Bases da Teoria da Interdependência Estrutural das Esferas – 4
07 de janeiro de 2010, da Vila Setembrina, Bruno Lima Rocha
Esta Base de Teoria (dimensão intrínseca e axiomática) tem uma ancestralidade que vai muito além do período de doutorado, da pós-graduação em ciência política na UFRGS e até mesmo na relação com o ensino formal. Neste breve artigo de difusão científica – o quarto de uma série de cinco, interrompida com o recesso de fim de ano – exponho o foco do trabalho inicial, as áreas que podem ser desenvolvidas, as vinculações acadêmicas e alguns possíveis desdobramentos. Entende-se que essas informações irão facilitar a compreensão do leitor do texto, do contexto e da intencionalidade encontrada.
Antes de entrar na parte autoral, entendo como importante ilustrar a dimensão de democracia que aqui trabalho a partir da citação do jornalista espanhol Rafael Cid. Este é, no presente momento da Península Ibérica, um dos mais ativos e relevantes intelectuais-militantes no campo da esquerda social e não parlamentar. Em um debate a respeito da substância democrática, apresentado em artigo “A Verdadeira Democracia” (Revista Polémica, Barcelona, dezembro de 2008), ele nos coloca um conflito latente a ser canalizado por instrumentos de participação permanente como o advogado por mim ao longo dos artigos de difusão científica:
O fator expansivo da democracia participativa do demos frente a democracia oligárquica das elites tem uma manifestação colateral na explosão cívico-cultural que historicamente vêm acompanhando a suas escassas manifestações Isto prova que, a extraordinária capacidade criativa inserida nas energias que são liberadas quando o povo rege seu próprio destino sem interferências nem representações profissionais.
(Rafael Cid, 2008, p.36)
Para dar vazão a este conflito, por vezes latente, noutras permanente, entre a explosão de participação do demos frente ao cratos profissional e de dedicação a tempo completo é que se faz necessário o estudo científico de Organizações de base política não intermediárias e que tenham como atividade-fim a democracia radical e a atividade-meio o aumento da participação contestatória. Não é por acaso que a ciência política de corte hegemônico-clássico (liberal e procedimental) ignora solenemente esta forma organizativa e as esquerdas de tradição autoritária apenas a associam com verticalidade decisória. Ignorar voluntariamente também é fazer desaparecer.
Entende-se que o estudo de partido político finalista com democracia interna é uma lacuna na ciência política, mesmo considerando os estudos dos chamados “partidos revolucionários”. Em geral, se naturaliza, tanto na interna do campo como na sociedade, o modelo de partido de representação, ou o intermediário entre setores da sociedade e o desenho formal do exercício do poder. Um partido, ou organização política, que atue tendo a democracia social (participativa, substantiva, deliberativa, com multiplicidade de formas de representação e delegação, democracia radical) como valor indispensável é uma via de estudo da ciência política que vai ao encontro da Teoria Democrática que está por ser construída.
A participação política específica por fora das concorrências da democracia representativa não é exclusividade dos chamados “movimentos sociais” e o desenvolvimento deste estudo é uma lacuna na politologia, por mais aberta e ampla que seja seu espectro. Parte da intencionalidade do esforço aqui apresentado de somar no avanço do estudo desta modalidade de partido político, onde se professa uma ideologia libertária e libertadora, tem-se uma base doutrinária e aposta-se na arena não-institucional para construir outra institucionalidade como forma de exercício de poder contra-hegemônico ainda sob o regime de democracia formal.
A outra ancestralidade, do cárcere político à politologia acadêmica
Em textos de difusão anteriores eu havia apresentado, de forma mais que sintética, o pensamento político e científico do historiador e militante libertário do Uruguai, Raul Cariboni. Neste agora exponho outras ancestralidades da Base da Teoria da Interdependência, estas apreendidas e desenvolvidas a partir de 1973, já na Argentina. Como se nota, aqui se expressa um passado teórico e uma vinculação ontológica e ideológica. Opto por apresentar esta dimensão de forma direta por opção metodológica. Isto porque colaborar com o avanço desta escola de pensamento no âmbito acadêmico também é uma intenção permanente do trabalho.
Nos estudos coordenados por Cariboni (Uruguai, 1968-1973), que pode ser considerado material de teoria empírica ou de médio alcance, se apresenta uma teoria política de transformação social, baseada na análise estruturalista, nas idéias-guia do pensamento libertário politicamente organizado e tomando como sujeito protagonista as maiorias mobilizadas. Também se encontra a fundamentação ideológica-doutrinária e teórico-epistemológica para o uso sistemático da força simultaneamente da prática de democracia como um valor fundamental tanto na interna da organização, nos ambientes político-sociais e sociais, assim como na montagem de um espaço público do movimento popular onde as distintas posições fossem toleradas em uma idéia de ruta común. O conceito de interdependência estrutural, de que a política é a síntese decisória discursiva e de que a ideologia é transversal a todas as esferas se condensa nesse período.
Os canais por onde a Interdependência passou se dão, a partir de 1973, em duas vias. Uma, dentro do Uruguai, nos grupos de estudo organizados pelos militantes da FAU encarcerados no sistema político-prisional uruguaio, em especial no Penal de Libertad. Neste lugar se estrutura e se aprofundam os estudos em cima da obra de autores como Foucault, Althusser e Poulantzas. O conceito de classe não centralizado na categoria exploração econômica ali ganha concretude.
Outra etapa de construção da ancestralidade desse trabalho se dá também com militantes da FAU, encarcerados políticos no sistema prisional argentino, em especial na Penitenciária de Máxima Segurança de La Plata, Província de Buenos Aires. Nesta prisão, o autodidata argentino Mauricio Malamud ministrava, na cadeia, cursos de formação aproximando o pensamento estruturalista e o campo nacional-popular. O desenvolvimento das categorias de discurso, estrutura de pensamento, importância da linguagem, sociologia do conhecimento, a questão da identidade se condensa e ganha forma nesse período.
A minha relação direta com alguns operadores políticos que passaram por estas etapas de formação se dá a partir de dezembro de 1994. Já a contribuição direta neste processo específico de formulação iniciou-se em abril de 1998, no bairro do Cerro de Montevidéu e após na cidade de Colônia do Sacramento. O que hoje se formaliza como tese de doutoramento, tem sua estrutura em cima de uma série de estudos e material de formação não-acadêmica que tive a oportunidade de ajudar a formular, antes mesmo de adentrar na pós-graduação em ciência política. Este esforço se dá em grande parte, e não em sua totalidade, em função de permanente compromisso militante.
Nesta formulação, o tema da tese e agora da difusão científica – a Organização Política e seu papel – é de longa data objeto de estudo e experimentação. Já a Interdependência Estrutural é fruto de uma pesquisa retomada em 2003, cujo texto base em formato não acadêmico foi concluído somente em novembro de 2007, nas cidades fronteiriças de Santana do Livramento e Rivera, na Fronteira Oeste do Rio Grande. Eis o porquê da data remota da conclusão da Teoria (em março de 2009), considerando que iniciei o doutorado em março de 2004. O material original serve como inspiração, fonte direta e matriz teórico-epistemológica.
O trabalho apresentado, conforme corresponde é autoral; mas de inspiração coletiva. O processo cumulativo científico que temos no campo acadêmico se dá de forma parecida no universo da esquerda não-parlamentar. A diferença está nos ritos e formalidades, que são distintos. Aguardei o documento que tem papel fundacional para a Interdependência das 3 Esferas porque, da mesma forma que seria impossível desenvolver estudo em cima da teoria habbermasiana (por ex.) sem a obra de Jungen Habermas, seria impraticável desenvolver uma teoria de médio alcance sem os fundamentos da matriz a qual esta se filia.
Conforme já havia exposto, na seara acadêmica por excelência, o elo da história com a disciplina de estudo se encontra no acionar libertário e na aproximação com os chamados estruturalistas, ainda na acirrada conjuntura latino-americana da segunda metade dos anos 1960.
Possibilidade de ampliação da Base da Teoria da Interdependência para além da dimensão política da Radicalização da Democracia
A partir deste trabalho se abrem algumas vias de estudo, tais como: de novo desenho institucional; do experimentalismo político-jurídico; de estudo das teorias e formas de mobilização popular; de ação coletiva fomentada por minorias políticas; de definição do sentido de democracia como exercício de direitos, liberdades, distribuições e garantias; do processo de acumulação de forças através da radicalização democrática; do estudo dos conflitos de baixa intensidade e participação massiva; da dimensão ideológica transformadora (a mentalidade de câmbio profundo).
O conjunto destes estudos derivados deste trabalho se orienta por uma dimensão normativa que visa o exercício das liberdades políticas, religiosas, culturais, identitárias, individuais, étnicas sobre uma estrutura societária sem classes, de organização político-jurídica-administrativa federalista e economicamente distributivista. A sentença acima resume a normatividade encontrada no conjunto de artigos de difusão científica e nesta série em particular. Afirmo esta normatividade porque vou ao encontro da afirmação de Cid (2008, p. 37)
Do contrário, se o povo termina suplantado pelas elites e reduzido a um espelhismo epistemológico, o sistema político se converte em ‘roleta russa’ reversível. Esta serve igual para passar legalmente de uma situação de ditadura a outra de democracia pactuada (como a transição espanhola do Pacto de Moncloa), assim como o caminho inverso, da democracia dos espelhismos elitistas ao totalitarismo.
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