Em julho de 2009 o Teatro Municipal do Rio de Janeiro ,um dos mais importantes do Brasil, completava 100 anos com as portas fechadas para obras, que duraram cerca um ano e meio. Nesse período, as apresentações da Orquestra e Corpo de baile foram prejudicadas e grande parte dos funcionários da área técnica trabalharam em sistema de rodízio, comparecendo ao teatro somente duas ou três vezes por semana. Do lado de fora, ambulantes lamentavam o fechamento do espaço e relatavam as perdas econômicas desde que as obras tiveram início e a programação foi reduzida.
“Não é o céu porque ninguém viu o céu, mas é igualmente, porque é muito lindo“.
Com esta frase, a vendedora ambulante definia todo o seu encantamento com o Teatro Municipal. Lianilde, ou Maria, como preferia ser chamada, vendia pamonha, milho e derivados nas proximidades do teatro. A comerciante era uma das poucas pessoas, entre as que trabalhavam nas redondezas do Municipal, que conheciam o lugar por dentro. Ela costumava frequentar o teatro com o filho aos domingos, quando a entrada tinha o valor simbólico de R$ 1.
(Foto Ricardo Galvão para matéria de Creuza Gravina 2009)
O teatro foi reaberto em maio de 2010, porém em 2012 precisou fechar as portas por mais de três meses para avalição de riscos e limpeza, devido ao desabamento de três prédios vizinhos ao mesmo.
No início de 2017 os artistas e técnicos passaram a enfrentar outro problema grave: a crise financeira, a maior desde sua fundação, com atrasos constantes no pagamento dos salários (incluindo 4 meses seguidos sem salário e sem o décimo terceiro) – situação que atinge grande parte dos funcionários e aposentados do Estado do Rio de Janeiro – cerca de 200 mil pessoas impactadas. Alguns espetáculos, como ‘O lago dos cisnes’, de Tchaikovsky, precisaram ser cancelados. A ópera ‘Norma’, de Vincenzo Bellini, teve que ser transformada apenas em concerto, enquanto outras foram adiadas. O público seguiu apoiando e aplaudindo de pé os espetáculos que foram realizados.
Orquestra, corpo de baile e técnicos, mesmo tendo que driblar a crise com a realização de outras tarefas, optaram por protestar e reagir através da própria arte. Em maio do mesmo ano fizeram um espetáculo na porta do teatro para atrair atenção da população para o problema e no mesmo mês, apesar de todas as dificuldades, apresentaram a cantata Carmina Burana.
Dentre as alternativas encontradas, o primeiro-bailarino, Filipe Moreira. que já dançou em diferentes lugares do mundo representando o teatro, como Miami, Orlando, México e Argentina, optou por trabalhar com UBER para poder sobreviver. Alguns integrantes do Coro e do Ballet foram para o exterior, enquanto certos jovens resolveram se preparar para concursos federais.
A primeira-bailarina Claudia Mota criou o grupo Ballet Gala Brasil que apresenta espetáculos reunindo trechos de peças dos repertórios clássico e contemporâneo. O objetivo é reunir bailarinos da casa para viajar o país se apresentando em festivais, por exemplo, mantendo assim a dança e recebendo por isso enquanto a questão salarial não é normalizada.
Chico Trompa, músico trompista, entrou para a orquestra em 1986 via concurso público e alega que, ao longo desses 32 anos, os funcionários do teatro nunca passaram por situação tão crítica como a atual.
“O impacto foi terrível !!! Tanto financeiro quanto emocional!!! Ver nosso lindo Teatro sendo tratado sem o mínimo respeito dói demais na alma da gente !!”
Chico Trompa – que adotou o instrumento até no nome artístico
O instrumentista, responsável por um dos instrumentos considerados mais difíceis, a trompa, ressalta todo seu amor pela música:
“A música , além de ser a arte que amo de paixão é a minha profissão , logo , é tão importante em minha vida quanto comer , andar e respirar!“
O problema com os pagamentos persistiu ao longo do ano e novos protestos – concertos foram realizados em 31 de outubro e 18 de dezembro, atraindo cada vez mais público. No evento do último mês, foi realizado um abraço simbólico com todos os presentes – funcionários e espectadores – de mãos dadas em torno da casa de espetáculos.
A emoção e a solidariedade do público, que tomou conta da praça em frente ao teatro era visível. Alguns espectadores pareciam deslumbrados diante das performances, enquanto outros falavam da alegria em poder presenciar aquelas cenas, antes restritas ao interior do prédio, mas por outro lado tinham compaixão pelos funcionários.
Sr.Félix Marcos Pereira (à esquerda), foi um dos que se encantaram com o espetáculo
Outros músicos e dançarinos se uniram em apoio aos artistas da casa, tornando o espetáculo ainda mais lindo e comovente.
Casal de Mestre Sala e Porta-Bandeira da Portela
Personalidades marcantes do teatro, como a ex primeira bailarina Ana Botafogo, estiveram presentes. Ana chegou a ser convidada para assumir a direção do espaço, chegou a enviar uma lista de exigências, que incluía principalmente o pagamento dos salários, mas como não teve essa garantia recusou o cargo. Fernando Bicudo então assumiu a posição e no fim do ano o governo depositou dois salários. Ana segue com a direção do Corpo de Baile junto com Cecília Kerche.
Ana Botafogo e Carlinhos de Jesus
Em meio à crise, optou-se por uma direção artística coletiva e para 2018 ficou a promessa de regularização dos salários até 21 de fevereiro e nova programação a partir de março.
Chico Trompa mantém a esperança:
“As expectativas para 2018 são boas , porém, não sabemos ainda se o governo conseguirá ajustar as contas !!! O Novo diretor é super competente e articulado!!! Espero que uma fantástica programação seja feita e tudo volte ao normal!!”
(Fotos Creuza Gravina)
Creuza Gravina