reivindicamos um boicote extensivo da atividade. Nenhum grupo profissional respeitável deveria se aliar a um regime de apartheid.