Depois de três anos de discussões sobre a regulamentação da publicidade de alimentos e bebidas não saudáveis direcionada à criança, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ainda não se pronunciou oficialmente sobre o tema e, pelo que já foi noticiado pela grande imprensa, sua nova proposta será extremamente tímida em relação à proteção às crianças. Para especialistas que acompanham o caso, um retrocesso em comparação ao texto colocado, pela própria Anvisa, sob consulta pública, em 2007. Inicialmente, a agência trazia disposições específicas para evitar que o público infantil fosse bombardeado com propagandas de alimentos com quantidades elevadas de açúcar, de gordura saturada, de gordura trans, de sódio e de bebidas com baixo teor nutricional.
Pela proposta inicial, comercias de alimentos com quantidades elevadas de açúcar, de gordura saturada, de gordura trans, de sódio e de bebidas com baixo teor nutricional somente poderão ser veiculados na TV e no rádio entre as 21 às 6 horas. Também não seria mais permitida a oferta de brindes, prêmios e bonificações condicionada a compra de tais alimentos. Brinquedos, filmes, jogos eletrônicos e qualquer tipo de mídia não poderão mais fazer merchandising com estes produtos. E mais: seria vedada a produção de material educativo voltado para meninos e meninas que incluam ou façam alusão a este grupo de comestíveis e bebidas.
O objetivo era diminuir o avanço das chamadas Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT) junto ao público infantil. Segundo o Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, as DCNTs são, ainda hoje, responsáveis por quase 50% das mortes no país. Pesquisas revelam que, num intervalo de 20 anos, a obesidade de crianças e jovens triplicou: de 4,1%, em 1975, de acordo com o Estudo Nacional da Despesa Familiar – 1974/1975, para 13,9%, em 1996, pelos cálculos da Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde – 1997.
“Em todo o mundo, a propaganda de alimentos, especialmente os anúncios voltados para crianças, transformou-se numa importante arma para os grandes negócios. No Brasil, como em qualquer outro lugar, a maioria dos comerciais trata de alimentos energeticamente densos, elevados em calorias que geralmente também são pobres em vitaminas e minerais. Crianças gostam desses anúncios, e consomem prontamente os produtos anunciados. Numa pesquisa com crianças entre 6 e 13 anos, 70% mostraram interesse em provar estes alimentos depois de assistirem à propaganda na televisão. 40 a 66% das crianças já haviam consumido pelo menos um produto anunciado no dia anterior e 75% compraram os alimentos anunciados na TV com ofertas de brindes ou prêmios. Os percentuais são ainda maiores entre crianças dos grupos com menor renda e escolaridade”, afirma Corinna Hawkes, diretora do Programa de Pesquisa em Qualidade e Mudança dos Padrões de Alimentação do International Food Policy Research Institute, de Washington (EUA).
Na última terça-feira (dia 30 de março), representantes do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) se reuniram com técnicos da Anvisa, reiterando o posicionamento da entidade a favor da manutenção da proposta inicial. “A publicação de uma resolução recortada, sem disposições efetivas relacionadas à defesa da criança, não é satisfatória e vai contra todo o processo democrático de discussão do texto da regulamentação”, ressalta Daniela Trettel, advogada do Idec.
Em entrevista à revistapontocom, a publicitária Nádia Rebouças lamenta o fato de a Anvisa retroceder. No entanto, Nádia é otimista. Em sua opinião, as transformações vão amadurecendo, até que a pressão social leva a novos momentos. “As empresas já perceberam, criaram suas restrições. Amadurece a mãe mais informada. Muitas mães hoje já criaram até o ‘dia da porcaria’, uma idéia fantástica. Para não deixar a criança totalmente fora da média, elas criaram o dia da porcaria, conscientizando a criança de que determinados alimentos não são adequados. Mais mães lêem rótulos, educam as crianças e assim vamos avançando para outros patamares. Adoro a frase do I Ching usada por Frijot Capra: quando a mudança está madura, ela se opera sem esforço. É natural que alguns não percebam. Outros percebem o movimento e tentam retardá-lo. Outros, simplesmente, mudam porque já entenderam que marca tem mais que imagem, tem reputação”.
Por: Marcus Tavares (revistapontocom)