A Seleção a Serviço da Cerveja

É desanimador, profundamente desanimador, assistir na televisão, várias
vezes ao dia, às propagandas que mostram craques da seleção brasileira de
futebol induzindo a população a ingerir bebida alcoólica. Realmente, o
técnico Dunga e jogadores que integram ou já integraram a seleção ali estão,
presumivelmente por dinheiro, a estimular aqueles que os admiram a esse
vício, que representa drama dos mais sérios para milhões de pessoas neste
país: o alcoolismo.

Subliminarmente, tal propaganda enganosa procura associar o êxito e a
vitalidade física ao hábito de tomar uma determinada marca de cerveja. Esse
comportamento reprovável já contagiou, irremediavelmente, o jogador Ronaldo
e depois, isoladamente, o técnico Dunga. Ambos se prestam docilmente a
apontar à juventude que é bom e saudável beber cerveja.

Mas, agora, o que aparece nos filmes é muito pior – é a imagem da própria
seleção brasileira de futebol, com vários de seus integrantes, a pedir aos
brasileiros que bebam a referida cerveja. A seleção é assunto nacional e por
isso mesmo revolta.
Não se pode imaginar que isso seja feito de graça, e sim por dinheiro,
aquilo que o conselheiro Acácio chamava com ironia de vil metal. Enfim,
excelentes exemplos de atletas de nosso país, que deveriam servir de modelo
para a juventude, corrompem-se dessa forma, projetando uma imagem da qual
talvez um dia se arrependam.

Os profissionais da área publicitária sempre dizem que a filosofia por trás
da propaganda está baseada na velha observação de que todo homem é, na
realidade, dois homens: o homem que ele é e o homem que gostaria de ser.
Isso parece estar evidente no caso referido, porque é incalculável o número
de jovens brasileiros que gostariam de ser iguais a Dunga e aos jogadores da
seleção.

Mas para isso será que é necessário beber cerveja? Sobretudo para os
adolescentes, essa propaganda infeliz se mostra danosa, porque associa
vitalidade e sucesso ao gesto nada recomendável de beber cerveja, em vez de
simplesmente praticar esporte e tornar-se saudável.
No momento em que esse engodo se processa pelas televisões brasileiras, é
curioso observar que o mais expressivo jogador de futebol de todos os
tempos – o incomparável Pelé – nunca apareceu em anúncios associando sua
imagem a bebida. Essa conduta, sem nenhuma dúvida, serviu para que Pelé
sempre seja visto com respeito.

Também nunca se viu o cantor Roberto Carlos, tão em voga nestes dias,
prestar-se a esse comportamento abominável. Décadas atrás, quando uma frase
de sua autoria era repetida por todo o Brasil – “É uma brasa, mora?” -,
conta-se que lhe ofereceram uma fortuna para que dissesse: “É uma (marca de
cerveja), mora?” Mas ele se recusou e, assim, o seu exemplo se manteve
íntegro.

Os criadores de propaganda não se incomodam com os efeitos danosos de algum
veneno embutido nos produtos que conseguem enfiar goela abaixo dos
consumidores. Para eles, o essencial é vender, o que se compreende, porque
são pagos para isso.
Mas é evidente que, ao ver o filho adolescente bebendo cerveja, porque,
afinal, o Ronaldo toma, o Dunga toma, talvez eles se perguntem, ao olhar no
espelho, se estarão fazendo a coisa certa.

Do ângulo dos produtores de cerveja, emerge um gesto de hipocrisia ainda
pior, porque, ao final de cada propaganda veiculada, acrescentam o pedido de
que se beba como moderação, como se isso os absolvesse de qualquer censura.

Os romanos, ao longo do domínio secular que exerceram sobre a Europa, a
África e a Ásia, sempre repetiram uma frase de extraordinário significado:
“Corruptio optimi pessima”, que significa a corrupção do melhor é a pior.

Pessoas que se destacam e se tornam públicas, como é o caso de atletas,
jogadores e artistas, estão permanentemente sob a luz dos holofotes e
deveriam ter um mínimo de respeito ético em relação ao país que lhes
permitiu a consagração. Enfim, deveriam devotar amor ao Brasil e aos
brasileiros, e não ao dinheiro.
Mas, infelizmente, vê-se que o amor ao dinheiro cresce tanto quanto o
próprio dinheiro. Isso é especialmente grave quando os beneficiários dessa
conduta usam o próprio País, ou seja, se prevalecem de estar na seleção
brasileira de futebol, sonho tão grandioso, para fazer propaganda de
cerveja. Como se a seleção brasileira fosse deles.

É difícil acreditar que exista algum patriotismo nesse comportamento, além
da avidez por uma gorda conta bancária. Não se pode dizer que haja crime
nessa conduta, mas, sem dúvida alguma, trata-se de comportamento reprovável
que alcança, por omissão e cumplicidade, as autoridades responsáveis pela
seleção brasileira.

Não se haverá de exigir que jogadores de futebol não se deixem levar, uma
vez ou outra, pelo prazer de tomar um gole de cerveja. Será natural que isso
ocorra. Mas não é natural, nem desejável, que assumam uma conduta pública
que atua em desfavor deles próprios.

É possível que a questão divida as opiniões e sem nenhuma dúvida haverá os
que considerem natural um craque da seleção brasileira induzir os jovens ao
hábito da bebida. Mas sempre haverá também alguns, como eu, que jamais
aceitarão esse comportamento e estarão na expectativa de que a omissão dos
superiores desses atletas não seja tão vergonhosa como a conduta deles.

A propaganda individual, feita apenas por um dos integrantes da seleção, sem
o uniforme oficial, por si só, já se mostra chocante.
Mas quando ocorre coletivamente, associando a luta da esquadra canarinho ao
consumo de bebidas, no mínimo, contribui para virar o estômago.

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