“O papel da mídia contra-hegemônica deve ser a promoção e cobrança das políticas públicas sociais, ajudando o cidadão para que ele mesmo se torne sujeito de direito, e não de favores dos políticos de plantão”, é o que defende o jornalista e educomunicador Paulo Lima, diretor da Revista Viração, criada em 2003 com o objetivo de discutir princípios de defesa dos direitos humanos, educação, solidariedade entre os povos, além de pluralidade étnica e racial.
Paulo Lima, em sua palestra na próxima segunda, 26, no curso Jornalismo de Políticas Públicas Sociais, convênio entre o Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência-NETCCON/ECO/UFRJ e a Agência de Notícias dos Direitos da Infância-ANDI, sob a coordenação do Prof. Evandro Vieira Ouriques, vai a profundar o assunto tratando do tema a “Questão das Políticas Públicas Sociais e a Mídia Contra-hegemônica”.
“Pretendo mostrar a importância de sairmos de uma visão mecanicista e determinista da própria comunicação contra-hegemônica para uma visão mais sistêmica, integral e integradora”, afirmou Paulo. E acrescentou que a saída para a comunicação vertical-opressora só será possível se “provocarmos, de fato, deslocamentos de fala, de linguagem, de estética, de tempo e espaço”.
Em sua palestra, o jornalista cearense quer ir mais a fundo: “Vou ilustrar minha fala com exemplos concretos de como é possível inovar em termos de estética e participação e que a falta de capital de giro, de dinheiro, não deve ser a grande desculpa para não construirmos uma mídia verdadeiramente democrática, independente e alternativa. Vou falar do processo de produção da Revista Viração, considerado inovador em todo o mundo, e não apenas no Brasil”.
Para discutir as questões que envolvem a mídia contra-hegemônica e a sua relação com as políticas públicas sociais, Paulo primeiro define o que se entende por mídia hegemônica. “É aquela a que estamos acostumados a ver na telinha, a escutar nas ondas do rádio, a ler nos jornalões diários e seus portais na internet. Esses têm em comum a defesa de um projeto político para um país para poucos, de brancos, governado pela elite herdeira dos senhores de escravos. É a mídia da casa grande”.
De acordo com ele, esta mídia hegemônica é aquela que apresenta uma fala só, o monólogo de um pensamento único e sem problematizações. Para Paulo, esta mídia carece de diálogo, “porque está a serviço da hegemonia de um sistema capitalista sempre mais excludente que não permite o questionamento. É aquela que, em geral, expressa uma clara postura de criminalização dos moradores das comunidades de periferia, dos povos indígenas, dos afro-descendentes”.
Já por mídia contra-hegemônica, Paulo Lima considera que representa a expressão de uma visão alternativa às políticas, prioridades e perspectivas hegemônicas. “É uma comunicação ativista, engajada e que aposta na problematização da situação para transformar realidades, para libertar. Ela se apresenta, como diria nosso mestre Paulo Freire, como proposta de ‘ação cultural’ libertadora”, salientou.
O jornalista citou o educador Paulo Freire ao discutir o direito à voz dos “oprimidos do Terceiro Mundo”, o direito de pronunciar sua palavra, e o direito de auto expressão e expressão do mundo, para assim participar do processo histórico da sociedade.
“É por isso que a mídia contra-hegemônica faz da defesa do direito humano à comunicação sua grande bandeira. Por isso, desenvolve modelos de comunicação em rede, construídos a partir do princípio da colaboração, do diálogo e da horizontalidade”, realçou. Para Paulo, são iniciativas como um site de notícias escrito e distribuído por seus ‘leitores-produtores’, ou uma revista impressa/eletrônica que publica notícias enviadas pelos leitores que podem fazer a diferença.
De acordo com o educomunicador, o papel destas mídias, que vão na contramão do pensamento hegemônico, é o de “subverter a ordem estabelecida às custas da miséria, da exclusão, do empobrecimento”. Para Paulo, a mídia não hegemônica pretende subverter estimulando a criatividade, a visão crítica, a interatividade do ‘cidadão-leitor-ouvinte-telespectador-ativo’ e se contrapor ao não ‘receptor-consumidor-passivo’: “Ela quer subverter criando uma audiência cada vez mais ativa e modificando radicalmente a relação emissor-receptor. Mas o seu objetivo mais amplo é a transformação social da realidade”.
Esta mídia se propõe, como pensa o jornalista, a ser espaço de debates e apoiar um movimento de idéias que “estimule a informação e a reflexão sobre os mecanismos e instrumentos da dominação do capital, sobre os meios e ações de resistência e superação desta dominação, sobre as alternativas propostas para resolver os problemas de exclusão e desigualdade social que o processo de globalização capitalista, com suas dimensões racistas, sexistas e destruidoras do meio ambiente está criando, internacionalmente e no interior dos países”.
A mídia contra-hegemônica, analisa Paulo, atua em várias esferas das relações de poder. “Seus meios, processos de produção e de distribuição procuram ser alternativos e inovadores porque acreditam que a comunicação implica troca, interação, participação e co-autoria”, destacou.
Paulo ainda acrescenta que a comunicação se diferencia da “simples informação transmitida em mão única pela mídia hegemônica”. É o que ele se refere a um jornal mural, fanzine ou rádio comunitária, mas também um blog, uma comunidade virtual, um ambiente wiki e outras formas de comunicação da era da web 2.0.
Para Paulo Lima, um dos principais desafios na abordagem das políticas públicas sociais nestes meios não hegemônicos é o de “não incorrer na mesma visão míope da mídia hegemônica, quando mostra uma abordagem negativa das classes populares ou dos beneficiados pelas políticas públicas sociais”.
Ele cita o exemplo de um jovem quando beneficiado por algum programa governamental ou não-governamental que acaba sendo visto como ‘coitadinho’, ‘vulnerável’ e ‘carente’, mas “nunca como sujeito de direito, como criativo e lutador”.
O jornalista avalia que é preciso fornecer para o leitor os interesses existentes por trás dos fatos, os bastidores e onde estão os verdadeiros centros de poder. “É preciso tratar a política como a ação humana na busca do bem comum, ir além dos partidos e do jogo institucional dos executivos e legislativos. Quando tratar de economia, deve evitar o ‘economês’, traduzi-la para que o cidadão comum entenda as relações da macroeconomia com os problemas do cotidiano, as relações internacionais do capital com as políticas governamentais”, comenta.
Paulo Pereira Lima é cearense de Fortaleza, jornalista/educomunicador, diretor do Projeto/Revista Viração e Empreendedor Social da Ashoka. Formado em Filosofia, Teologia e Jornalismo, tem especialização em Comunicação pelo Studio Paolino Internazionale di Comunicazione, de Roma.
Foi diretor da Revista Sem Fronteiras e editor do jornal Brasil de Fato, que ajudou a criar em março de 2003. Atua com o movimento de defesa dos direitos da criança e do adolescente e comunicação popular desde 1987. Por conta dessa sua atuação recebeu, em novembro de 2002, o título Jornalista Amigo da Criança, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente e Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi).
Em março de 2003, lançou a revista Viração, projeto social impresso e eletrônico que conta com a participação direta de 300 adolescentes e jovens de 21 Estados e recebe apoio institucional da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), do Unicef e da Andi. Desde 2004, presta consultoria para projetos ligados à juventude de diversos ministérios e para a Unesco, o Unicef e a Organização Mundial de Saúde. O projeto é considerado inovador no mundo pela organização internacional Ashoka Empreendedores Sociais.
Em junho de 2004, ganhou o Prêmio Internacional de Jornalismo Mario Pasini Comunicatore, concedido em Roma, na Itália, pela Agência de Notícias Misna e a Associação Cuore Amico. Em colaboração com outros autores, escreveu Brasile al bivio (2004), Agli estremi confini: Testimoni al crocevia dei popoli (Milano, 2004), Big bang della povertà (Milano, 2005), publicados na Itália. Em março de 2006, escreveu o livro Lele, 20 anni dopo, sobre o martírio do missionário e sacerdote italiano Ezequiel Ramin, defensor dos direitos dos povos indígenas e sem-terra, assassinado em julho de 1985, em Cacoal (RO).
Sites para consulta:
www.revistaviracao.org.br/
http://www.usp.br/educomradio/noticias/noticia2.asp?cod_not=865
http://www.forumsocialmundial.org.br/noticias_01.php?cd_language=2&cd_news=1587
Conheça mais sobre a disciplina aqui:
http://informacao.andi.org.br
Palestras a serem realizadas em 2008/1:
Semana 12 (02/06): A Comunicação criada pela Periferia no Rio de Janeiro.
Palestrante: Prof. Augusto Gazir (Observatório de Favelas e ECO.UFRJ)
Semana 13 (09/06): O paradigma dos Direitos da Criança e do Adolescente: A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Palestrante: Wanderlino Nogueira Neto (ABONG)
Semana 14 (16/06): A Mídia e a Questão das Políticas Públicas Sociais no Brasil.
Palestrante: Guilherme Canela (ANDI)
Semana 15 (23/06): O Paradigma da Diversidade Cultural.
Palestrante: Profa. Sílvia Ramos (CESEC)
Semana 16 (30/06): Jornalismo prospectivo e o futuro das políticas públicas sociais como pauta.
Palestrante: Rosa Alegria (NEF-PUC/SP, NETCCON.ECO.UFRJ, Millennium/UNU)