A prática da liberdade ou “a fé que remove montanhas”

Jesus Cristo suspeitava das aparências de se querer fazer bondade e boas obras sob a orbe da política, no que ele denominava de “hipocrisia dos fariseus”.

“Nao saiba a mão esquerda o que faz a direita”. Cristo atuava em meio à obscuridade, num espaço que não era nem público e nem privado. Para Hanna Arendt, é da essência da bondade sincera esconder-se e não poder aparecer assim como ela é; caso contrário revela-se como hipocrisia. Acontece que Jesus propunha um adorável descuidar-se em meio à civilização judaica”, sob domínio romano. A fé que remove montanhas é a própria liberdade em ação. E o próximo para Jesus se afirma não pelo amor ou pela bondade, mas pela compaixão, que é o ato de sofrer junto, o compartir de outra humanidade, da humanidade de seus apóstolos e de todos aqueles que lhe são próximos.

Desta forma, Cristo não queria obediência, mas amizade e amor. A desobediência foi transformada em pecado mortal séculos após, quando a obediência erigiu-se na base da ética da Igreja cristã!

O cristianismo dos primeiros tempos, semi-clandestino, era apolítico! Foi Santo Agostinho, no século IV, quem articulou conceitualmente a doutrina cristã e a filosofia grega à experiência romana. “Agostinho foi o único filósofo que os romanos jamais tiveram”, aventura-se Arendt.

Após o declínio do império romano, a Igreja passou a ser sua herdeira espiritual: autoridade, religião e tradição. À Igreja foi outorgada a Autoridade, aos Príncipes foi dado o Poder. E para evitar uma completa perversão dos evangelhos, Agostinho criou a “Civitas Dei”, onde os homens, logicamente após morte, pudessem viver em irmandade e comunidade, sob a lei divina. Uma “Civita Dei” que, de certa forma, espelha a Nova Jerusalém do Apocalipsis de João de Patnos.

Quando chegamos ao Renascimento, Maquiavel queria tornar viável a unificação da Itália. Justificou intelectualmente a violência como meio de reter a autoridade para servir a interesses públicos.

A Revolução Francesa tinha por objetivo inicial instaurar a liberdade a partir de um novo começar histórico. Robespierre e Saint-Just são fascinados pela cultura greco-romana (de onde se origina a ideia de democracia e de República). Mas o espaço público foi invadido pelos “sans-coulottes” e suas necessidades vitais passaram a coincidir com as metas revolucionárias. O anseio de liberdade foi substituído pelo de libertação, eliminação da miséria absoluta e liquidação da opressão. Disse Robespierre pouco antes de sua decaptação sem julgamento: “Perecemos porque, na história do gênero humano, nós perdemos o momento de fundar a liberdade.”

Na Revolução Francesa foram esmagados os Conselhos, que também um dia existiriam na Comuna de Paris (1871), e na Revolução Soviética (1917), que eram os próprios Sovietes. Eram formas de espaço de liberdade.

Chegamos às Democracias Contemporâneas, quando a liberdade perdeu-se em meio a um sistema que deixou de representar os anseios dos cidadãos, dado que o único Espaço Público reduziu-se-se a uma urna eleitoral eletrônica.

A decorrência é que, alijado das decisões políticas e sem espaços para o exercício da liberdade, a população tornou-se desinteressada da coisa pública e transformou-se em mero eleitor, que muitas vezes até mesmo se nega a comparecer às urnas.

Ao lado disso, a própria política ganhou um novo significado, sendo compreendida como a administração pública dos interesses econômicos privados.

O contraponto desta cilada social é a revolta, pois a capacidade de revoltar-se pode até mesmo “remover montanhas”.

Leia a íntegra de nosso ensaio.

Foto: Cena da peça Esperança na Revolta/Marcelo Reis.

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