07h30. Acordo com uma mensagem amorosa da Cris Lopes, me convidando para cantar Pirex em homenagem ao Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Fiquei emocionada.
Tomei café, me arrumei e me gravei cantando, contente em resgatar a potência, a alegria, a força da luta e a memória de quando cantávamos Pirex, que evocava Itamar Assumpção e todos os encontros de afeto do Coral e da Dança. Daqueles tempos em que podíamos produzir mil invenções juntos, no espaço público de cultura e na cidade. Gostei da minha produção, apesar de um tanto desafinada. Mas, no Coral, eu caibo com meus desafinados e com minha intensidade, com minhas dúvidas e meus pensamentos crus e complexos. Fico alegre com essa homenagem, me encho de força.
9h00. Reunião de trabalho pelo GoogleMeet. Todos os professores, funcionários e o chefe do departamento estavam presentes com a assistente da Coordenação de Pesquisa da Universidade.
A representante da Coordenação esclarece as necessidades de registro das pesquisas. Quando finaliza sua fala, o chefe, sem consultar ninguém, determina, via a palavra da secretária, quem são os professores que conversarão individualmente com a área de Pesquisa e, explicita a ordem, predeterminada por ele, de cada um. Me sinto como se estivesse na escola, no pré-primário. Penso: qual é o critério de designação de cada quem? Por que só uns e outros não? Por que uns primeiro e outros depois? Me calo. O chefe diz que sairá e que o técnico-docente, funcionário do departamento, vai acompanhar toda a reunião, como “espião” (do chefe). Pergunto, por chat, se poderia participar das dúvidas dos demais colegas. Não tenho resposta. Continuo na sala. E então, subitamente, o chefe aparece na câmera e me elimina da sala.
Como nomear essa violência do fazer e do não falar? Do atuar simplesmente com o calar-se. A não resposta pode ser tão violenta quanto a resposta, mas a resposta te dá chance de defesa e o silêncio atuado, não.
É um corte, uma eliminação, uma exclusão realizada por alguém que usou do poder autoritário de separar e bloquear o sujeito da relação com os demais, pela simples necessidade de controlar e de manter a relação colonial de mando-obediência (Chauí, 2001). Poder esse que serve para produzir o não pensar, o isolar e o reprimir mais do que o de produzir espaços de ampliação das potencialidades que emergem das relações humanas e do pensar coletivamente, em um espaço acadêmico.
Hoje é o Dia Nacional da Luta Antimanicomial no Brasil (18 de maio), e a minha manhã pode ser sintetizada com um encontro inicial com a alegria e a força do antimanicomial. Depois com outro, o desconcertante e desorganizador, o manicomial. A nossa velha tensão manicomial-antimanicomial em ato. Que bom poder transitar e fazer pontes! É por isso que a luta continua e sempre continuará. Nunca cessaremos de lutar contra a opressão dos sujeitos e de relembrar a luta pela vida das pessoas, da humanidade na sua relação com a Terra.
Enquanto estivermos vinculados e atrelados às relações manicomiais que temos, mesmo a rede da internet e os seus recursos, aparentemente tão horizontais e democráticos, podem ser usados como instrumentos de dominação e de reprodução da violência. Com ainda mais facilidade, pois basta um simples click e pronto: você foi eliminada! O problema acabou: sem palavra, sem imagem, com um dedo.
Que bom que cantei Pirex. Porque é assim que me sinto no encontro com o manicomial: “dizem que eu sou pirex, mas pirex não sou não. Não sou rolo de durex, pirex, eu não sou relax, relax, não é fax não, não é fax não”. Enquanto eu puder cantar e relembrar da minha força, poderei escapar/transitar da opressão para a alegria, mesmo que por uns instantes.
Imagem: Juliana Cordaro
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