Cada dia maior, a greve que convida o Brasil a resistir

A greve dos bancários chegou no dia 28 (quarta-feira), ao seu vigésimo terceiro dia de paralisação nacional, com uma pauta de reivindicações que prevê a reposição da inflação do período mais 5% de aumento real, o piso salarial no valor do salário mínimo calculado pelo Dieese, de R$ 3.940,24 em junho-, o Plano de Participação nos Lucros e Resultados (PLR) de três salários mais R$ 8.317,90, valização do vale refeição e vale creche, além de melhores condições de trabalho.

O olhar da categoria, porém, vai para além dos bancos, e observa uma conjuntura de perdas de direitos avassaladora: de pessoas que precisarão trabalhar até morrer, se a reforma da previdência pretendida pelo governo for aprovada, ou de 20 anos sem investimentos nas políticas fundamentais, como saúde e educação.

É desse momento da categoria que cruza os braços enquanto o movimento sindical brasileiro ensaia a convocação de uma greve geral contra os retrocessos, que o direito do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Dionísio Reis Siqueira, fala à Rachel Moreno, nesta entrevista à Ciranda.net. Ele fala da dificuldade dos bancários em manter o fôlego de uma paralisação tão longa, mas também da persistência. Diante da mobilização sindical das centrais brasileiras por “nenhum direito a menos”, que poderá ser engrossado com a deliberação de outras categorias, como os petroleiros, nos próximos dias, o sindicalista fala do esforço dos bancários em contribuir: “a gente espera que a influência seja positiva no sentido de construir a luta contra essa retirada de direitos”

Confira a entrevista:

Cnet – Amanhã será o 24° dia de greve. O que os bancários querem e como andam as negociações?

Os bancários querem melhores condições de trabalho, querem negociar a questão do emprego – já são 13 mil postos de trabalho no ultimo período reduzidos nos bancos e principalmente o aumento do salário, um PLr maior, e nenhum direito a menos.

Ontem tivemos negociação, e os bancos insistiam já há 3 meses com uma proposta abaixo da inflação de 7%, com um abono de 3.300,00. E ontem apresentaram uma mudança de modelo, que seria uma proposta que contemplaria um aumento real no segundo ano, Seria uma acordo de dois anos e, para os banqueiros, uma garantia de não ter greve no ano que vem, por conta de índice.

Nós ficamos de ver a proposta que eles vão apresentar para a gente, hoje, no 23º dia da greve, às 3h da tarde.

Cnet – Qual a dimensão da greve neste momento (quantas agências, etc)

São mais de 13 mil agências fechadas no Brasil inteiro. Diversos sindicatos filiados à Contraf/CUT, que representa mais de 90% de bancários do país. Tem sindicato que tem mais de 100% das unidades fechadas. Não se encontra mais agência de diversos bancos abertos pelo país. No dia 22, em que nós nos agregamos à paralisação por nenhum direito a menos, pelo Fora Temer, na preparação da greve geral, os bancários, que já estavam em greve, fizeram uma grande paralisação na base em São Paulo, parando as três matrizes – o SEIC do Itaú, a Cidade de Deus e a Torre do Santander. Nesse dia, nós paramos menos agencias, mas paralisamos cerca 60 mil bancários só na base do Sindicato dos Bancários de São Paulo, nossa região.

Cnet – De onde vêm o fôlego dos bancários para tantos dias de greve? Qual a perspectiva para os próximos dias?

Nós temos uma greve que, nos bancos públicos, tem atingido cerca de 30% dos bancários do Banco do Brasil, por volta de 50% dos bancários da Caixa, paralisados espontaneamente.

É lógico que a falta de informação, a falta de proposta, cria uma ansiedade nestes bancários que podem querer voltar a trabalhar.

Na segunda-feira que vem, se chegarmos lá parados, estaremos batendo o record da greve mais longa da história dos bancários, já que o máximo que já teve foi de 28 dias. O fôlego nos bancos privados depende muito da militância para fazer piquete. Muitos sindicatos têm limitações, acham que aguentam pelo menos essa semana, Então nós temos problemas com isso, mas as bases mais fortes, os sindicatos mais fortes podem segurar mais esta greve.

Cnet – A conjuntura política do impeachment, conservadorismo e ambiente criado pela Lavajato estão influenciando a categoria? De que forma?

Perspectiva … Os banqueiros puseram um novo modelo, chorando este ano presente, dizendo que não vão conseguir um aumento real, os negociadores da Fenaban e os representantes dos RH dos bancos. Mas a perspectiva é arrancar dos banqueiros, num período maior, que seja em dois anos, ao fim do qual, passada a próxima data-base, de 1º. de setembro de 2017, (teríamos) a diferença da inflação de 2016, 2017 e mais um aumento real. Isso seria uma proposta factível de dois anos para os bancários, que têm diversos temas a discutir: saúde do trabalhador, emprego, igualdade de oportunidade. Nossos vales – VR, o VA – têm que ter um reajuste maior que a inflação, porque a inflação dos alimentos é maior do que a atualização de nosso vale. Nossa creche-babá também tem um valor que não consegue efetivamente custear uma creche para as bancárias e bancários do Brasil – então esse são pontos com relação aos quais a gente também quer avançar.

Cnet – Como os bancários avaliam os rumos da política econômica do país e como isso pode  afetar os direitos dos trabalhadores?

A categoria bancária é de classe média, nunca foi muito progressista, mesmo. A gente nunca viu este movimento muito progressista nos bancários. Mas os movimentos aí da Lava Jato, os movimentos conservadores atingem muito os bancários. A gente vê, por exemplo no facebook do sindicato, a gente vê bancários nessa altura do 23º dia de greve, discutindo e dizendo que dizer “presidenta”, no nosso sindicato, tá errado. Que a gente deveria chamar a Juvândia de “presidente”. Isso mostra um pouco o jeito de pensar.

Cnet – A greve dos bancários está influenciando, encorajando outras categorias de trabalhadores em campanha salarial?

Bom, a gente tem visto já presidente de banco, inclusive de banco público, defendendo a PEC 241 que, na visão dos bancários, é o apocalipse, é o fim de nosso país: durante 20 anos reduzir, baixar o investimento, congelar o investimento da saúde, da educação, os gastos sociais e corrigir só a inflação, mantendo aí uma Selic de 14,25 e remetendo os juros da dívida pública, o dinheiro dos gastos públicos, que seriam gastos sociais, para fazer o superávit primário e pagar os banqueiros, ao invés de investir em saúde e educação, isso aí é o apocalipse.

Produzimos uma cartilha sobre a previdência – sobre a falácia do rombo da previdência. É muito importante este material. Todo mundo tinha que dar uma olhada, a gente tem disponível inclusive em pdf. Firmar a idade mínima em 65 anos é dizer que grande parte dos trabalhadores deste país vão ter que trabalhar até morrer.

A flexibilização dos direitos trabalhistas, o acordado sobre o legislado – apesar de ter o sindicato, uma convenção nacional, com diversos direitos firmados acima da lei – os bancários vêem isso como retrocesso, uma vez que grande parte da categoria, inclusive uma grande parte de outras categorias que trabalham nos bancos – os vigilantes, recepcionistas, pessoal da limpeza – já tem hoje os seus direitos atingidos o tempo todo e tem que recorrer ao judiciário para ter direito à CLT. Se flexibilizar, vai ser botar uma quantidade de trabalhadores muito grande em situação análoga à escravidão.

Cnet – Além dos metalúrgicos, que tem greve prevista para o final deste mes em todo país, é possível que bancários se somem a uma greve geral contra os retrocessos?

No 2º semestre, nós já tivemos assinatura de acordo pelos Correios, a gente está vendo a discussão dos petroleiros que, além do índice, levanta a defesa da Petrobrás. A gente está vendo que os bancários defendem, além de todas as questões corporativas, os bancos públicos. Mas o que a gente tem visto, dos acordos do segundo semestre, é uma pressão patronal de vencer o movimento sindical, o que é preocupante. A gente espera que a influência seja positiva no sentido de construir a luta contra essa retirada de direitos.

Os bancários, desde o princípio vêm participando das paralisações, da preparação da greve geral. Temos consciência de que não é um movimento que se faça por decreto. As principais categorias que têm que se envolver são as dos transportes, que não tem tido cultura de participar. Antes mesmo do golpe, fizemos diversos dias de paralisação em que o metrô, os metroviários…Tem tido um movimento muito forte e a gente tem visto que o pessoal dos transportes não tem participado, o que seria importante. Mas, na discussão de uma greve geral, os bancários estão na frente disso.

Como está o ânimo da população em relação a esta greve? E dos movimentos sociais?

Interessante, este ano, a população veio com uma aceitação maior de nossa greve – algo que deveria ser até estudado. Nós, em greve, não conseguimos fazer grandes ponderações sobre este tema, por estar no dia-a-dia, na luta. Mas a população, estranhamente para nós, tem apoiado nosso movimento grevista. O povo normalmente não gosta muito dos banqueiros. Mas normalmente, por atrapalharmos a população fechando as agências, o povo costuma reclamar muito – o que, este ano, não tem acontecido.

Cnet – O jornalista Altamiro Borges avalia que a mídia está escondendo a greve dos bancários, conforme artigo recente. Como está a repercussão neste momento?

Costumeiramente a grande mídia, o PIG – Partido da Imprensa Golpista, chamado assim pelo Paulo Henrique Amorim e pelos outros blogueiros, esconde a greve dos bancários. Nossa esperança na mídia é a Rádio Brasil Atual 98,9, que a população ouça mais, com os bancários inclusive participando dos piquetes e mandando no zap-zap da rádio para ouvir musica brasileira de qualidade.Temos bastante esperança na TV dos Trabalhadores, a TVT, que deve ampliar a sua programação. Hoje atua principalmente via internet e também está na net e na tv digital.

Agora, na mídia, no geral, não podemos ter muita expectativa. Sempre esconderam a greve dos bancários, já são 13 anos que fazemos greve e tem gente que vem: “agora, porque mexeram com Lula, mexeram com a Dilma, vocês fizeram greve”. Isso é muito interessante porque comprova a ignorância da população sobre a questão a greve dos bancários, e como isso pode alimentar o ódio também.

Este ano, temos visto estranhamente diversas inserções na mídia sobre a greve dos bancários. Podemos fazer essa ponderação, de que também não é bem assim. Lógico que eles escondem como de costume. Mas, inclusive anteontem passaram o número correto de paralização de 57% das unidades do país, inclusive no Jornal Nacional da Rede Globo.

Colaborou com perguntas: Rita Freire

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