A COP26 de Glasgow tem início – Cúpula climática à prova de fogo

Embora o planeta esteja agonizando, os remédios são insuficientes. A comunidade internacional está tentando novamente, desta vez em Glasgow, Escócia, lançar uma terapia. Infelizmente, esta é quase sem efeito em relação ao diagnóstico.

Grande parte do mundo científico e do movimento ambientalista veem esse esforço como a última chance para conter o já irreversível aumento da temperatura da Terra. A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), organizada pelo Reino Unido em colaboração com a Itália, começou nesse domingo, 31 de outubro, e vai até o dia 12 de novembro.

O ABC de Glasgow

A Conferência das Partes –daí a sigla COP– à Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas é uma reunião anual na qual representantes do alto escalão do governo discutem e negociam eventuais propostas para reduzir o aquecimento global.

Segundo os organizadores, essa 26ª sessão reunirá delegados de quase todos os países que compõem o sistema das Nações Unidas; entre eles, uma centena de Chefes de Estado e de Governo. Também especialistas na área ambiental, dirigentes empresariais, representantes de Organizações Não Governamentais (ONGs) e da sociedade civil em geral (https://unfccc.int/es/process-and-meetings/conferences/conferencia-sobre-el-cambio-climatico-en-glasgow).

Tudo leva a crer que será um evento particularmente transcendente, uma vez que, apesar dos seis anos desde a aprovação do Acordo de Paris, na COP21, os esforços implementados até agora para limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius se mostraram insuficientes. (https://unfccc.int/files/essential_background/convention/application/pdf/spanish_paris_agreement.pdf).

Para o mundo científico, esse número –1,5 graus Celsius– constitui o limite ou o ponto de ruptura às mudanças climáticas, o qual, ao ser superado, poderia causar impactos dramaticamente irreversíveis sobre os seres humanos e a natureza. Incêndios recentes, ondas de calor, inundações e outros desastres naturais cada vez mais intensos exigem ações climáticas urgentes e conjuntas.

O último relatório do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudanças Climáticas, de 9 de agosto deste ano, é contundente. Ele afirma que “Muitas das mudanças observadas no clima são sem precedentes não em milhares, mas em centenas de milhares de anos, e algumas das mudanças que já estão ocorrendo, como o aumento contínuo do nível do mar, somente poderão ser revertidas nos próximos séculos ou milênios” (https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg1/).

Esse relatório fornece novas estimativas das probabilidades de superar o nível de aquecimento global de 1,5ºC nas próximas décadas, e conclui que, a menos que as emissões de gases de efeito estufa sejam reduzidas imediatamente, rapidamente e em larga escala, “limitar o aquecimento a cerca de 1,5ºC ou até mesmo 2ºC será uma meta inatingível”.

Outra questão-chave na agenda da COP26 em Glasgow será o financiamento climático, ou seja, a ajuda que os países industrializados prometeram proporcionar aos mais afetados pelo aquecimento global, ou seja, em geral, as nações em via de desenvolvimento. Essa ajuda ainda está muito aquém dos US$ 100 bilhões por ano anunciados em 2009 na Conferência sobre Mudanças Climáticas de Copenhague, na Dinamarca, para o financiamento de projetos de redução de emissões e de adaptação climática em regiões com menos recursos.

O Acordo de Paris como um espelho

É possível que uma eventual “terapia” que emerja da Conferência de Glasgow ajude a recuperar o tempo que foi desperdiçado na luta contra o aquecimento global? Ou será um mero espelho que se mire em Paris 21, mas sem superá-lo, com propostas consensuais e promessas que não respondem à agonia?

O principal objetivo do Acordo de Paris, de 12 de dezembro de 2015, afirma que o aumento da temperatura da Terra, neste século, não ultrapasse 2 graus Celsius – sempre em relação aos níveis pré-industriais. E, inclusive, propôs que os esforços globais fossem redobrados para tentar fazer com que tal aumento fosse, no máximo, de 1,5 graus Celsius.

Essa meta inclui a necessidade de um salto significativo de cada país para lidar com os efeitos das mudanças climáticas, limitar significativamente as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e alcançar o financiamento necessário para tornar isso possível. Por outro lado, estabelece a divulgação de relatórios periódicos sobre seus respectivos níveis de emissão e seus esforços para colocar em prática o que foi acordado, além de realizar, a cada cinco anos e conjuntamente, um inventário global para avaliar o progresso coletivo no cumprimento desses compromissos.

Com tudo isso em mente, o que acordaram em Paris foi como um mandato para que os países desenvolvidos continuassem a assumir a responsabilidade primária através de metas absolutas de redução para toda a economia, enquanto os países em desenvolvimento continuariam a intensificar seus esforços de mitigação.

O Acordo foi aberto para assinatura em 22 de abril de 2016 –Dia da Terra– na sede das Nações Unidas, em Nova York. Meses depois, em 4 de novembro de 2016, entrou em vigor, trinta dias após o cumprimento do “duplo critério”, ou seja, de sua ratificação por 55 países que representam pelo menos 55% das emissões globais. Desde então, foi subscrito por 192 países.

A julgar pelos resultados alcançados, nem o Acordo de Paris nem os esforços subsequentes produziram os resultados projetados. Análises retrospectivas sugerem que, mesmo que as promessas feitas em Paris em 2015-2016 tivessem sido cumpridas, o aumento da temperatura só teria sido limitado a menos de 4°C, muito distante do tão proclamado aumento máximo de 1,5 graus. Ou seja, os compromissos assumidos pelos Estados na época já eram insuficientes para atingir as metas estabelecidas.

De acordo com Alok Sharma, presidente da COP26, “Houve progresso, mas não o suficiente. É por isso que precisamos, especialmente, dos maiores emissores, as nações do G20, para chegar a compromissos mais fortes para 2030 se quisermos manter a meta de 1,5°C durante esta década crítica”.

Promessas (quase) impossíveis

Os compromissos climáticos mais recentes de vários países até 2030 “não são ambiciosos o suficiente e colocam o mundo no caminho certo para um aumento da temperatura neste século de pelo menos 2,7°C”, diz o último Relatório sobre a Lacuna de Emissões do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), publicado em 26 de outubro.

Os anúncios em todo o país feitos até agora permitiriam uma redução muito pequena: apenas 7,5% das emissões previstas para 2030 (https://www.unep.org/es/resources/emissions-gap-report-2021). “Para se manter no caminho rumo à meta de 2°C, é preciso garantir reduções de emissões de 30%”. Se quiserem alcançar a meta de 1,5%, seriam necessárias reduções de cerca de 55%. Mais uma vez, frente à COP26, as promessas das Partes não correspondem aos objetivos acordados. Repete-se, mais uma vez, a longa história de respostas fracas para salvar um planeta em chamas.

Ao apresentar o relatório do PNUMA, algo como um referencial conceitual para a Cúpula de Glasgow, Inger Aderson, diretora dessa organização, lembrou que “a mudança climática não é mais um problema do futuro. É um problema agora”. O PNUMA insiste que só dispomos de oito anos de oportunidade para limitar o aquecimento global a 1,5°C, mediante a redução das emissões de gases de efeito estufa para quase metade. Menos de uma década para fazer planos, implementar políticas e, finalmente, apresentar resultados tangíveis. “O relógio está correndo rápido”, enfatiza esta organização internacional.

Em 30 de setembro, 120 países, responsáveis por pouco mais da metade das emissões globais de gases de efeito estufa, haviam comunicado novas metas atualizadas. Além disso, três membros do G20 (as 20 nações mais desenvolvidas) anunciaram novas promessas de mitigação para 2030. Em sua avaliação do relatório de 26 de outubro, Alok Sharma disse que se os países cumprirem suas metas para 2030 e os compromissos de emissão zero anunciados, “estaremos caminhando para aumentos médios da temperatura global de pouco mais de 2°C”.

Duas visões conflitantes

A Cúpula de Glasgow se configura como um labirinto e uma encruzilhada para o clima planetário. E muito mais de sofisma, uma falácia construída sobre a base de promessas que a grande maioria das nações sabe que, realmente, não será capaz de manter.

A Cop26 também revela o embate de duas concepções concorrentes. A visão de uma “institucionalidade” da ONU, com propostas a médio e longo prazo, apesar de o mundo científico estar diagnosticando, há anos, a extrema gravidade da doença. E, ao contrário, a visão de boa parte da sociedade civil planetária –movimentos ambientais, ONGs de desenvolvimento, sindicatos, redes e plataformas–, que se mobilizará criticamente nas ruas de Glasgow durante a COP26, que insiste na “urgência climática” como chave para a interpretação de uma sociedade humana em uma corrida acelerada em direção ao seu próprio desaparecimento.

Então, não é de surpreender que um dos principais slogans, repetidos com eloquência pelos milhões de jovens mobilizados nos últimos anos em torno à “greve climática” seja: “Não devemos mudar o clima, mas o sistema”.

Tradução por Rose Lima

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