A Imprensa dilacerada

Fiquei impressionado com a precisão cirúrgica da polícia paulista. Conseguiu arrombar a porta, invadir o apartamento e retirar de lá o sequestrador, são e salvo, sem um arranhão.

Impressionou-me também o fantástico show da morte promovido pelas emissoras de televisão em busca de audiência, e o número absurdo de “autoridades” querendo aparecer.

A partir de um determinado momento, por exemplo, quem passou a dar entrevista no Hospital de Santo André não foi mais a diretora da instituição, mas o secretário de Saúde daquele município.

Mas o que me deixou mais impressionado, mesmo, foi a cobertura da mídia depois da morte cerebral da menina Eloá Cristina.

Não bastava mais acompanhar os personagens envolvidos no episódio: o sequestrador, as vítimas e os policiais envolvidos na operaçao de salvamento do assassino.

Agora, as equipes de TV, em nervosos comboios, passaram a seguir pelas ruas da cidade os órgãos retirados do corpo de Eloá, carregados dentro de sacolas térmicas.

Repórteres, cinegrafistas e fotógrafos acompanharam o transporte do coração, pâncreas e rins, de Santo André até o Hospital Beneficência Portuguesa, no bairro da Aclimação, em São Paulo. Um terceiro grupo correu atrás dos pulmões, levados para o Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, no bairro de Cerqueira César.

Enquanto isso, outro corre-corre para não perder de vista o figado da menina no trajeto de Santo André até o centro da capital paulista, na Santa Casa de Misericórdia.

Até ontem à tarde ainda não se sabia o destino das córneas. Mas logo, logo, saberemos, pois atentas equipes estavam de plantão para descobrir seu destino.

Os restos mortais foram enterrados no cemitério de Santo André, com transmissão ao vivo e a presença mórbida de uma multidão de anônimos.

Com um sensacionalismo nunca visto antes neste País, a mídia cobriu todo o processo de dilaceramento de Eloá Cristina. Literalmente. A Imprensa deixou, também, aparecer suas próprias vísceras, durante uma cobertura que, definitivamente, não condiz com o que se
convencionou chamar de função social da Imprensa.

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