A objetividade no jornalismo, o fato jornalístico e a abordagem de temas sociais em jornais de distribuição gratuita

Para o Prof. José Coelho Sobrinho -doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo-USP, o fazer jornalístico, como diz Carlos Chaparro, está na esfera do interesse público e tem uma função social: “se a intenção controla conscientemente o fazer, e se a ação -como acontece com o jornalismo- está na esfera do interesse público, então intenção impõe o caráter moral ao fazer, e esse caráter moral, determinante da natureza e do desenvolvimento da ação, deve estar conectado a um princípio ético orientador- sem o que a ação jornalística não cumprirá a contento sua função social. Os comportamentos e as ações sociais derivadas dos atos comunicativos do jornalismo realimentam o processo social, provocando transformações nos cenários da atualidade e da ordenação ética e moral da sociedade”.

“Falar da natureza, não altera a natureza; falar do homem altera o homem”. “A informação tem valor jornalístico quando produz alterações significativas na realidade presente das pessoas”. Foi com estas citações de Norbert Wiener e Manuel Carlos Chaparro que o Prof. José Coelho Sobrinho, coordenador na USP de uma disciplina irmã da Jornalismo de Políticas Públicas Sociais oferecida pelo NETCCON/UFRJ em convênio com a ANDI- deu início a mais uma palestra no dia 24 (segunda-feira), no auditório da Central de Produção Multimídia (CPM) na Escola de Comunicação da UFRJ, para um público de mais de 90 pessoas.

Prof. Coelho defende o conceito de jornalismo como um direito do cidadão: “O jornalismo não é meramente uma profissão, ele é um direito fundamental do cidadão”, e trabalhou em sua palestra uma avaliação teórica do que é o fato jornalístico e a pesquisa empírica de dois jornais de circulação gratuita em São Paulo, Destak e Metro, que têm, respectivamente, uma circulação diária de 200 mil e 150 mil exemplares.

O fato jornalístico, como entende Coelho, é um encadeamento de ações que se relacionam e interagem entre si: “O fato para o jornalismo é uma informação escolhida intencionalmente pelo jornalista por ser de interesse de seu público”, e isto é muita responsabilidade, pois, como mostra o conceito de agenda setting, “as pessoas agendam seus assuntos e suas conversas em função do que a mídia veicula”.

Os fatos, para o professor são recortados e construídos obedecendo a determinações ao mesmo tempo objetivas e subjetivas. Citando Genro Filho, “a objetividade oferece uma multidão infinita de aspectos, nuances, dimensões e combinações possíveis de serem selecionadas. O conceito de fato, porém, implica a percepção social dessa objetividade. Os fatos jornalísticos são um recorte do fluxo contínuo, uma parte que, em certa medida, é separada arbitrariamente do todo”.

“Para a gente, o fato é o que está ocorrendo agora, é um encadeamento de ações que se relacionam e interagem. O fato tem um contexto que é importante para o jornalista, ele deve estar conectado com o principio ético”, destacou Sobrinho. Para ele, o jornalista deve cumprir a sua ação social – ele é um “agente transformador da informação em fato jornalístico” e está, insistiu muito, na esfera do interesse público, do “interesse do seu público”.

Coelho Sobrinho realiza uma distinção entre a natureza e a forma do jornalismo para entender a sua verdadeira essência – é preciso fazer uma “discussão da prática do jornalismo, pois o seu exercício tem sido analisado de forma equivocada”, disse o especialista. E ainda acrescenta: “antes da profissão você tem um compromisso com o seu público e não com a empresa. O jornalismo se alimenta de conhecimentos que devem ser informados, e isso é o que forma o tecido social. O jornalismo se usa de determinados parâmetros para produzir alterações significativas, não existe jornalismo se você não tem a intenção de fazer com que a sociedade mude. O jornalismo não é a determinação do patrão. Nós fazemos parte daquilo que é público. Por isso, há uma grande distância entre ser um jornalista e um profissional de comunicação”.

Sobrinho admite que “o que deve ser publicado obedece a critérios de publicação jornalísticas, e é neste momento que o jornalista exerce o seu maior poder: o de decidir”. Segundo o especialista, “o jornal é uma atividade, um elemento ligado ao interesse público. Não existe objetividade nem do repórter nem do jornalismo. O jornal nos impõe limites, mas dentro deles o jornalista tem que ser criativo. A pauta é início da edição em que os fatos deverão se tornar jornalísticos”, e se questiona: “se o dono do jornal não é objetivo, como ele quer que o jornalista o seja?”.

Em sua pesquisa que analisou dois jornais de distribuição gratuita, Destak e Metro, para as classes A e B em São Paulo, o Prof Coelho Sobrinho subdividiu as matérias em 18 categorias, entre elas as que falavam sobre comportamento, ciência e tecnologia, direitos humanos e trabalhistas, educação, economia e finanças, ecologia e meio ambiente, entretenimento e cultura, segurança, política, saúde, justiça e turismo. De acordo com a análise os temas mais abordados no primeiro jornal Destak foram catástrofes e desastres (CD), cultura e espetáculos (CE), economia e finanças (EF), esportes (ES) e serviço público (SP). Já os assuntos menos abordados, que tiveram um índice muito baixo de matérias foram sobre ciência e tecnologia (CT), direitos humanos e trabalhistas (DH e DT), educação (ED), ecologia e meio ambiente (EM), saúde (AS), turismo (TU) e justiça (JU).

Os resultados da análise do jornal Metro que também concorre com o mesmo público-alvo do Destak se assemelham em alguns pontos, mas divergem em outros. Nos temas mais abordados estão em primeiro lugar esporte (ES), seguido de entretenimento (EN), economia e finanças (EF) e política (PO). Matérias como polícia e segurança (PS), serviço público (SP), cultura e espetáculos (CE) e comportamento (CO) já não são tão comuns, mas ainda figuram em um patamar mediano. Os temas muito raramente abordados são: justiça (JU), tempo (TE), turismo (TU), educação (ED), saúde (SA), direitos humanos (DH), ciência e tecnologia (CT) e catástrofes e desastres (CD). E por último, direitos trabalhistas (DT) que quase nunca é um assunto em pauta.

O Prof Evandro Vieira Ouriques, coordenador da disciplina e curso de extensão de Jornalismo de Políticas Públicas Sociais na UFRJ, também está de acordo com o pensamento do Prof José Coelho Sobrinho e questiona o papel do jornalista: “se você não é um comunicador-cidadão, conceito que precisei cunhar para tratar deste assunto tão decisivo, como é possível ser um jornalista e um comunicador que trabalha com políticas públicas sociais? O jornalista precisa optar por ter um jornalismo mais amplo. O que há não é uma comunicação-cidadã, há simplesmente uma contribuição para a causação circular da violência”, destacou ao relembrar a palestra do Prof. Misse (no dia 17 de março) quando o especialista em conflito e violência urbana afirmou que a violência no Rio de Janeiro é resultado de uma acumulação social da qual participam vários atores, entre eles a mídia.

*Esta disciplina, oferecida aos alunos da Universidade e à Sociedade em geral, é resultado do convênio entre o Programa Acadêmico do Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência-NETCCON/ECO/UFRJ, coordenado pelo Prof. Evandro Vieira Ouriques, e a Agência de Notícias dos Direitos da Infância-ANDI.

O Programa Acadêmico do NETCCON dedica-se às relações entre a mídia, a ética e a não-violência (no sentido de luta sem violência), tendo em vista o vigor da experiência de comunicação, da auto-construção da cidadania e da responsabilidade socioambiental na Mídia, na Política e nas organizações. Neste sentido o NETCCON criou e vem oferecendo há três anos consecutivos também a disciplina Construção de Estados Mentais Não-violentos na Mídia.

O Programa Acadêmico do NETCCO: Prover a Sociedade, sob a perspectiva das Ciências da Comunicação, com estudos e metodologias de prevenção e superação da violência, que contribuam para o salto de qualidade: (1) na cobertura midiática das Políticas Sociais e em sua gestão pública; (2) nas políticas e estratégias de Comunicação para a Responsabilidade Socioambiental; e (3) no padrão ético (“voz própria” e “vínculo”) do trabalho de presença e colaboração nas Redes e Organizações. O NETCCON criou e oferece também a disciplina Comunicação, Construção de Estados Mentais e Não-violência, e está criando a disciplina Comunicação e Responsabilidade Socioambiental. Maiores informações sobre o NETCCON podem ser obtidas através de evouriques@terra.com.br.

Conheça mais sobre a disciplina aqui:
http://informacao.andi.org.br:8080/relAcademicas/site/visualizarConteudo.do?metodo=visualizarUniversidade&codigo=6

Palestras a serem realizadas em 2008/1:

Semana 5 (07/04): Lições Africanas para a Igualdade na Diversidade Humana: a questão da não-violência.
Palestrantes: Mãe Beata de Iemanjá, Conceição Evaristo e Prof Evandro Vieira Ouriques.

Semana 6 (14/04): O Paradigma do Desenvolvimento Humano como orientador da cobertura.
Palestrante: Flavia Oliveira (O Globo)

Semana 7 (28/04): Orçamento nacional: As possibilidades de intervenção e orientação para o social.
Palestrante: Leonardo Mello (IBASE)

Semana 8 (05/05): O desafio de aumentar a presença das políticas públicas na grande imprensa.
Palestrante: Bia Barbosa (Intervozes)

Semana 9 (12/05): A cobertura das políticas públicas na área da Educação no Brasil.
Palestrante: Antônio Góis (Folha de S. Paulo)

Semana 10 (19/05): Cobertura de qualidade em meio à violência estrutural: A força política da não-violência e a responsabilidade dos atores sociais e dos jornalistas.
Palestrante: Prof. Evandro Vieira Ouriques (NETCCON.ECO.UFRJ, NEF.PUC.SP)

Semana 11 (26/05): A Questão das Políticas Públicas Sociais e a Mídia Contra-hegemônica.
Palestrante: Paulo Lima (Viração)

Semana 12 (02/06): A Comunicação criada pela Periferia no Rio de Janeiro.
Palestrante: Prof. Augusto Gazir (Observatório de Favelas e ECO.UFRJ)

Semana 13 (09/06): O paradigma dos Direitos da Criança e do Adolescente: A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Palestrante: Wanderlino Nogueira Neto (ABONG)

Semana 14 (16/06): A Mídia e a Questão das Políticas Públicas Sociais no Brasil.
Palestrante: Guilherme Canela (ANDI)

Semana 15 (23/06): O Paradigma da Diversidade Cultural.
Palestrante: Profa. Sílvia Ramos (CESEC)

Semana 16 (30/06): Jornalismo prospectivo e o futuro das políticas públicas sociais como pauta.
Palestrante: Rosa Alegria (NEF-PUC/SP, NETCCON.ECO.UFRJ, Millennium/UNU)

Palestras já realizadas em 2008/1:

Semana 1 (10/03): Interesse, Poder e Dádiva: a questão do domínio dos estados mentais e da generosidade na positivização da rede de comunicadores-cidadãos.
Palestrante: Prof. Evandro Vieira Ouriques (NETCCON.ECO.UFRJ, NEF.PUC.SP)

Semana 2 (17/03): A Violência que Acusa a Violência: a degradação de Si e do Outro através da Mídia.
Palestrante: Prof. Michel Misse (NECVU.IFCS.UFRJ)

Semana 3 (24/03): A Abordagem de Temas Sociais junto a Públicos Não-iniciados: o Caso dos Jornais de Grande Circulação e Distribuição Gratuita.
Palestrante: Prof. José Coelho Sobrinho (USP)

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *