1. Tudo indica que o dia de protestos superou as expectativas dos mais otimistas. Aconteceram em todo o país, desde capitais até cidades médias e pequenas. O sucesso não deve ser medido apenas pelo número de pessoas – ainda não calculado, mas que bem pode, no total, chegado a um milhão – mas por ter entrado para a agenda nacional.
2. Um tema entra para a agenda nacional quando torna-se assunto de conversas, da mídia e sobre o qual a maioria das pessoas emite opinião. O fato de a maior parte das paralisações ter encontrado eco e simpatia até mesmo entre os não diretamente envolvidos nelas é um poderoso sinal de que a questão da Previdência não é abstrata.
3. Ao contrário de outras iniciativas governamentais, como a PEC 55, a reforma trabalhista, as privatizações etc., as mudanças na Seguridade Social são bem concretas para a maioria dos trabalhadores. Reforma passou a suignificar redução de direitos..
4. Essa narrativa o governo e a mídia perderam. O discurso em rede nacional de Michel Temer, na mesma noite, soou patético: “A sociedade brasileira, pouco a pouco, vai entendendo que é preciso dar apoio a este caminho para colocar o país nos trilhos”. Uma pinóia! A sociedade vai entendendo o oposto e não quer ser levada no bico.
5. A mídia, Globo à frente, parece ter hesitado em como tratar a questão. Pela manhã, repórteres previamente pautados tentaram induzir populares a lhes preencher aspas contra as mobilizações, em transmissões ao vivo. Fracassaram. À noite, pelo menos no Jornal Nacional, foi impossível não se render às evidências: atos maciços de norte a sul se impuseram nas pautas das redações. O efeito multiplicador dessa repercussão ainda não pode ser determinado.
6. O ato mais expressivo parece ter sido o de São Paulo. Setores de ultraesquerda – aparentemente sem discernir o que levou milhares de pessoas às ruas – repetiam sofregamente um “Fora Temer” e a extemporânea “Diretas Já” do alto do palanque. Outros mais afoitos bradaram “revolução socialista” a plenos decibéis. Tudo bem, todos ali são contra o governo golpista. Mas agora há um móvel concreto de luta que não pode ser ignorado: a reforma da Previdência.
7. Coube ao representante do PCdoB, a Edson Carneiro Índio, da Intersindical e a Guilherme Boulos, entre outros, aprumarem o tom geral da mobilização. E a Lula que, em não mais que 15 minutos, cantou a letra. Em um de seus mais objetivos e diretos discursos recentes, enunciou números e conceitos: o possível déficit da Previdência não é produto de altos gastos, mas de baixos ingressos. Desemprego em ascensão gera retração de contribuições para o sistema. Pela primeira vez, o ex-presidente colocou-se contrário às reformas e atacou sua criatura, Henrique Meirelles, de frente.
8. A presença de Lula, ao contrário de algumas opiniões, deu densidade ao ato, mesmo para os que não lhe são simpáticos. Acossado por um juiz medíocre de Brasília, que tentou humilhá-lo em depoimento no dia anterior, o ex-presidente parece ter chegado à Paulista com sangues nos olhos. Vendo para onde o vento sopra, não é descabido que ele paute suas jornadas daqui para a frente por um discurso desenvolvimentista e à esquerda mais claro.
9. O dia de protesto tem grande chance de se multiplicar e dar novo êmulo à disposição de lutas de várias categorias e ativistas. Estamos diante – repetimos – da única reforma que – por sua concretude – tem chances de ser derrotada.
10. O governo corre contra o calendário. Sabe que quanto mais tempo passar, mais difícil será manter a coesão de sua base para aprovar uma medida para lá de impopular. A crise vem a galope e o descontentamento geral aumenta, o que exacerba tensões palacianas em tempos de lista de Janot.
11. Por fim, uma observação: as mobilizações desse dia têm qualidade superior às de 2013. Não são horizontais e sustentadas por discursos democratistas de espontaneísmo. Resultam de longo e árduo preparo, investimento material e trabalho intenso de agitação e propaganda (oba!), a cargo de dirigentes, intelectuais, professores, jornalistas e ativistas de todo tipo. São o coroamento de esforços que remontam pelo menos seis meses. Têm comando. Essa marca traz uma lufada de otimismo para um país que pode ter saído da passividade e decolado para o enfrentamento polarizado com o golpismo.