68º dia de Quarentena

07h30. Acordo com uma mensagem amorosa da Cris Lopes, me convidando para cantar Pirex em homenagem ao Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Fiquei emocionada.

Tomei café, me arrumei e me gravei cantando, contente em resgatar a potência, a alegria, a força da luta e a memória de quando cantávamos Pirex, que evocava Itamar Assumpção e todos os encontros de afeto do Coral e da Dança. Daqueles tempos em que podíamos produzir mil invenções juntos, no espaço público de cultura e na cidade. Gostei da minha produção, apesar de um tanto desafinada. Mas, no Coral, eu caibo com meus desafinados e com minha intensidade, com minhas dúvidas e meus pensamentos crus e complexos. Fico alegre com essa homenagem, me encho de força.

9h00. Reunião de trabalho pelo GoogleMeet. Todos os professores, funcionários e o chefe do departamento estavam presentes com a assistente da Coordenação de Pesquisa da Universidade.

A representante da Coordenação esclarece as necessidades de registro das pesquisas. Quando finaliza sua fala, o chefe, sem consultar ninguém, determina, via a palavra da secretária, quem são os professores que conversarão individualmente com a área de Pesquisa e, explicita a ordem, predeterminada por ele, de cada um. Me sinto como se estivesse na escola, no pré-primário. Penso: qual é o critério de designação de cada quem? Por que só uns e outros não? Por que uns primeiro e outros depois? Me calo. O chefe diz que sairá e que o técnico-docente, funcionário do departamento, vai acompanhar toda a reunião, como “espião” (do chefe). Pergunto, por chat, se poderia participar das dúvidas dos demais colegas. Não tenho resposta. Continuo na sala. E então, subitamente, o chefe aparece na câmera e me elimina da sala.

Como nomear essa violência do fazer e do não falar? Do atuar simplesmente com o calar-se. A não resposta pode ser tão violenta quanto a resposta, mas a resposta te dá chance de defesa e o silêncio atuado, não.

É um corte, uma eliminação, uma exclusão realizada por alguém que usou do poder autoritário de separar e bloquear o sujeito da relação com os demais, pela simples necessidade de controlar e de manter a relação colonial de mando-obediência (Chauí, 2001). Poder esse que serve para produzir o não pensar, o isolar e o reprimir mais do que o de produzir espaços de ampliação das potencialidades que emergem das relações humanas e do pensar coletivamente, em um espaço acadêmico.

Hoje é o Dia Nacional da Luta Antimanicomial no Brasil (18 de maio), e a minha manhã pode ser sintetizada com um encontro inicial com a alegria e a força do antimanicomial. Depois com outro, o desconcertante e desorganizador, o manicomial. A nossa velha tensão manicomial-antimanicomial em ato. Que bom poder transitar e fazer pontes! É por isso que a luta continua e sempre continuará. Nunca cessaremos de lutar contra a opressão dos sujeitos e de relembrar a luta pela vida das pessoas, da humanidade na sua relação com a Terra.

Enquanto estivermos vinculados e atrelados às relações manicomiais que temos, mesmo a rede da internet e os seus recursos, aparentemente tão horizontais e democráticos, podem ser usados como instrumentos de dominação e de reprodução da violência. Com ainda mais facilidade, pois basta um simples click e pronto: você foi eliminada! O problema acabou: sem palavra, sem imagem, com um dedo.

Que bom que cantei Pirex. Porque é assim que me sinto no encontro com o manicomial: “dizem que eu sou pirex, mas pirex não sou não. Não sou rolo de durex, pirex, eu não sou relax, relax, não é fax não, não é fax não”. Enquanto eu puder cantar e relembrar da minha força, poderei escapar/transitar da opressão para a alegria, mesmo que por uns instantes.

Imagem: Juliana Cordaro

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