A fumaça que cobre o Amazonas esconde seus causadores

Amazônia perdeu 762,3 km² de floresta em junho de 2019. Foto: Greenpeace

No dia 6 de agosto de 2024, o município de Humaitá registrou a pior qualidade de ar do Brasil. Na mesma semana, Manaus e outros municípios do Amazonas ficaram encobertos pelo fumaceiro que, até aqueles dias, não tinha cheiro tão forte, mas que estava sendo inalado pelos amazonenses. Após esse episódio, passaram-se alguns dias com o céu azul, seguido pelo Sol brilhante causando calor extremo, já conhecido pelos nortistas. Mas não durou muito. Alguns dias depois ela voltou, com intensidade ainda maior. A fumaça visível em toda a região metropolitana e rural, e invisível para o resto do País.

Deveríamos fazer uma reflexão para entender o porquê não aprendemos com as lições que enfrentamos. Em 2023, sofremos com a poluição do ar, que começou a ser sentida ainda em agosto daquele ano, intensificou-se em setembro e se estendeu até dezembro. Mesmo diante de tantas notícias e pesquisas apontando sobre novas estiagens extremas e do que sabemos – as secas sempre estão acompanhadas as queimadas – fica o questionamento: Por que não houve preparo?

O que estamos assistindo, enquanto respiramos o ar insalubre, além de ser a repetição do que aconteceu em 2023, é uma situação que começou ainda mais cedo. Ao mesmo tempo em que se aponta o problema, é importante que façamos outras perguntas: de onde vem e quem são os causadores disso? Ela vem da agricultura familiar? Ou será que é maior que isso? Quais os nomes? Essa poluição afeta várias outras localidades, às vezes até municípios que não estão causando queimadas, mas sofrem com a poluição do ar, porque o vento transporta esse fumaceiro.

A única certeza que temos até o momento é que o ar não está bom. Esse ar poluído afeta principalmente as crianças e idosos, e pessoas que têm problemas respiratórios e, com certeza, a longo prazo, pode desencadear outros problemas de saúde naqueles que hoje não têm esses problemas. 

Quando tivermos, de fato, os nomes e as devidas punições, talvez toda essa situação seja combatida e não se torne mais uma ação recorrente, em que todos os anos temos novos artigos e noticiários relacionados à péssima qualidade do ar no estado do Amazonas. Solucionar essa questão requer um esforço coletivo, porque não existe um único culpado. 

No caso de quem afirma que os causadores desse problema são pequenos produtores rurais, já ouvi dezenas de vezes a afirmação de que “as queimadas são um mal necessário para a agricultura”. Sabe por que dizem isso? Porque pouca tecnologia chega nas comunidades, então a alternativa é colocar fogo no solo para queimar área e fazer a roça. E é importante frisar que é essa roça, muitas vezes, que garante a segurança alimentar e que abastece as sedes dos municípios e nossa mesa. 

Se for realmente isso, precisamos entender qual é o preço que estamos pagando por isso, e não somente responsabilizar a agricultura familiar. É só desse segmento que estão vindo as queimadas? Será que não vem de outras áreas como das produções de pastos ou de monocultura, por exemplo? A gente precisa de fato colocar em uma balança, analisar e ter resolução.

Nós temos atualmente tecnologias de manejo do solo para agricultura que dispensam o uso do fogo. Infelizmente, as pessoas que vivem mais distantes das sedes de municípios não têm acesso às técnicas e mecanismos para que essas tecnologias sejam implementadas. Mas é dessas pessoas, que são privadas do acesso, a responsabilidade pelas queimadas e fumaças? Porque até agora não se tem clareza de onde esses incêndios partem. Nós estamos monitorando, vendo e sentindo, mas identificar e provar que isso vem de agricultura familiar não se tem confirmação. 

No Amazonas, ficamos o ano inteiro preparando ações paliativas. Mas não há medidas mais severas que impeçam que as queimadas aconteçam. A situação está insustentável e toda a sociedade está sendo afetada, independentemente de onde você esteja. Somente quando você consegue identificar o problema, é possível direcionar soluções. 

Por exemplo, se for confirmado que a fumaça vem de agricultura familiar, governos e sociedade civil precisam levar essas alternativas tecnológicas lá na ponta. Porque, de certa forma, se for (e eu não estou afirmando que é) a agricultura a origem principal desse problema, é ela quem abastece as nossas casas, e não podemos viver sem a farinha, sem a tapioca, sem o tucupi e tantos outros produtos. Agora, se o fumaceiro não estiver vindo deles, se for de monocultura, precisa aplicar a legislação que já existe, para que esses impactos sejam minimizados.

Se não houver solução, a cada ano estaremos acelerando a nossa extinção da Terra. Essa situação não pode continuar sendo assistida sem ações. É necessário identificar a quem interessa ou quem está sendo a fonte primária do problemaMinha avaliação é que a poluição do ar tem muita especulação e pouca clareza dos seus responsáveis.

Valcléia Solidade Superintendente de Desenvolvimento Sustentável da Fundação Amazônia Sustentável (FAS).

ECO

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