A pauta do aborto na agenda democrática

Foto: CMI

Neste dia 28 de setembro – Dia de Luta pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe -, o movimento de mulheres brasileiras ganha as ruas em todos os Estados com atos, vigílias, seminários, performances teatrais e muitas outras expressões, reivindicando a mudança da legislação punitiva do aborto. As ações são um alerta para o fato de que a manutenção desta lei, além de não evitar a prática do aborto, tem levado à clandestinidade milhares de brasileiras, colocando em risco a saúde e a vida de centenas de mulheres.

Estas ações dão continuidade às mobilizações que marcaram a segunda Conferência Nacional de Política para Mulheres (II CNPM), realizada em agosto deste ano, em Brasília. Mais uma vez, as mulheres brasileiras decidiram pela legalização do aborto e pela autonomia sobre a vida reprodutiva. Foram 2.500 delegadas – representantes da sociedade civil e de governos municipais, estaduais e federal – e um processo que envolveu 190 mil mulheres em todo o Brasil.

A II CNPM aprovou, em grande maioria, a legalização do aborto. Novamente, destaca-se a recomendação da mudança da legislação punitiva do aborto no Brasil e a garantia da assistência à saúde das mulheres que estão em situação de aborto inseguro pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A novidade da II CNPM foi a indicação de que o governo brasileiro reapresente a proposta de projeto de lei que prevê a descriminalização do aborto, elaborada em 2004 pela Comissão Tripartite ao Legislativo. A comissão foi criada atendendo à recomendação da primeira Conferência de que o governo brasileiro deveria “rever a legislação punitiva que trata da interrupção voluntária da gravidez”.

O governo brasileiro reconhece o aborto inseguro e clandestino como um problema de saúde pública. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, tem declarado que o aborto é uma questão de saúde pública grave, que mata as mulheres e precisa ser enfrentada pela sociedade e pelo Congresso Nacional. O presidente Lula afirma a laicidade do Estado, reiterando que o mesmo precisa assumir a responsabilidade perante as mulheres que precisam abortar. No exercício da laicidade, o presidente diz que sua posição individual não deve interferir no seu compromisso como homem público e presidente da República.

O Estado brasileiro tem o dever e a responsabilidade de garantir às mulheres, que precisam recorrer ao aborto, condições seguras e adequadas que não coloquem em risco sua saúde e suas vidas. A reivindicação das mulheres brasileiras pela descriminalização do aborto está associada à luta pela garantia do Estado laico e pela radicalização da democracia.

Pouco difundida em nosso país, a laicidade do Estado pressupõe o respeito à vivência da religião, à pluralidade religiosa – inclusive, a possibilidade de não professar nenhum credo, porém, garante a não interferência religiosa na gestão governamental e na definição das políticas públicas. Estas devem ser orientadas para atender a diversidade de cidadãs e cidadãos, independente de credo religioso e da moralidade predominante. Como bem sabemos, a República Federativa do Brasil foi proclamada em 1889. Naquele momento, o Estado brasileiro se tornava não confessional; era demarcada a separação entre o Estado e as religiões.

Um Estado pautado por valores religiosos nunca poderá garantir políticas públicas universais, comprometendo os princípios democráticos, as liberdades individuais e o Estado de Bem-Estar Social. Instituir um Estado com autonomia das religiões é um dos grandes desafios para a garantia da democracia no século XXI.
O foco do debate sobre a descriminalização do aborto deve estar na autonomia das mulheres e no direito de decidir sobre a vida reprodutiva, considerando a injustiça social que faz com que mulheres pobres, negras e jovens sejam as mais afetadas com a clandestinidade. Nenhuma cidadã é obrigada a abortar, no entanto, a manutenção da criminalidade do aborto não previne a gravidez indesejada nem evita a sua prática.

As mulheres não devem ser presas, adoecer ou morrer por abortar, e o Estado deve garantir serviços que acolham, orientem e atendam as mulheres com qualidade, oferecendo planejamento reprodutivo após o abortamento, para prevenir outras gravidezes indesejadas. Deve também prover a contracepção, a educação sexual nas escolas, a assistência ao pré-natal, gravidez e puerpério, a prevenção ao câncer de mama e colo de útero e das DST/Aids.

A defesa pela descriminalização do aborto faz parte da agenda do movimento de mulheres latino-americano e caribenho como uma busca de preservar a vida das mulheres e o enfrentamento de todas as formas de violência contra a mulher.

Direito ao Aborto:

Educação sexual para escolher

Contracepção para prevenir

Aborto para não morrer

Pela vida das mulheres

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