Deve ser porque em 2012, há poucos dias do meu menino nascer, recebi um diagnóstico, deitada na maca junto ao médico João do ultrassom, numa clínica privada e bem frequentada, de que sim – Bento viria com anomalias craniofaciais, as quais eram impossível saber a extensão dos danos e muito menos concluir suas causas. Tudo assim, cru. Papo direto e reto. “E fique quieta que tem criança que nasce sem cérebro!”
Eu me lembro de que eu só pensava na dificuldade que seria trazer este bebê pra viver nesta nossa sociedade. Veja, meu medo não era em vão. Descemos a rua naquela tarde num silêncio doloroso e lento – eu estava prestes a dar a luz. No caminho, pedimos para conversar com nosso obstetra. Estávamos – Caetano e eu, arrasados e desamparados. O encontro com o médico particular, doutor, renomado, professor João – aconteceu no dia seguinte e eu jamais vou me esquecer das palavras que ele usou para acalentar meu sofrimento quanto ao Bento dentro de mim assim:
_Ainda bem que vc já tem Clarice – perfeita!
Desde então, (isso faz apenas 4 anos) luto para que todas as mães sejam acolhidas como eu não fui e como deveria ter sido. Por todas as pessoas ao meu redor. E que tenham estas crianças ao nascerem (e não só o meu filho Bento) seus direitos garantidos por lei. De repente, me vejo fazendo política. Pública. Botando nossa cara a tapa, ao vento, ao sol. Desmistificando. Falando de dignidade, respeito e amor ao próximo.
Fico me repetindo aqui e ali e neste fim de semana eu percebi (pelos comentários nesta rede) que meu trabalho não é suficiente. Vou precisar de todos vocês que não desviam nem viram os olhos quando nos veem. Porque os Joãos, vejam – demonstram que não estão aptos para cuidar da gente. Mas ocupam cargos que servem para zelar e lutar por nós. E ainda tem uma maioria de pessoas que votam por não nos encarar, se for possível, preferem não nos ver. Porque enxergar a minha gente dói demais. Se reconhecer então… Dói pra cacete. É preciso trabalhar muito o coração pra aprender a lidar com o que está fora do padrão. Há os que preferem pagar para não passar por isso. É o caso dos Joãos.
O Problema Joãos, é que fiquei realmente incomodada com o termo “crianças defeituosas” porque mesmo que eu encare este como mais um de seus deslizes, sei que é assim que vc nos aponta dentro do teu lar e para com os teus. O problema Joãos, é que quando eu vou no parquinho, teu filho aponta para o meu e repete e que ouviu de ti. E este é um ciclo sem fim. Que me machuca diariamente. Na piscina, no cinema, na escola particular. Não importa onde estamos, vocês são sempre em maior número do que nós.
Vocês – “os perfeitos”.
Sei que estão felizes por ganharem este jogo (as eleições) mas sinto lhes informar de que vocês mexeram com meu povo. Com minha turma, com meus colegas – os quais forneço mais afeto diariamente. Feito vitamina. Estamos em luta desde que viemos ao mundo. E estamos mais fortes.
Acostumados as atrocidades como as que vocês praticam sem querer.
Mas sinto muito, o que muda uma cidade é povo que nela reside.
E sim – nós vivemos aqui.
Em batalha constante.
Luiza Pannunzio – mãe de Clarice e Bento
criadora da rede As fissuradas
diretora de intercâmbio da Rede Profis do Hospital da USP – Bauru/SP